A história fictícia de Caio e Virgínia é semelhante a milhares de histórias da vida real. Difícil encontrar uma pessoa que não tenha escutado de amigos, de conhecidos, ou mesmo vivido, situações parecidas. Ela é fotógrafa de crianças, mas anseia por mais; ele está se formando em publicidade e não tem qualquer ambição. Ela se sente responsável por cuidar da irmã gêmea, Luiza, cuja saúde é precária; ele foge da família, do emprego fixo, de compromissos. Ela vem de uma relação conturbada, de uma decisão difícil; ele pula de uma relação para outra, enxerga na próxima mulher sua verdadeira paixão, que dura uma semana. Eles se conhecem em uma casa de shows, e a partir desse encontro, começam a se questionar sobre a vida que levam e a vida que gostariam de levar.

A narrativa de Chris Melo é em terceira pessoa, entretanto, a forma como escreve é semelhante a uma conversa entre ela e o leitor, como se ela fosse presente, uma conhecida, uma amiga, que está contando algo de pessoas que existem, que ela conhece. Isso a transforma em uma personagem, porque, ao contrário de outros livros, onde o narrador é imparcial e se contenta em apresentar a história sem tomar partido, Chris toma partido, dá sua opinião sobre os acertos e os erros de Caio e Virgínia, solta pensamentos do que ela acha que eles deveriam fazer, critica atos e decisões, divaga sobre como eles se comportam, ou seja, dá palpites como alguém que faz parte da história, e, com isso, leva o leitor junto.

É uma técnica de prosa que eu não conhecia, e não me lembro de algum outro livro que a utilize. Sinceramente? Gostei, porque tornou a experiência da leitura em algo mais pessoal, e criou uma aproximação, não apenas dos personagens, mas da própria autora. A coisa é tão diferente, que em certa parte, Chris parece que sente até raiva de seus personagens, como se não fosse ela quem criou cada um deles e o que eles estão vivendo. Por isso, repito que considero a autora como uma das personagens do livro.

Caio é o típico garoto que virou homem, mas não percebeu. Ele é imaturo, individualista, mimado, dramático, mulherengo, inconsequente, impulsivo, como praticamente todo homem da mesma idade, ou seja, entre os dezoito e os sessenta anos. Vive às custas da família em um apartamento e não sabe o que quer da vida. Gosta das coisas que tem, gosta de paquerar e ser paquerado, não enxerga seus erros, e quando é acusado de algo, se faz de vítima, instintivamente, e acredita que realmente é uma vítima.

É um romance simples, atual, jovem, familiar, que trata de temas sensíveis de forma responsável, que se preocupa em ensinar.

Virgínia toma para si responsabilidades que não são suas. Ao invés de ingressar na faculdade, decide fazer uma viagem longa, se apaixona por um homem mais velho e vive com ele dois anos fora do Brasil. Acontece algo na relação que a obriga a tomar uma decisão radical, sua irmã Luiza fica doente, ela volta para seu país e começa a trabalhar como fotógrafa infantil. Nesse ponto, ela não sabe para onde deseja seguir, não sabe se tem forças para tentar algo novo e se sente sufocada pela relação familiar.

Caio e Virgínia são a representação da maioria dos jovens adultos de classe média brasileira. Não sabem o que tem, não sabem o que querem ter, não sabem como manter uma relação afetiva, não sabem como responder à família, não sabem como realizar seus sonhos e desejos. Eles aprendem tentando, errando, consertando, errando de novo, consertando de novo, se separando, voltando, e assim em diante, até que consigam se acertar, ou se separar, definitivamente.

UMA NOITE E A VIDA trata desse tipo de relação, onde os erros de ambos, alguns pequenos, outros maiores, são o motor para moldar o caráter de cada um deles, até que finalmente consigam amadurecer e reconhecer o que realmente desejam. Aos poucos, Caio e Virgínia aprendem que uma relação se faz estável e duradoura, através de respeito, de confiança, de fidelidade, de pequenas concessões. Não há a possibilidade de existir um convívio harmonioso sem concessões. E para existirem concessões, é necessário existir respeito e amor. É necessário reconhecer no outro, aquilo que lhe é essencial, e abrir mão do que para você não é essencial. Equilíbrio.

Mas o livro trata de mais assuntos, como a inevitabilidade do destino em juntar duas pessoas. Há quem diga que quando uma pessoa está destinada para a outra, mesmo que demore muito tempo, mesmo que aconteçam separações, curtas ou longas, um dia, inevitavelmente, elas irão se encontrar de novo. E quando esse encontro acontece, se elas já forem maduras suficientes, se já tiverem aprendido o que é respeito e como respeitar, então elas ficarão juntas para sempre.

UMA NOITE E A VIDA é um romance simples, atual, jovem, familiar, que trata de temas sensíveis de forma responsável, que se preocupa em ensinar. Acompanha a jornada de duas pessoas que se amam, mas que, primeiro, precisam aprender a se amar, a amar a família, a saber perdoar e a se perdoar. São coisas simples, cotidianas, mas que para muitos, são difíceis de reconhecer e de fazer. Pelo menos ao ler, pode ser que seja mais fácil para você.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Chris MELO, balzaquiana, habitante oficial do mundo da Lua, mestre-cuca de feriado e adoradora do culto “papo furado e risada solta”. Conhecida por sua escrita sensível e intimista.
EDITORA: Fábrica231
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 256


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