Aos dezessete anos, Hattie sonha sair da pequena cidade do interior dos EUA onde mora e seguir uma carreira de atriz. Ela também deseja convencer Peter, o professor de inglês de sua escola, que se mudou para a cidade para ajudar a esposa, Mary, a cuidar da mãe doente, a assumir o relacionamento que os dois mantém em segredo. Enquanto isso, ela namora com Tommy, não porque sente algo por ele, mas para afastar qualquer suspeita de quem ela realmente gosta. E tudo parece seguir conforme Hattie planeja. Ela faz dezoito anos, Peter concorda em se separar de Mary e ir embora da cidade com ela, ela termina com Tommy. Mas, então, Hattie é assassinada.

A narrativa de TUDO QUE VOCÊ QUISER QUE EU SEJA é em primeira pessoa e feita por três personagens de forma intercalada: Hattie, Peter e Del. Este último é o xerife do condado que fica responsável por descobrir quem matou a garota. E a história começa exatamente do ponto em que ela é morta. Depois disso, todos os capítulos narrados por Hattie são no passado, bem como alguns de Peter, possibilitando ao leitor compreender como tudo chegou ao ponto em que chegou.

Del é o personagem que representa o próprio leitor e que fica além de qualquer suspeita. Ele sabe tanto quanto nós, apesar de conhecer Hattie desde que ela nasceu. Conforme vai descobrindo pistas que levam à solução do assassinato, nós também seguimos o raciocínio e formulamos nossas próprias teorias. Não é um grande mistério, não é difícil descobrir o culpado, mesmo porque não existem muitos suspeitos, e o motivo é bem evidente, passional.

Essa obviedade seria um problema, se o foco do livro não fosse outro. A trama não é centrada em resolver o crime, mas em compreender como todas as pessoas relacionadas são e como chegaram ao ponto em que chegaram. E é nessa análise que o livro se torna denso e complexo. Ainda mais quando a autora foge do estereótipo de criar personagens bons e maus, para criar personagens imperfeitos, egoístas, o que reflete perfeitamente a realidade e convence o leitor de que todos eles poderiam existir. E egoísmo é o ponto que move todos os atos.

Hattie é a adolescente que entrou na fase adulta e se apaixona por um homem que conhece pela Internet, em um chat. Ela passa a gostar dele, fazem sexo virtual, até que ela descobre que esse homem é seu professor, Peter. Quando ela se revela, Peter encerra o relacionamento, ele não sabia que era Hattie, sua aluna e menor de idade. Mas Hattie já está completamente apaixonada, ela não desiste e insiste. Ela é egoísta porque não pensa nas consequências para ele, por ele ser professor, por ele ser novo na cidade, por ele ser casado. Ela só quer ir embora da cidade e levar Peter junto, independentemente do quanto pode destruir a vida dele. Afinal, com ela, o máximo que poderia acontecer, é levar uma bronca dos pais por se apaixonar por Peter. Mas além de tudo isso, Hattie é egoísta por namorar Tommy, mesmo sem gostar dele, como disfarce, sem pensar no que ele sente.

Quando a mãe de Mary fica doente e ela convence Peter a se mudar para a pequena cidade onde vivia, ele concorda, mas contrariado. Ele não queria sair de uma cidade grande, para um lugar onde teria que lecionar em um colégio pequeno e sem futuro profissional. Com o casamento balançado, com Mary mais preocupada com a mãe do que com ele, Peter encontra em uma garota que conhece na Internet, um ponto de apoio para não se sentir tão infeliz. Até descobrir que essa garota é Hattie, sua aluna de dezessete anos. Ele termina, mas conforme Hattie insiste em manter o relacionamento após ela completar dezoito anos, Peter fica balançado e começa a considerar a opção de se separar. Peter é egoísta porque ele não considera o que Mary está passando com a mãe doente, que Mary cuida da pequena fazenda sozinha, que Mary também tem os sonhos dela e que não precisa dedicar todo o seu tempo a cuidar dele. Peter é egoísta porque também não considera os sentimentos de Mary, ele só pensa no que ele sente, em como se sente sozinho e frustrado, e em como Hattie é jovem e cheia de energia, alguém que, como ele, quer ir embora daquele lugar.

Mas Mary também é egoísta. Quando sua mãe fica doente, ela convence Peter de que precisam se mudar para a cidade da mãe e cuidarem dela até que ela melhore, ou morra. Só que Mary não planeja sair de lá. Mary quer morar lá em definitivo, mas sabe que se falasse isso, Peter não concordaria. Ela não pensa na profissão dele, não pensa no que ele também deseja e no que ele também sonha. Ela simplesmente decide e mente para conseguir o que deseja. E ela vai mais longe do que isso mais para a frente, quando encontra uma forma de o prender definitivamente.

Hattie, Peter, Mary, são personagens que pensam neles próprios em primeiro lugar. Isso não quer dizer que sejam maus, apenas que são imperfeitos, são humanos. É sobre isso que autora se debruça para construir seu mistério. E é bastante eficiente na forma como faz. Inclusive, ela ensaia uma redenção para os três, ela apresenta uma forma de torná-los boas pessoas. Mas isso não quer dizer que há tempo, pode ser tarde demais.

Apesar de toda essa qualidade na narrativa intimista de cada personagem, e no relacionamento entre eles, preciso dizer que fiquei um pouco desapontado com duas coisas. A primeira, é que Del, o xerife, é um homem mais velho, experiente, competente, honesto, justo. Ele não toma lados, ele é imparcial, mesmo com quem conhece a vida toda. Achei que a autora foi injusta com o personagem, colocando a descoberta do assassino de forma acidental. Ele merecia ser o autor consciente dessa descoberta, acredito que teria sido mais coerente. A segunda, é que a autora tenta justificar o assassinato pelas atitudes de Hattie, como se ela fosse culpada daquilo que lhe aconteceu. Não foi. O fato de uma pessoa ser egoísta, desejar conseguir o que deseja sem se importar com as consequências para os outros, é uma falha de caráter, mas não justifica a atitude de se tirar uma vida.

De qualquer forma, isso não apaga o brilho e nem a qualidade da obra, nada é perfeito. TUDO QUE VOCÊ QUISER QUE EU SEJA é um livro que utiliza um assassinato, e o mistério por trás dele, como pano de fundo para destrinchar relacionamentos imperfeitos e passionais. Uma leitura profunda, muito bem escrita, que você não conseguirá parar de ler até chegar à última página. Eu mesmo li de uma vez só.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Mindy MEJIA trabalha como consultora financeira e é escritora de ficção. Estreou na literatura em 2012 com Dragon Keeper. Seu segundo livro, Tudo Que Você Quiser Que Eu Seja, foi indicado como um dos melhores livros de suspense pelo The Wall Street Journal. É neta de agricultores e vive em Mineápolis com o marido e os filhos
TRADUÇÃO: Waldéa BARCELLOS
EDITORA: Rocco
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 352


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