Através de uma adaptação livre de personagens mágicos das histórias do Oriente Médio, como o Daeva, uma divindade do caos e da ordem, ou o djinn, um gênio que concede desejos, ou um ifrit, um gênio do mal, Chakraborty criou um mundo complexo, extenso, criativo e, embora passado no século XVIII, atual. Em A CIDADE DE BRONZE, todos esses seres da mitologia Árabe, são remodelados de forma a se encaixarem em um mundo à margem de nossa realidade, dividido em classes, que vivem em conflito por vingança e por poder.

Na cidade do Cairo, invadida por soldados de Napoleão, Nahri é uma garota órfã que sobrevive através de pequenos golpes e roubos. Embora não conheça sua origem, ela sabe que é diferente dos demais, uma vez que consegue se curar de quase qualquer ferimento, além de fazer o mesmo pelos outros. Em um de seus golpes, que envolve a farsa de um ritual de conjuração, ela acaba invocando um djinn, Dara, e chamando a atenção para si de um ifrit, entre outros demônios.

Dara reconhece Nahri como uma filha de um Daeva e um humano, uma shafit, e decide levá-la para uma cidade oculta pela magia, Daevabad, a Cidade de Bronze, onde ela poderá descobrir seu passado e ficar em segurança. Os dois, durante a viagem, e após chegaram na cidade, vão descobrir que Nahri é muito mais do que aparenta, além de que o interesse por ela é muito maior do que pensam.

Ao mesmo tempo, a narrativa envolve o leitor com Ali, o segundo filho do rei de Daevabad, um príncipe que não concorda inteiramente com a forma como o pai governa, e que, por isso, se envolve com as classes dominadas, de forma que elas possam receber ajuda e conseguirem se manter diante do regime opressor. Mas seus esquemas não são assim tão secretos, e ele precisa se proteger de ser denunciado, além de ter que lidar com a chegada de Nahri e a tempestade que isso provoca.

Em terceira pessoa, os capítulos são alternados entre Nahri e Ali. Chakraborty não tem qualquer economia na forma como explica para o leitor a organização social, econômica e política de Daevabad, bem como não esconde detalhes violentos dos confrontos entre as classes, e os resultados dessas batalhas. Esse cuidado na construção do ambiente e do conteúdo, que servem de fundo para a relação dos personagens, é o que diferencia a obra de outras fantasias. E essa habilidade se torna mais surpreendente por A CIDADE DE BRONZE ser o romance de estreia da autora.

Nahri é uma garota perdida em um mundo mágico que achava que não existia. De certa forma, ela é o olhar do leitor, que se encanta e assusta a cada descoberta do que daevas e djinns conseguem fazer. Ela se sente impotente diante de seres tão poderosos e imprevisíveis, mas nem por isso está indefesa. Por várias vezes, sem a ajuda de Dara, o djinn que ela invocou e que a protege desde então, ela enfrenta e derrota criaturas muito mais poderosas do que ela, usando a inteligência e a sagacidade. Embora viva em uma época, em uma cultura, onde a mulher é secundária, Nahri se destaca mais que do os homens.

Ali é um príncipe dividido entre a lealdade ao pai e o desejo de ter um povo unido, sem tirania, onde todos podem conviver pacificamente e com abundância. Mas em um regime totalitário, esse desejo é considerado traição, punido com a morte, mesmo ele sendo filho do rei. Mesmo assim, o jovem não se detém diante do perigo, de ser explanado, e mantém seus ideais. Mas não é só sobre seu pai que existe uma divisão em sua mente. Ele divide um sentimento por Nahri com Dara, mas este último se mostra mais poderoso e mais importante do que qualquer um esperava, com um passado que influenciou diretamente a forma como o povo é tratado atualmente. Óbvio que o embate entre Ali e Dara é inevitável. E esse é um dos pontos altos da trama, uma vez que o leitor não sabe por qual torcer, uma vez que os dois são justos, são heróis, lutam por causas nobres e desejam estar ao lado da mesma mulher. Não existe o bom e o mau.

Existem diversos outros personagens, cada qual com sua importância dentro da trama, e que, aos poucos, têm seus papeis revelados. Não pense que eles estão lá apenas para servir de apoio, isso não acontece. Todos eles, todos, irão influenciar diretamente os eventos, todos possuem segredos, e alguns desses segredos serão revelados apenas na última página, literalmente.

A CIDADE DE BRONZE é uma fantasia que demonstra a riqueza da mitologia do oriente médio, com seres fantásticos, poderosos, de uma forma que você nunca leu. Dona de uma narrativa poderosa, Chakraborty constrói uma trama complexa, cheia de referências políticas e sociais à nossa própria realidade, de onde o leitor pode abstrair lições sobre lealdade, dignidade e igualdade. Em uma edição primorosa, de capa dura, é uma obra indispensável para qualquer fã de fantasias.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: S.A. Chakraborty é escritora e mora com o marido e a filha em Nova York. Seu livro de estreia, A Cidade de Bronze, é o primeiro de uma trilogia épica que se passa no Oriente Médio do século XVIII, e foi eleito um dos melhores livros do ano pela Amazon, Barnes & Noble, Library Journal, SyFy Wire e Vulture. Além disso, é organizadora do Grupo de Escritores de Ficção Especulativa do Brooklyn. Quando não está mergulhada em narrativas sobre retratos do Império Mugal e história de Omã, Chakraborty gosta de fazer trilhas e cozinhar refeições desnecessariamente complicadas para sua família.
TRADUÇÃO: Mariana KOHNERT
EDITORA: Morro Branco
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 608


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