A narrativa de GRITOS NO SILÊNCIO começa com cinco pessoas enterrando um corpo pequeno em um local desconhecido. Não sabemos nomes e nem aparências. Acontece um pulo de dez anos, e a diretora de um colégio é assassinada na banheira de sua casa por alguém que ela esperava. E paro por aí. Qualquer coisa que eu fale a mais, seria spoiler. Sim, porque tudo o que acontece depois dessas duas partes, é surpresa. Sem exagero.

Kim, a protagonista, é uma detetive linha dura. Ela é fria, rabugenta, grossa, impetuosa, indisciplinada. Mas ela obtém resultados, por isso o seu chefe encobre os problemas que ela cria com seus superiores. Apesar desse temperamento difícil, quase todos na delegacia reconhecem sua competência e ficam a seu lado, principalmente Bryant, o seu parceiro.

No início, eu achei que a personagem teria uma construção rasa, que ela seria dessa forma, apenas para demonstrar que conseguiria perseguir e prender um assassino, e que conseguiria se sobressair em um local de trabalho onde quase todos são homens e estão abaixo dela hierarquicamente. Mas, aos poucos, a autora vai esclarecendo o passado de Kim, em momentos certos, especiais dentro do contexto, e quando eu soube de tudo, sinceramente, tive que prender o choro.

Aliás, todos os detalhes presentes em GRITOS NO SILÊNCIO, existem para um propósito. Nada está lá como adereço e tudo é explicado. A moto clássica em que Kim trabalha, terá sua função. O motivo dela pagar uma casa de repouso para a mãe, mas exigir dos funcionários que só liguem para ela quando a mãe morrer, é explicado, e muito bem explicado. O fato de um dos suspeitos ter uma filha com uma doença degenerativa, vai ter uma função fundamental e entrega um momento emocionante na última página do livro. A história paralela de duas irmãs gêmeas, é fundamental para o desfecho, e é uma das grandes surpresas da história. E assim por diante.

Toda a trama do livro está muito bem amarrada, não é linear, não segue o padrão de livros policiais ou de suspense. Por exemplo, sem revelar nada de importante, depois do prólogo e do primeiro assassinato, você pensa que as coisas estão interligadas. Mas, de certa forma, não estão. Você pensa que existe um assassino, mas talvez não. Você pensa que o culpado é certa pessoa, e ela aparece no clímax do livro, mas não com a função que você pensa. Por diversos momentos, os personagens e você são levados para uma direção, para descobrirem que estão a ser enganados. Voltam para o ponto anterior e descobrem que existe uma outra solução. E essa forma do leitor descobrir tudo ao mesmo tempo que Kim, cria um vínculo e uma curiosidade, que faz você ler tudo de uma só vez. E mais: foge do clichê de livros desse gênero.

Mas o que mais me chamou a atenção em GRITOS NO SILÊNCIO, foi o tema: abuso de garotas indefesas dentro de um orfanato. Existe uma balança moral na história, onde ninguém é perfeito ou inocente, nem mesmo as garotas assassinadas, mas isso não esconde o principal, que é o pensamento que a maioria dos homens tem sobre mulheres. Existe toda uma mensagem de empoderamento feminino, de injustiça social, de preconceito de gênero, de pretensa superioridade masculina, em cada um dos atos atrozes cometidos. E não me refiro ao assassino, ou assassina, mas e vários personagens que têm o passado exposto por Kim durante a investigação.

Para quem gosta de temas violentos, vai adorar o livro, porque quase todas as mortes têm um quê de morbidez, de sadismo, e algumas delas chegam a causar um certo desconforto, principalmente se o leitor fizer questão de imaginar mais do que precisa. E não pense que elas são descritas de forma superficial. A autora faz questão de escrever as explicações dos legistas, todas com o conhecimento de quem fez bastante pesquisa. Inclusive, os procedimentos policiais também parecem seguir a realidade, e quase todos são explicados de como acontecem e porque acontecem. Isso traz uma veracidade incrível à história.

GRITOS NO SILÊNCIO é uma leitura tensa, que fisga o leitor na primeira página, descrevendo um assassinato que engana o leitor e o surpreende a cada capítulo. Sem dúvidas, o melhor livro policial e de suspense que li este ano. Recomendo demais!


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Angela MARSONS é a autora da série International Bestselling DI Kim Stone e seus livros venderam mais de 2 milhões em 2 anos. Marsons descobriu seu amor pela escrita na escola quando seus trabalhos ficaram em segundo plano para ela observar outras pessoas e criar suas próprias histórias. Em seu boletim sempre estava escrito: “Angela se daria bem se ela se importasse tanto com os trabalhos como se importa com os outros”. Após anos escrevendo histórias baseadas em relacionamentos (The Forgotten Woman and Dear Mother) Marsons voltou-se para o Crime, ficcionalmente falando, é claro, e desenvolveu um personagem que se recusou a ir embora. Ela assinou a série Kim Stone com a Bookouture.com para um total de 16 livros, que já foram traduzidos para mais de 27 países. Angela Marsosn mora em Black Country com seu parceiro, um atrevido Golden Retriever e um papagaio.
TRADUÇÃO: Marcelo HAUCK
EDITORA: Gutenberg
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 320


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