Um autor de quadrinhos precisa possuir a habilidade de criar uma narrativa coerente escrita e uma narrativa coerente visual. Não adianta apenas criar uma boa história, a composição e a sequência dos quadrinhos precisa acompanhar o que está sendo contado nos balões. Mas existem aqueles autores que vão um pouco além disso, quando eles conseguem criar uma narrativa visual suficientemente completa e compreensível para não precisar da narrativa escrita, ou seja, com a ausência de balões ou qualquer texto.

Isso acontece em UM PEDAÇO DE MADEIRA E AÇO, onde não existe qualquer tipo de texto e onde a história é contada totalmente através de imagens e cores, ou melhor, apenas em preto e branco. Não pense que isso pode ser difícil de compreender, não é. A compreensão do que ocorre em cada quadrinho é imediata, emocionante e surpreendente. E o que é melhor: possibilita ao leitor ter sua própria interpretação do que está vendo.

A narrativa se concentra em pequenos, mas importantes, acontecimentos na vida de algumas pessoas que cruzam pelo caminho do banco de uma praça qualquer. Todas as histórias individuais são intercaladas, não são contínuas. Você vê uma mulher chegar com um papel na mão, sentar-se no banco, ler e ficar séria. Ela vai embora. Aí vem um homem com um buquê de flores, senta-se, olha o relógio e espera. Espera. Espera. Fica triste e vai embora. Em seguida, vem um mendigo bêbado e deita-se no banco. Chega um guarda e o expulsa. Várias outras pequenas situações acontecem, há uma passagem de tempo, que o leitor compreende pelas folhas que caem da árvore, ou pela força do vento, ou pela chuva que cai, e aquela mulher do papel retorna, desta vez com um lenço na cabeça, porque está careca. Ela come alguma coisa sentada no banco. Nesse ponto, o leitor compreende que o papel era um exame e que ela descobriu que estava com câncer. Ela vai embora e vem outro personagem com a continuação de sua história. Até o final do livro, todas essas pequenas histórias têm um fim, inclusive o destino do banco.

Não sei dizer qual dessas pequenas histórias é a mais emocionante, inclusive a do banco, que apesar de ser um objeto sem vida, por estar sempre presente em cada um dos dramas visuais que acompanhamos, também tem seu próprio drama, quando é retirado da praça por estar velho e substituído por um outro banco mais moderno, mas não tão confortável, que acaba por afastar as pessoas que antes descansavam naquele espaço. Mas a história dele não termina aí, acontece algo depois que o liga aos primeiros personagens que aparecem no livro, muitos anos antes, quando eles ainda eram crianças. É emocionante de tantas formas…

UM PEDAÇO DE MADEIRA E AÇO é uma HQ extremamente bem desenhada, com uma narrativa visual deslumbrante, inteligente, emocionante, uma obra de arte que se torna indispensável de se ter na estante. A edição está bem caprichada, capa dura, lombadas redondas, papel com gramatura maior, condizente com a qualidade do conteúdo. Faça um favor a você mesmo, compre rápido!


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Christophe CHABOUTÉ, nascido em 08 de fevereiro de 1967, é de origem alsaciana. Frequentou os cursos de Belas Artes em Angoulême e Estrasburgo. A editora Vents d’Ouest publicou suas primeiras obras em 1993 em Les Récits, um álbum coletivo sobre Arthur Rimbaud. Porém ficou mais conhecido em 1998 através da publicação de Sorcières, pela Éditions Le Téméraire (premiado no Illzach Festival) e Quelques jours d’été (Festival de Angoulême). Ele também ilustrou romances para jovens. Seu trabalho Tout seul, ainda sem tradução para o português, é considerado sua obra-prima.
EDITORA: Pipoca e Nanquim
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 336


COMPRAR: Amazon