Escravidão, guerras mundiais, bomba atômica e Holocausto. Será que a humanidade já foi longe demais? Ou será que em breve chegaremos? A escritora canadense Margaret Atwood, hipnotizou a todos com sua obra mais famosa e que agora também é uma série de TV, THE HANDMAID’S TALE. Aqui, a escritora volta a imaginar um mundo caótico e absurdo, onde o ser humano cruza todos os limites possíveis e impossíveis: este é ORYX E CRAKE.

Em um futuro tecnológico, o ser humano desvendou os segredos da genética, já é possível cruzar espécies distintas e aprimorar qualquer outra. Um importante laboratório desenvolveu um porco aprimorado que, além de ser mais inteligente, serve como peça de reposição para qualquer órgão que o ser humano possa precisar. E isso desencadeia várias pesquisas e cruzamentos, chegando a um ponto onde o limite não existe.

O personagem principal e narrador, Homem das Neves, vive em um mundo selvagem e perigoso. Anos depois dessa corrida pela genética, o mundo foi devastado, os recursos estão esgotados e a fome domina o planeta. Os humanos desapareceram e as novas raças dos animais aprimorados evoluíram ao ponto de ser um perigo para todos.

A trama se inicia no futuro caótico, e o leitor é jogado em um universo rico de detalhes e milionário de dúvidas. Não sabemos o que aconteceu e muito menos como isso pode melhorar, mas, em forma de lembranças, o narrador destrincha todo o passado de forma cronológica e chocante. Homem das Neves, uma vez, já foi conhecido como Jimmy, um estudante que viu de perto a desgraça acontecer. Seu pai trabalhou no desenvolvimento do programa “Porcão”, e sua mãe desapareceu da noite para o dia. Seu melhor amigo, Crake, é inteligente, estudioso e ambicioso. Juntos, vivem num mundo louco e cheio de excessos.

A autora acaba com a cabeça do leitor, quando começa a nos apresentar como estava o mundo durante a corrida genética, ao mesmo tempo em que nos apresenta suas consequências. Tudo é mais que repugnante e bizarro. Imagina você precisar de um transplante de rim e receber o órgão de um porco transgênico. Até mesmo, quem sabe, um transplante de cérebro ou sangue do animal? E quais as consequências dessa mistura genética a longo prazo? A raça humana ficou completamente louca consumindo mais e, principalmente, perdendo a noção do certo e do errado. As pessoas mudaram e seus gostos também, passando a apreciar com muita intensidade coisas sujas, banais, criminosas e imorais.

Mas não é só na genética do porco que nós mexemos, foi em absolutamente tudo, até mesmo em vacinas milagrosas que prometiam o impossível, causando, no final, uma reação em cadeia catastrófica. Tudo é muito estranho e assustador. Nas lembranças do Homem das Neves, conhecemos a origem de tudo e, no futuro atual caótico, percebemos o preço de toda essa ciência do consumo, dessa vida de brincar de Deus.

Homem das Neves vive numa praia com algumas pessoas bem estranhas, que parecem não saber nada sobre o passado, como se fossem uma página em branco, e, para elas, o Homem das Neves é um deus que sabe de tudo. O homem passa o dia contanto histórias fantasiosas para essas pessoas de como a vida surgiu e o porquê de tudo estar como está. Ao mesmo tempo em que se perde nas suas próprias memórias de um amor intenso que o rapaz nunca viveu em plenitude máxima com uma menina chamada Oryx. De longe, o arco mais chocante e intenso do livro, onde o narrador nos conta a origem do seu amor por Oryx, junto com toda a origem da jovem, numa série de capítulos absurdos de tão chocantes, ao mesmo tempo em que é muito atual.

E talvez o momento mais absurdo do livro fica por conta do frango vivo sem cabeça, que foi desenvolvido por um laboratório a fim de produzir mais carne e facilitar processos industriais. De longe dá vontade de rir, mas dentro da trama, o leitor só fica bastante assustado, será que o limite existe? O poder que a autora domina ao trabalhar conceitos e ideias absurdas é surreal. Engana-se quem pensa que tudo isso é uma ficção distante. Assim como em O CONTO DA AIA, o futuro, aqui, não foge muito da nossa realidade, pois atualmente existem leis para controlar o estudo de animais transgênicos e seus efeitos na alimentação humana, principalmente no uso descontrolado de hormônios do crescimento.

No final, temos todas as respostas necessárias, talvez não todas que precisamos, e um grande buraco fica para o leitor, o que vai acontecer agora? ORYX E CRAKE é o primeiro volume de uma trilogia, mas como obra avulsa, destaca-se bastante, com uma narrativa ágil e bem dosada, inteligente e intrigante. Pode ser descrito como uma união do filme da Netflix, OKJA, junto com a série WESTWORLD. O final reserva muitas reviravoltas e um grande choque quando a ficha cai. E não basta a leitura ser incrível, ela ainda instala no leitor uma série de questionamentos: é realmente um futuro muito distante? É um futuro impossível? Será que isso está começando a acontecer agora? Leitura Imperdível!


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Margaret ATWOOD é uma escritora canadense: romancista, poetisa, ensaísta e contista, foi galardoada com inúmeros prêmios literários internacionais importantes (Arthur C. Clarke Award, Prince of Asturias, Booker Prize). Recebeu a Ordem do Canadá, a mais alta distinção em seu país além de ter sido indicada várias vezes para o Booker Prize – tendo o ganhado no ano 2000 com o romance O Assassino Cego (The Blind Assassin, 2000). Outros romances de sua autoria são Olho de Gato (Cat’s Eye, 1988) e Oryx & Crake (2003). Sua obra é conhecida por mesclar uma fina veia irônica e lúdica com uma aguçada perspicácia para questões contemporâneas – como as relações de gênero e o meio ambiente.
TRADUÇÃO: Léa Viveiros de CASTRO
EDITORA: Rocco
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 352


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