A trilogia Millennium é um dos maiores sucessos literários da história. De origem sueca, a série original, contendo três volumes, já foi adaptada para o cinema em ótimas produções europeias. Também teve seu primeiro livro adaptado pelo cinema americano no excelente filme protagonizado por Rooney Mara e dirigido pelo grande David Fincher, o mesmo de GAROTA EXEMPLAR.

Antes de falecer, o autor dos três livros originais deixou material para possíveis continuações, que foram assumidas por um novo autor. Dessa nova parceria, surgiu A GAROTA NA TEIA DA ARANHA,  continuação dos anteriores, que agora nos cinemas é nos apresentado como um reboot da série de filmes, com uma nova atriz e um novo diretor.

A tímida e perigosa hacker Lisbeth Salander é a inimiga número um dos homens que maltratam mulheres. A jovem passa o seu tempo usando todos os seus recursos na luta contra cafajestes. Sua vida vira de cabeça para baixo quando aceita fazer um trabalho para um amedrontado e perseguido homem, que luta para recuperar sua maior e mais perigosa criação. O trabalho consiste em invadir o computador mais protegido da américa e recuperar um programa capaz de ativar misseis nuclearem de qualquer dispositivo móvel. Tudo piora quando uma organização perigosa parte à caça do criador do programa e da própria Lisbeth ao mesmo tempo em que é acusada de assassinato e sequestro pela mídia. O que Lisbeth não sabia era que seu passado voltou para perseguí-la e prestar contas sobre mágoas em aberto.

É um reboot, então para o espectador comum não é necessário ter assistido aos filmes anteriores, mas a pior coisa que você poderia fazer é entrar no mundo da Millennium por esse filme. O roteiro adapta o primeiro volume dessa nova série com esse novo autor e o arco central do livro está presente, porém teve todo o seu desenvolvimento alterado. Se no livro, a trama era fechadinha e só se sustentavam com muita força, no filme não podemos dizer o mesmo. Lisbeth passou por um banho de loja para ficar mais amigável, passou a ser quase uma 007 da vida, uma autêntica heroína e justiceira. Suas nuances dramáticas, personalidade forte e distúrbios sociais foram para o ralo. O mais estranho é que o filme pede claramente que o espectador esqueça dos filmes anteriores, mas usa muito do nosso imaginário para desenvolver essa nova Lisbeth. Aqui a personagem não é apresentada ou desenvolvida para o novo espectador, ela simplesmente copia os trejeitos e algumas faces dramáticas das personagens anteriores. Para o fã fiel, fica forçado; e para o espectador comum, fica a sensação de que está faltando algo. Porque ela age assim? Quem é essa mulher? A resposta servida é simples e bem insossa.

E a trama que no livro consegue ter picos de inteligência, foi totalmente desmantelada aqui. No quesito adaptação, o serviço é bem duvidoso; e em questão de roteiro para um filme de suspense envolvente, o resultado final é quase uma catástrofe. Lisbeth faz um trabalho, é perseguida e precisa fugir, nada é expandido, e os personagens de apoio só prejudicam a trama, inserindo subtramas desinteressantes e pouco inovadoras. Um grande absurdo do texto é que ele joga na cara do espectador importantes fatos em pouco tempo de projeção, fatos esses que poderiam ser interessantes reviravoltas no ato final do filme. E o que sobra para a conclusão é absolutamente nada. O terceiro ato se resume a uma ação interessante que apenas se sustenta com beleza visual, algo que o filme parece se preocupar demais. É difícil sentir um início, um meio e um fim neste filme. É mais uma série de eventos que se ligam à base de muita forçação de barra e pouco sentido. As motivações de 99% dos personagens são questionáveis, e o espectador fica perdido na hora de escolher quem é mais desinteressante.

A premiada Claire Foy, conhecida por protagonizar a série da Netflix, THE CROWN,  assume o manto arrancado à força pelo estúdio da atriz anterior, Rooney Mara, que até foi indicada ao Oscar quando viveu Lisbeth no filme americano de 2011. Rooney sempre desejou voltar para uma continuação que, de longe, parecia certa. Em 2011, seu filme foi aclamado pela crítica, premiado e ainda por cima com uma bilheteria respeitável. Porém, para o estúdio o dinheiro foi pouco e agora, em 2018, decidiram apostar num filme com faixa etária menor, em busca de um sucesso enorme que dificilmente vai acontecer. Claire consegue inserir bastantes camadas dramáticas na personagem, um pouco de incerteza, medo e impulsividade, mesmo com auxílio zero do roteiro. Seu desempenho é, sim, competente, mesmo não sendo grande coisa. É justo citar que a mesma não teve o tamanho de tempo e espaço que as atrizes anteriores tiveram para crescer na trama e entregar resultados extraordinários.

Se com a própria atriz principal o roteiro não conseguiu desenvolver com perfeição, imagina então os outros personagens. O elenco de apoio é totalmente desperdiçado, e olha que tem bons atores. Exemplo disso é a atriz Vicky Krieps: ela arrasou, no início do ano, com o filme TRAMA FANTASMA, que arrematou várias indicações ao Oscar, e seu desempenho foi aclamado nos quatro cantos do mundo. Aqui, a mesma faz figuração de luxo e abre a boca em apenas alguns segundos quando está em cena, e olha que sua personagem era importante no livro. A antagonista do filme é vivida pela atriz Sylvia Hoeks, esteve em BLADE RUNNER 2049, e aqui só serve para fazer carão e desfilar com roupas caras.

Mikael Blomkvist é um dos personagens mais importantes dos livros e é vivido por um ator fraquíssimo e desconhecido que nem vale eu citar o nome. É revoltante que o roteiro tenha transformado seu personagem numa ameba que não faz nada. Foi totalmente descaracterizado em relação ao livro e se torna inútil em todas as cenas em que está presente. Já consegui deixar claro que o roteiro é uma desgraça, né? Porém, o filme carrega um visual belíssimo e um ótimo tom para as cenas de ação/perseguição. A fotografia realça a beleza sueca natural e ameaçadora de maneira muito convincente. A direção tenta inserir ritmo na trama e, na maioria das vezes, o público não se sente entediado, só extremamente irritado mesmo com essa trama sem sal que foi nos servida.

Pena que não sobrou uns trocados para investir num roteiro melhor. Ele sozinho consegue derrubar o filme, junto com seu elenco que, na maioria dos casos, foi mal escalado. Some a isso um problema seríssimo de ritmo que deixa a produção pesada e cansativa. O livro original já era fraco, e conseguiram piorar a trama ainda mais, parabéns aos envolvidos.


AVALIAÇÃO:


DIREÇÃO: Fede ALVAREZ
DISTRIBUIÇÃO: Sony Pictures
DURAÇÃO: 1 hora e 57 minutos
ELENCO: Claire FOY, Sylvia HOEKS