Ontem, saiu um texto na Revista Época, intitulado: A Impostura booktuber. O título, por si só, já é ofensivo e agride todo um grupo de pessoas de forma indiscriminada, o que bate de frente com aquilo que a referida revista defende em seus Princípios Editoriais: “Nenhum veículo do Grupo Globo fará uso de sensacionalismo, a deformação da realidade de modo a causar escândalo e explorar sentimentos e emoções com o objetivo de atrair uma audiência maior. O bom jornalismo é incompatível com tal prática. Algo distinto, e legítimo, é um jornalismo popular, mais coloquial, às vezes com um toque de humor, mas sem abrir mão de informar corretamente“.

Um grupo de pessoas, jornalistas, professoras, editores, acham-se no direito de etilizar a leitura, pensam e julgam que livros não pertencem às massas. Como se ler fosse um privilégio e não um direito. Com o advento da Internet, todos, ou qualquer um, tem a liberdade de expressão, antes reservada apenas e, exatamente, a essa classe que se considera elitizada. Hoje, a exclusividade de opinião não está concentrada em revistas e jornais, mas difundida por qualquer pessoa que possua uma conexão, seja através de blogs, redes sociais ou vídeos pelo Youtube. Com isso, esses pseudointelectuais perdem espaço para pessoas com metade da idade, mas, com certeza, com o dobro de visibilidade.

Com o advento da Internet, todos, ou qualquer um, tem a liberdade de expressão, antes reservada apenas e, exatamente, a essa classe que se considera elitizada.

Até essa revolução digital, era exclusividade de alguns desses críticos, ou jornalistas, ou professores, com colunas em jornais e revistas, receber de editoras, de empresas, dinheiro, produtos, livros, para fazerem divulgações. Isso mudou. As editoras e demais empresas sabem que são os blogueiros e os booktubers que concentram a gigantesca maioria da influência sobre o público consumidor de livros. Então, o que fazem? Agem como animais acuados e atacam essa nova geração, taxando-a de ignorante e aproveitadora. Curioso que até poucos anos atrás, quando eram eles com essa função, tudo era permitido, tudo era culto, tudo era inteligente. Acredito que tal comportamento esteja ligado ao que chamamos de hipocrisia e de inveja.

A coisa virou pública, quando um escritor, após entrar em contato com uma booktuber para que ela resenhasse seu livro, recebeu um orçamento com valores estipulados para diversos modelos de divulgação. O sujeito surtou e tornou público o orçamento. Esse único ato antiético e desrespeitoso, já dá uma ideia da prepotência do autor. Independentemente da qualidade do trabalho da booktuber, ninguém é obrigado a fazer nada para outro de graça. O autor passou então a denegrir a imagem de todos os booktubers e blogueiros, indiscriminadamente, da mesma forma que o professor autor da coluna da revista Época. Curioso é que se a booktuber não tivesse cobrado, o autor teria deixado que ela falasse de seu livro, e o professor da coluna da Época não teria escrito sua coluna. Ou seja, a qualidade é boa se for de graça. Se cobrar, não presta. Então, seguindo esse mesmo raciocínio, pela qualidade do texto publicado na Época, ele deve ter sido bem caro.

Independentemente da qualidade do trabalho da booktuber, ninguém é obrigado a fazer nada para outro de graça.

A coisa é tão nojenta, que o autor do texto da revista chega a chamar o orçamento da booktuber de barbárie, chama os booktubers de impostores, de ignorantes, de amadores e ofende, inclusive, o público que segue os blogueiros e booktubers, dando a entender que a situação atual brasileira se deve às mesmas pessoas que leem qualquer tipo de literatura.

Em uma parte do texto, ele descreve como é feita a análise de um livro por um blogueiro ou um booktuber: informações de orelha do livro, resumo da trama com alertas de spoilers, seguido de um momento opinativo. Finaliza o parágrafo, afirmando que a maioria dos livros resenhados são do gênero jovem adulto, o que “nivela crítico e criticado”. Ou seja, ele ataca, inclusive, um gênero literário responsável por manter quase todas as editoras.

Mas o mais interessante é que todas as resenhas da revista onde esse professor escreve, e em outras revistas da mesma qualidade, seguem exatamente o mesmo estilo. Minto. Elas são menores e mais rasas. Muitas não possuem sequer 400 palavras. São irrisórias. Além de que blogueiros e booktubers respeitam o leitor e evitam spoilers, e quando não é possível evitar, exibem um alerta de que terá spoilers. Não são raras as vezes que “críticas” literárias dessas revistas, soltam spoilers sem qualquer aviso, desrespeitando o público que ainda não leu o livro. Mas isso nem é surpresa para esse tipo de profissional qualificado que deve considerar que está acima disso. Afinal, a elite da qual eles se consideram parte, e para a qual escrevem, além de extremamentete inteligente, também deve ser vidente.

Mas as ofensas do professor continuam, quando ele afirma, por exemplo, que os blogueiros e booktubers são “uma cultura centrada em monólogos e umbigos”, que “democratizar a leitura é vender muito, não importando a qualidade do que se vende. Mistura de populismo de mercado com anti-intelectualismo”. Mas quem ataca, não são os booktuber ou blogueiros, pelo contrário, eles simplesmente fazem o que gostam e ignoram esse tipo de pessoas, presas a um passado e a veículos de comunicação que estão em extinção.

Não é de hoje que os veículos antigos de comunicação atacam quem produz conteúdo digital. Ao invés de produzirem o mesmo, de se adequarem, eles preferem se manter em um mundo jurássico, criando formas falsas e covardes de atacar quem evolui. Isso já acontece em larga escala nos EUA, e faz um par de anos que começou a acontecer no Brasil. A tendência é que piore, pelo menos enquanto os integrantes desse mundinho não entrem no vácuo de seus próprios preconceitos.

Mas quem ataca, não são os booktuber ou blogueiros, pelo contrário, eles simplesmente fazem o que gostam e ignoram esse tipo de pessoas, presas a um passado e a veículos de comunicação que estão em extinção.

O resumo de tudo isso é bem simples e não se trata de uma cruzada pela qualidade. Não! Longe disso. A verdade pura e simples, é que um autor considerou que, por ser autor, teria seu livro divulgado de graça, e não teve. Por isso, e apenas por isso, ele pediu a um jornalista que o ajudasse a denigrir a imagem de uma classe, agredindo e escrevendo, eles sim, barbáries grotescas e preconceituosas. Tudo em uma revista que grita em seus editais que respeita o leitor, mas que publica matérias que o desrespeitam. Ou seja, estão todos muito bem localizados no mesmo caldeirão de intolerância, a caminho do abismo do esquecimento.

Mas ele conseguiu? Claro que não! Em menos de meia semana, ninguém mais se lembrará do referido autor e de seu amigo professor jornalista intelectual. Os booktubers e blogueiros continuarão a fazer o que sabem fazer, a influenciar quem os segue, mais e mais. Esses grupo exclusivista de pessoas ainda não compreendeu que gritam no meio de uma tempestade, que suas vozes se perdem ao vento, sem qualquer função a não ser deixar claro como são desnecessários.

E quanto à situação brasileira, não creio que ela se deva à leitura indiscriminada de qualquer livro, mas, sim, a alguns professores, a alguns jornalistas, a alguns escritores, a alguns editores, que destilam ódio, que propagam preconceito, que insultam gêneros, que elitizam a cultura. É com esse tipo de ensinamento que se formam os responsáveis pela situação precária do país.