April May é uma garota normal, que trabalha em uma start up e tenta construir uma vida mais confortável, ao mesmo tempo em que procura avançar na relação com Maya, a pessoa com quem divide o apartamento onde mora e que é apaixonada por ela. Certa madrugada, voltando para casa, April encontra uma escultura de três metros de altura na rua com o formato de um robô. Sem qualquer referência de quem o fez ou o motivo de estar em local tão impróprio, ela chama seu amigo, Andy, e fazem um vídeo para o Youtube, questionando os motivos da obra estar ali, quem a fez, e nomeia o robô de Carl. No dia seguinte, o vídeo viraliza nas redes sociais, porque ela foi a primeira a postar algo sobre o robô, foi a primeira a dar-lhe um nome e também porque outros 63 robôs, exatamente iguais, apareceram em cidades diferentes ao redor do mundo. Seguindo pistas e situações bizarras, que envolvem linguagem hexadecimal e músicas famosas, ela se torna uma celebridade quando provoca uma reação do robô, e pessoas de todo o planeta começam a ter um mesmo sonho, que produz pistas para o que pensam ser uma mensagem alienígena. Essa é a base de UMA COISA ABSOLUTAMENTE FANTÁSTICA, o primeiro livro de Hank Green, irmão de John Green, e tenho muito coisa a escrever sobre a história.

O centro da trama de Green não é original, uma vez que existem várias obras que já apresentaram o mesmo assunto, como O DIA EM QUE A TERRA PAROU, filme de 1951, dirigido por Robert Wise, cuja trama gira em torno de uma nave que chega a Nova York, de onde sai um homem de outro planeta que tenta se comunicar com nossa sociedade, enquanto é protegido por um imenso robô, e que teve refilmagem em 2008, com Keanu Reeves; ou CONTATO, filme de 1997, de Robert Zemeckis, com Jodie Foster, adaptado de um livro de Carl Sagan, onde acontece a primeira comunicação com seres de outro planeta; ou A CHEGADA, com Amy Adams e Jeremy Renner, sobre doze naves que pousam em doze pontos diferentes do mundo; e até mesmo CONTATOS IMEDIATOS DO TERCEIRO GRAU, de Steven Spielberg, quando cientistas tentam se comunicar com uma nave alienígena através de música e matemática. Você encontrará na obra de Green, elementos presentes em todos esses filmes e livros, o que não pode ser considerado um defeito, ou sequer diminui a qualidade do texto, porque ele consegue adicionar elementos próprios, enquanto utiliza os não próprios de forma competente.

Com essa base, Green trabalha em outra frente que é bastante polêmica hoje em dia, que é o vício de se tornar conhecido e ganhar dinheiro em cima disso, com o Youtube como meio mais direto para esse objetivo. A pessoa posta um vídeo, ele viraliza, suas redes sociais aumentam de seguidores e interações, ela posta outro vídeo, que tem que ser melhor e ter mais acessos do que o anterior, e assim sucessivamente, tornando-se um processo de necessidade de atenção cada vez maior. Em certo ponto, o dinheiro deixa de ser o mais importante, ou mesmo importante, e o que interessa é o reconhecimento dos seguidores, que precisam ser, a cada vídeo, em maior número. April passa por esse processo. Aos poucos, conforme fica mais conhecida, torna-se mais egoísta, mais distante, mais obcecada por ser ela a encontrar a resposta para o enigma de Carl, e não pelo que o enigma realmente pode significar. Ela perde a noção de responsabilidade civil, perde a fidelidade dos amigos e se deixa levar por quem deseja lucrar em cima do que ela faz.

Mas a fama não vem apenas com louros. E April descobre isso quando bate de frente com um outro personagem, Peter Petrawicki, também youtuber, que pensa diferente dela, que acha que Carl pode querer destruir a humanidade, ao invés de ajudar a humanidade. Ele é o ódio, o medo, a inveja, a intolerância. E desse embate, April descobre que nem todos gostam dela, que uma grande parcela de seu público é composta por haters, pessoas levadas pela frustração, pelo preconceito, incentivadas pelo ódio de Peter, com o qual se identificam. E é também por causa desse confronto, e das consequências dele, que April começa a cair em si, começa a sentir falta das pessoas que deixou para trás, mas que ainda gostam dela e que ainda estão dispostas a perdoá-la.

