O livro FLORES PARA ALGERON é um romance epistolar onde acompanhamos os registros de Charlie em um diário. Nosso protagonista e narrador está prestes a passar por um procedimento cirúrgico que promete torná-lo inteligente. Ser inteligente é o maior sonho de Charlie, já que ele nasceu com deficiência intelectual e seu QI não chega a 70. Com 32 anos, Charlie nunca teve uma vida “normal“. Ser inteligente representa, para ele, poder dar orgulho às pessoas e até voltar a se relacionar com a família.

E talvez você esteja se perguntando: “se o nome do protagonista é Charlie, quem é o Algernon?“. Algernon é o ratinho de laboratório que passou pela mesma cirurgia que Charlie passará. Quando Charlie é apresentado ao Algernon, ele se surpreende com a inteligencia do ratinho, e o fato de ele não conseguir cumprir os desafios que Algernon consegue, deixa-o ainda mais motivado e empolgado com a cirurgia.

Essa é a premissa básica do livro. A partir disso, acompanharemos os registros de Charlie em um diário que ele é orientado, pelos pesquisadores, a escrever, a fim de que se possam acompanhar, não apenas sua escrita, mas também  as mudanças emocionais e intelectuais.

FLORES PARA ALGERON é um livro capaz de nos fazer questionar muitas coisas, especialmente o valor que a humanidade dá à inteligência, o desprezo pelos intelectualmente inferiores e como a inteligência interfere em nossa saúde mental. Sabe aquela história de que quanto mais inteligente uma pessoa é, mais ela sofre? É claro que esse é um modo bem radical de encarar as coisas, mas, de certa forma, isso fica muito claro no livro.

Após a cirurgia, Charlie começou a entender zombarias, sarcasmo e ofensas. Imagine viver a sua vida inteira acreditando que as pessoas são boas e amigáveis e, de repente, você percebe que sempre foi discriminado e alvo de piadas e brincadeiras humilhantes.

Nossas funções cognitivas (inteligência, memória, atenção, linguagem, percepção, raciocínio, entre outras) estão todas interligadas em nosso cérebro. Portanto, não é só a inteligência de Charlie que muda. Um dos elementos mais marcantes da histórias, é que a memória de Charlie melhora, e ele começa a se lembrar de coisas que há muito havia esquecido. É muito triste acompanhar Charlie recordando memórias de sua infância.

Antes da cirurgia, Charlie tinha a idade intelectual e emocional de uma criança, ele não via maldade nas pessoas, mesmo quando elas estavam zombando dele. Após a cirurgia, Charlie começou a entender zombarias, sarcasmo e ofensas. Imagine viver a sua vida inteira acreditando que as pessoas são boas e amigáveis e, de repente, você percebe que sempre foi discriminado e alvo de piadas e brincadeiras humilhantes.

Quantas violências diárias Charlie sofria sem se dar conta? Quantas vezes riram dele sem que ele percebesse? Quantas ofensas passavam despercebidas por ele? E será que a inteligencia que ele alcançar a partir de agora, deixará mesmo as pessoas orgulhosas? Ou elas ficarão ressentidas e com raiva? Afinal, a gente gosta mesmo de ver alguém nos ultrapassar? Ou nos sentimos mais confortáveis quando o outro é “inferior“? Tudo isso é colocado em questionamento no livro.

E não há como negar: as mudanças de Charlie também mudam a forma como o leitor visualiza o personagem. E perceber isso é importante.

Outra coisa muito interessante é a forma como o autor utilizou a linguagem como componente narrativo. O livro começa com muitos erros de ortografia e gramática, palavras escritas da forma errada, ausência de pontuação e acentuação. Isso interfere na forma como visualizamos o personagem. E então, conforme Charlie vai aprendendo, sua escrita vai melhorando, se tornando mais correta e formal.

Todos esses elementos, inteligência, memória, linguagem, atenção, percepção e tantas outras questões de cunho cognitivo, são trabalhadas de forma muito interessante no livro. Certamente, a formação em Psicologia do autor, contribuiu para que ele escrevesse uma história tão bem estruturada como essa.

Mas não pense que toda essa atenção que o autor dá às funções cognitivas significa que ele ignora as questões emocionais. Na verdade, FLORES PARA ALGERON é um livro muito bem dosado. Nele, nós também temos uma carga emocional muito relevante. Vale mencionar que nossa inteligencia e nossas emoções são sistemas independentes. Isso significa que a cirurgia que torna Charlie mais inteligente, não altera sua inteligência emocional. Ele precisa aprender a ser adulto, e ver esse processo é muito interessante, mas também muito doloroso.

