O cinema brasileiro tem muito potencial e, infelizmente, é subestimado por outros países e pela sua própria população. Parte da culpa disso vem da própria indústria, que investe cada vez mais em comédias, na maioria das vezes clichês, esquecendo a diversidade de gêneros. Dito e feito, estamos aqui com O DOUTRINADOR, primeira adaptação de uma HQ de ação para os cinemas. Aliás, o quadrinho também é nacional e tem como plano de fundo a corrupção na política. Interessante, não? Vamos descobrir se vale a pena!

A trama gira em torno de um governador que está sendo preso, sob a acusação de ter desviado dinheiro da saúde para seu próprio bolso. Por ser muito rico e cheio de advogados, sai da cadeia pela porta da frente e rapidamente a população indignada vai às ruas para protestar. É nesse protesto que um homem grande e forte, mascarado, parte para cima dos policias e, ao invadir o prédio em que esse governador está escondido, acaba matando-o à base de muita porrada. A notícia se espalha por todo o país na mesma rapidez que o justiceiro, conhecido como “Doutrinador”, parte à caça de todos os políticos corruptos, com o desejo de exterminar cada um deles.

Eu não li a HQ original e não sei como ela trabalha sua trama, mas o que eu posso dizer é que o roteiro foi esquecido no churrasco, porque a trama é a pior coisa da produção. O mascarado nunca se importou muito com política até sentir na pele o preço que a população paga com essa roubalheira sem fim. Depois que um ente querido é atingido por uma bala perdida, ele o leva para um hospital público afetado pela crise, totalmente sem médicos, resultando em pessoas morrendo na sala de espera, não pela enfermidade que as levaram naquele local. E isso desperta no Doutrinador um furor de vingança sem limites, e isso até é compreensível, se tivesse sido desenvolvido. A desgraça acontece e o justiceiro ataca, literalmente, na cena seguinte, não existe conflito interno e muito menos uma preparação para assumir o papel que tanto almeja. Também não existe sequer um desenvolvimento de suas ações na população e na sociedade. Tecnicamente, o filme se passa durante algumas semanas, mas para o espectador, parece que tudo está acontecendo no mesmo dia, nem com o tempo a trama conseguiu trabalhar bem.

O roteiro se atrapalha ao construir uma rede de corruptos a serem eliminados, todos eles se reúnem em jantares e reuniões para celebrarem o quanto são bandidos, e o público apenas aguarda suas execuções. Tudo o que TROPA DE ELITE 2 fez ao abordar a corrupção no nosso país, é feito aqui de forma apressada. Nada é desenvolvido, literalmente nada, assuntos importantes são apenas pincelados, como a bancada evangélica no governo e a manipulação da população através de um sentimento de mudança, que nunca irá acontecer, nas mãos de um governante que só tem garganta. A trama também insere uma hacker de computadores para auxiliar o Doutrinador na sua jornada. A mesma tem um desenvolvimento mínimo e seu desfecho é uma incógnita, nada fica claro e o filme não se interessa em saber se essa trama apresentada está sendo digerida pelo espectador.

Se o roteiro é uma catástrofe, o mesmo não pode ser dito da direção, que consegue entregar um bom ritmo e bastante adrenalina. As sequências de ação são muito bem filmadas e coreografadas, a nível de filmes milionários americanos. A fotografia realça muito bem a noite ao transformá-la na capa do nosso justiceiro. Os efeitos práticos e visuais são bem realistas (com exceção de uma cena envolvendo uma grande explosão, que entrega efeitos a nível das novelas da Rede Record), e as cenas de morte são muito gráficas. Se você espera um justiceiro que pega os corruptos e os desmascara, melhor tirar o cavalinho da chuva, aqui ele mata mesmo, à base da porrada e do tiro. Uma abordagem interessante que, na primeira vez faz a cara do espectador cair no chão. A edição do filme é muito problemática e acelera o ritmo da produção a um nível que a trama não faz mais sentido, você não entende o que está acontecendo nas entrelinhas e está apenas assistindo a um louco matando um monte de corruptos.

O ator Kiko Pissolato vive o protagonista e seu desempenho é uma das melhores coisas da produção. Seu físico de brutamontes está impecável e, para o espectador, ele é quase um super-herói mesmo. Forte pra caramba, inteligente e um atirador de elite. Seu semblante de bravo/revoltado e indignado assusta, principalmente aos inimigos, cuidado com ele hein corruptos. Na pele da hacker descolada, a atriz Tainá Medina se sai muito bem e, no quesito dramático, ela é a mais competente do elenco. A jornalista e apresentadora Marília Gabriela faz uma pequena participação no filme e a mesma está extremamente dispersa, não convence nem uma mosca e seu desfecho na trama fica em aberto.

O final de O DOUTRINADOR é um muito brega e bizarro, embalado numa narração fraquíssima e clichê. É difícil entender o que esse filme quis dizer para o espectador, qual mensagem levamos para casa? Está insatisfeito? Pega uma arma e vamos liquidar todos esses safados que nós mesmos elegemos. O filme estava programado para estrear antes das eleições, em meados de setembro, e depois foi jogado para quando um novo presidente já estivesse eleito, começo de novembro. Impossível essas duas coisas não terem relação. Em questão de filme de ação, ele é competente e tem ótimas cenas, mesmo a trama mexendo com algo comum para todo o brasileiro, é fraca e mal desenvolvida, e no final, passa mensagens vazias para o espectador ao mesmo tempo em que faz apologia à violência, basicamente. Um entretenimento vazio, com algum valor estético, mas um total fracasso na tentativa de mostrar ao público que o poder está nas mãos do povo e esse poder não é um tiro, esse poder é o nosso voto.


AVALIAÇÃO:


DIREÇÃO: Gustavo BONAFÉ
DISTRIBUIÇÃO: Downtown Filmes
DURAÇÃO: 1 hora e 50 minutos
ELENCO: Kiko PISSOLATO, Tainá MEDINA, Eduardo MOSCOVIS e Samuel de ASSIS