O embate entre April e Peter é um segundo caso à parte dentro da história de Carl. Hank e John Green foram contra Donald Trump e seus meios de conseguir se tornar presidente. Trump usou táticas de fake news espalhadas em massa pelas redes sociais, criou pânico com ameaças vazias, atacou minorias, como estrangeiros e homossexuais, desprezou a importância da mulher e fez declarações racistas. Tudo isso é visto em Peter e a legião de fãs que ele coordena para disseminar seu ódio e convencer as pessoas de que Carl precisa ser destruído, que precisa ser atacado, que ele é um perigo para a humanidade e que April é uma traidora. Eles se denominam os Defensores, como se as pessoas precisassem de defesa daquilo que apenas eles consideram errado.

Do outro lado, temos April, que também coordena uma legião de fãs que desejam desvendar os enigmas que estão nos sonhos das pessoas, sonhos induzidos por Carl com algum objetivo. Eles se chamam de Sonhadores, e são pessoas de todo mundo, de todas as raças, de todos os credos, independentemente da opção sexual, da origem, do pensamento, que desejam apenas respeito e um mundo tolerante. É pura diversidade e inclusão. Eles não acham que Carl tem o objetivo de atacar a humanidade, mas, sim, de unir a humanidade, uma vez que todos sonham a mesma coisa, todos recebem o necessário para conseguirem chegar à resposta para o que Carl deseja e o motivo dele ter aparecido na Terra, e todos sabem que será mais fácil se cooperarem uns com os outros para esse trabalho.

A crítica de Hank à política de Trump é tão direta, que ele coloca uma mulher como presidenta dos EUA, alguém com as características de Hillary Clinton. É impossível não associar. E também é impossível não associar com a situação que vivemos atualmente no Brasil, onde não temos um Trump, mas temos um Bolsonaro, que poderia ser um irmão gêmeo de Trump, em termos de preconceito, racismo, machismo, xenofobia, homofobia, e tantos outros absurdos que são simplesmente ignorados por uma massa que se recusa a pensar, por se identificar com o discurso de ódio que ele propaga. Em diversas partes, os diálogos cheios de acusações de Peter, parecem tirados, palavra por palavra, dos discursos de Bolsonaro.

Existe uma conversa entre April e a presidenta, que nunca chega a ter o nome divulgado, que exemplifica como pensam pessoas democráticas, que não fazem distinção e que consideram todos iguais diante da lei. A presidenta explica a April, após Carl ter uma determinada reação, que ele, independentemente de onde veio, ou como veio, por estar em solo americano, deve ser tratado como todo o americano, dentro das leis americanas, com toda a imparcialidade e todo o respeito inerente a essa condição. Não tem como dizer de forma mais direta, dentro do contexto do livro, o como errada é a política de Trump sobre os obstáculos que levanta à entrada de mexicanos no país, ou mesmo à forma como os estrangeiros residentes são tratados por seu governo. E preciso admirar a competência de Hank em inserir toda essa crítica dentro da narrativa de forma natural, sem que pareça ser forçada, sem que pareça, sequer, uma crítica política aos EUA, cuja maior parte também se encaixa perfeitamente na realidade brasileira.

A crítica de Hank tem um terceiro caso, que é sobre identidade de gênero e opção sexual. April é bissexual, e em certo ponto da história, ela é aconselhada a esconder isso e se assumir apenas homossexual com sua relação com Maya. Os motivos são que as pessoas não têm tendência para aceitarem dualidades. Embora ele não aprofunde tanto o tema, como faz com todo o resto, é outra referência ao preconceito e ignorância que reside em grande parte da população americana, onde a imagem de uma pessoa pode ser destruída por ela simplesmente amar gêneros diferentes, como se fosse libertina. E, claro, isso pode ser facilmente estendido ao nosso candidato que está na frente das eleições atuais. Ele pensa da mesma forma absurda e intolerante.

