Já nas primeiras linhas de MULHERES ESMERALDAS, você irá descobrir que a narrativa não é tradicional. Embora seja em prosa, em muitas partes não existem quebras para diálogos, nem pontuações que o indiquem, como travessões e aspas, e algumas regras gramaticais são subvertidas e ignoradas, tudo em prol de uma narrativa sequencial bem dinâmica, sem excessos, que transformam todos os acontecimentos em algo rápido e urgente, como se você corresse sem tempo para respirar.

Essa singularidade coloca a obra de Domingos Pellegrini naquele grupo de livros que, além de contarem uma história, conseguem criar uma forma própria de fazer isso. A arte não reside apenas no que é contado, mas também na combinação das palavras e frases. Esse trabalho duplo de interpretação por parte do leitor, pode ser apreciado, ou não. Aí caímos naquela área da subjetividade, onde o gosto individual irá interferir no resultado final. Independentemente disso, não há como dizer que a escolha do autor é ruim. Ela é, simplesmente, a escolha dele, ímpar, única, e não interfere na qualidade da história.

Pode ser, Mariane fala como quem dá licença à tropa e todas se alegram, ela dá mais dinheiro a Donana, comanda vamos e Pintinha estapeia a bunda dele, e vão, a coluna já não reclama. Seguem pela rua bem transitada até uma avenida engarrafada, Pintinha admirada: parece, preibói, uma boiada de lata.

Narrada em terceira pessoa, a história acompanha a investigação de um repórter da revista Playboy, em 1984, sobre um grupo de mulheres que mantém uma mineração de ouro na Amazônia: Mariane, Pintinha, Portuguesa, Donana, Dita e Cida. Para terem permissão, elas entregam uma parcela do que encontram para um delegado corrupto. Mas quando encontram uma quantidade absurda de esmeraldas, elas decidem fugir com as pedras, e, para isso, planejam utilizar o repórter como meio de passagem pelas barreiras até a civilização.

O repórter não tem nome, é tratado apenas por ele, preibói ou playboy. Pellegrini realmente esteve na Amazônia na época em que a história acontece, e o texto é permeado por referências à época, como as Diretas Já, Tancredo Neves e o fim da Ditadura no Brasil. Mas não fica apenas nisso, uma vez que, durante a viagem, Mariane e o repórter fazem vários comparativos, em tom de provocação e implicância, sobre o que existe de errado em seus países de origem. No caso de Mariane, os EUA.

As mineradoras se dividem em dois grupos para a fuga: Mariane, Pintinha e Portuguesa seguem com o repórter, enquanto as outras três vão por um caminho alternativo. Assim, elas garantem que se um grupo for pego, o outro consegue passar e salvar metade das esmeraldas.

O relacionamento do repórter com Pintinha é cheio de sensualidade, uma vez que a garota faz de tudo para seduzi-lo. Entretanto, ele está mais interessado em conquistar Mariane. Isso não evita que muitas partes da história sejam engraçadas pelas situações que eles criam. E nem que existam descrições de Pintinha seminua. Entretanto, tudo é bem singelo, não vai além de insinuações. Até mesmo na única parte onde acontece uma relação sexual, esta é descrita de forma bem rápida, sem detalhes, apenas o necessário para que o leitor compreenda o que aconteceu e o que os personagens sentiram.

Ficam ali, num calor de escorrer suor nos olhos, sentindo o carro esfriar com a chuva – e então ele sai do carro e a chuva baixa a ereção. (…) Ele tira a camiseta e esfrega no corpo como bucha. Pintinha sai do carro só de calcinhas e botas de plástico, fica dançando e pulando em volta dele.

Apesar da premissa de MULHERES ESMERALDAS ser o de uma aventura, com perseguições e fugas, o que se destaca na história, de verdade, é o amadurecimento do relacionamento do repórter com Mariane e Pintinha, e o aprendizado, ou a confirmação, de como as pessoas pensam e agem em locações remotas do Brasil, motivadas pela ganância, ou, simplesmente, pelo desejo de terem uma vida melhor, mais tranquila, sem as provações que muitos enfrentam em uma cidade grande, ou em uma mina de minerais preciosos no coração da selva Amazônica.

De qualquer forma, se seu interesse não for esse, mesmo assim você deverá ficar satisfeito com o livro, uma vez que realmente existem os trechos de perseguições e fugas. Existem, inclusive, aquelas partes onde os personagens precisam improvisar para conseguirem escapar de algum perigo. Principalmente após o encontro dos dois grupos de mulheres, onde os reais interesses de cada uma, vem à tona.

Existe uma outra imensa qualidade na obra: as mulheres são as mandantes de toda a situação, mesmo sendo um homem o personagem principal. Isso não evita que existam partes machistas, mas elas são de propósito, uma vez que representam o comportamento natural e estereotipado de um ou outro personagem.

MULHERES ESMERALDAS é um livro ímpar, publicado de forma corajosa pela editora, uma vez que sua narrativa fica muito distante do convencional. Mas o conteúdo da história também se destaca, pela sensualidade, pelo contexto da época, regional e social, pela lição de que amizades e amores surgem sobre bases de confiança. Além do mais, é um livro sobre nosso país, sobre nossa história e sobre a diversidade de nosso povo, e onde, além de tudo, mostra a força da mulher. Não tem como pedir muito mais, tem?


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Domingos PELLEGRINI teve duas obras, O Caso da Chácara Chão e O Homem Vermelho, vencedoras do prêmio Jabuti. Nasceu e vive em Londrina, onde estudou Letras. Trabalha com jornalismo e publicidade. É autor de contos, poesias, romances e romances juvenis. Vive atualmente na Chácara Chão, em sua cidade natal, de onde envia colunas para o Jornal de Londrina e para a revista Globo Rural, entre outras publicações.
EDITORA: Gutenberg
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 208


COMPRAR: Amazon