O livro nos faz pensar que a verdade é que tudo o que foge à norma, incomoda. Seja para mais ou para menos.

Memórias surgindo, novas sensações, percepção acentuada e até um maior senso de moralidade, tudo isso pela primeira vez e de uma só vez. São muitas coisas para digerir , e esse processo de começar a ver as mazelas do mundo e as maldades das pessoas, é certamente perturbador. E não há como negar: as mudanças de Charlie também mudam a forma como o leitor visualiza o personagem. E perceber isso é importante. FLORES PARA ALGERON também é um livro que vai fazer o leitor reavaliar a si próprio.

Quando Charlie começa a se desenvolver intelectualmente a ponto de se tornar mais inteligente do que todas as pessoas à sua volta, um novo sentimento surge: raiva. De “burro” a gênio, Charlie tem um olhar único para encarar o mundo.

Outro aspecto trabalhado no livro é a sexualidade. Como eu disse, a inteligencia emocional de Charlie continua sendo a de uma criança ou de um adolescente. Sem nunca ter se envolvido sexualmente com alguém, Charlie agora precisa lidar com sua sexualidade aflorada. Um homem de 32 anos com impulsos sexuais de um garoto de 14.

O livro nos faz pensar que a verdade é que tudo o que foge à norma, incomoda. Seja para mais ou para menos. Quando Charlie tinha um QI 68, ele incomodava. Sendo inteligente demais, ele também incomoda, é visto como metido e esnobe. E o que é pior: ser desprezado por sua ignorância ou odiado por sua inteligência? Afinal, quem está certo e quem está errado? Charlie realmente se tornou mesquinho e prepotente? Ser inteligente o tornou metido? Ou as pessoas que se incomodam por ele não ser mais passivo e bonzinho como antes? Como se reconectar com as pessoas sem perder sua liberdade intelectual?

Todas essas questões perpassam a leitura do livro. Estar “dentro da cabeça” de Charlie, através dos registros em seu diário, é uma experiencia enriquecedora em muito sentidos, e nos faz pensar sobre as nossas próprias experiencias e atitudes. Um dos melhores livros que eu li esse ano e um dos meus favoritos da vida. Tocante, inteligente, emocionante, reflexivo e, realmente, maravilhoso e inesquecível, FLORES PARA ALGERON não é um livro para apenas ler, é um livro para sentir, para mudar a forma como enxergamos as interações humanas e para levar pra sempre conosco. Leiam! Leiam! Leiam!

E se eu ainda não te convenci a ler, vou te dar mais CINCO MOTIVOS:

UM: A edição é impecável. A editora Aleph caprichou demais nesse livro. Capa dura, com uma arte de capa maravilhosa (uma das minhas capas preferidas), cheia de detalhes, folha de guarda roxa linda. Tudo lindo!

DOIS: Tem uma adaptação para o cinema que é uma obra-prima. E claro que você não vai querer ver o filme sem ler o livro antes, né?!

TRÊS: Você pode se perguntar: “um livro publicado pela primeira vez em 1959 deve ter uma escrita super arrastada”. Pode acreditar, não tem. A narrativa é uma delícia. Não dá pra largar depois de começar, e você vai querer ler tudo de um só vez.

QUATRO: Os personagens secundários. Só Charlie já bastaria pra tornar essa história incrível. Porém, o autor conseguiu desenvolver vários personagens únicos e verdadeiros que tornam a história ainda mais completa.

CINCO: Algernon. Como não falar do ratinho mais incrível da literatura? Algernon é também um personagem do livro e a presença dele no enredo torna tudo ainda mais legal. A interação entre Algernon e Charlie é muito enriquecedora para a história.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Daniel KEYES (9 de Agosto de 1927), Brooklyn, New York City. Atualmente mora no Sul da Flórida. Professor e escritor norte-americano de Ficção Científica diplomado em Psicologia, Inglês e Literatura pela Universidade do Brooklyn. Ganhador dos Prêmios Hugo e Nebula em 1959 e 1966 pela publicação do conto e, posteriormente, do livro, “Flowers for Algernon”
TRADUÇÃO: Luisa GEISLER
EDITORA: Aleph
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 288


COMPRAR: Amazon