Mas Hank não para por aí. Com a personagem Jennifer Putnam, uma agente de celebridades que se faz contratar por April para direcionar sua carreira, ele mostra a faceta do marketeiro, ou do empresário. April descobre que o fato de Jennifer ajudar na sua carreira, não quer dizer que Jennifer é sua amiga, não quer dizer sequer que ela precise ser fiel. Tudo são negócios. O que importa, realmente, é que Jennifer faça o que é paga para fazer, sem qualquer sentimento no meio, e sem qualquer obrigação moral. É mais uma crítica do autor sobre como são conduzidas as campanhas políticas, ou de como são conduzidas as vidas das celebridades, cujos agentes mudam de cliente conforme o valor a ser pago.

UMA COISA ABSOLUTAMENTE FANTÁSTICA não é um livro perfeito, nem é o melhor livro do ano, longe disso. Existem vários problemas de continuidade, situações forçadas, uma pequena necessidade de suspensão da descrença, mas todos esses defeitos são jogados de lado pela mensagem extremamente importante que Hank Green deseja passar. Atualmente, vivemos em um mundo dividido entre a tolerância e a intolerância, entre o respeito e o desrespeito, entre a liberdade e a imposição, entre a paz e a violência, entre o amor e o ódio, tanto nos EUA, quanto no Brasil. Qualquer mensagem, ainda mais em um livro, é bem-vinda. O único senão, é que muitas pessoas irão simplesmente ignorá-la, continuarão com seus preconceitos, suas frustrações e seu ódio acima da racionalidade e da compaixão. Mas, como Hank, não se pode desistir, não se pode deixar de batalhar pelo que se acredita, ainda mais quando o que se acredita é recheado de igualdade, respeito, compreensão e amor. Por isso, sem qualquer dúvida, a obra se torna uma leitura não apenas indicada, mas obrigatória.

Ah, preciso comentar mais uma coisa. É óbvio que Hank Green teve ajuda para escrever este livro, principalmente de seu irmão. Mas isso não significa que ele copiou o irmão. Não. Seu estilo de escrita, o gênero de estreia, ficção-científica, a construção dos personagens, a narrativa, a quantidade de informações inseridas na história e que levantam discussões, seu tom crítico, tudo é bastante diferente de John Green. Com UMA COISA ABSOLUTAMENTE FANTÁSTICA, Hank demonstra que tem uma identidade própria, bem diferente da do irmão, e da qual, eu, sinceramente, gostei muito mais. Que venham outros livros, tão críticos e inclusivos quanto este.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Hank GREEEN, ou William Henry Green II (5 de maio de 1980), é um empresário, músico, educador, produtor e vlogueiro americano. Ele é mais conhecido por seu trabalho no YouTube com o canal Vlogbrothers junto com seu irmão, John Green, além de criar conteúdo educacional na mesma plataforma com os canais Crash Course e SciShow. Green é também co-criador da VidCon, a maior conferência online de vídeos do mundo, com seu irmão John Green, e criou a NerdCon: uma conferência centrada em conto de histórias. Ele ainda é co-criador da websérie The Lizzie Bennet Diaries (2012–2013), que é uma adaptação de Orgulho e Preconceito no estilo de vídeo blogs. Ele também é fundador do blog de tecnologia ambiental chamado EcoGeek e o Internet Creators Guild, e co-fundou a companhia de mercadoria DFTBA Records, uma plataforma de financiamento colaborativo — através do Patreon em 2015 — da companhia DFTBA Games e a empresa de produção de videos online Pemberley Digital, que produz adaptações de vídeo blogs de romances clássicos em domínio público.
TRADUÇÃO: Lígia AZEVEDO
EDITORA: Seguinte
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 341


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