Criado por Paul Norris e Mort Weisinger em 1941, Aquaman foi um dos membros fundadores da Liga da Justiça. Apesar de ser considerado um personagem secundário, nos últimos anos, mais especificamente a partir de 1990, ele se tornou mais sério, com histórias melhor desenvolvidas, e assumiu seu posto de rei de Atlântida como um autêntico monarca. Mas ele só se estabeleceu como um dos heróis mais importantes e de primeira linha da DC, a partir dos Novos 52, em 2011,quando acontece uma reformulação de todos os personagens, e na qual se baseia o filme AQUAMAN.

Jason Momoa é sem dúvidas carismático, não há como negar. Sua presença conquista em tela, ela é forte e consegue convencer em qualquer cena de ação, e em algumas mais sensíveis também. E essa capacidade de alternar entre o forte e o frágil, é importante, é essencial para a representação de um herói. Ao mesmo tempo que seu semblante sério intimida, seu sorriso conquista e passa uma verdadeira alegria.

Amber Heard é uma Mera que, visualmente, faz juz à sua contraparte dos quadrinhos. Ela é bonita quando precisa ser, ela é forte quando precisa ser, ela é incisiva quando precisa ser, ela é rebelde quando precisa ser. Tão importante quanto uma Mera individual, é uma Mera ao lado do Aquaman, e Heard combina com Momoa. Os dois convencem como casal, quando lutam um ao lado do outro, quando se provocam, quando são parceiros e amantes.

Dolph Lundgren como o rei Nereus me surpreendeu. Confesso que no início, sequer reconheci o ator. Está excelente, apesar do pouco tempo em tela. Imponente, ameaçador, uma representação digna de uma personagem que é o líder de seu povo. O mesmo posso dizer de Willem Dafoe, como o Vulko, o conselheiro de Orm. Com um papel bem pequeno, cuja finalidade é apenas o de treinar Arthur na infância, mesmo assim entrega uma atuação competente.

As cenas de luta são bem coreografadas e passam a violência que precisam passar. Algumas delas são vistas através de tomadas originais, que eu nunca tinha visto antes, onde a câmera se movimenta em velocidades e posições diferentes, sem cortes. Uma das lutas que acontece na Itália, é muito bem feita, com uma perseguição que é levada do Aquaman para Mera em pontos distintos e distantes, mas sem que aconteça uma interrupção. Outra coisa importante, é que nenhuma delas é extensa ou curta demais, o que evita que haja um cansaço ou mesmo que se perca a credibilidade do que está se vendo.

Atlântida é gloriosa, com uma paisagem que alterna entre o futuro e o passado. Ao mesmo tempo que existem construções coloridas, iluminadas, vemos essas mesmas construções sobre ruínas milenares, ou mesmo completando monumentos degradantes e corroídos pelo tempo. Os veículos são lindos, representam criaturas marítimas, e todas as cores refletem a luz de peixes que vivem em grandes profundidades. Tem uma explicação logo no início do filme, onde Arthur aprende que sua visão se ajusta à escuridão do oceano, e então vemos através de seus olhos: a paisagem onde apenas se viam sombras, se transforma em luz e formas incríveis.

A fotografia, os efeitos, a iluminação, a paisagem, tudo em conjunto, fazem com que seja o filme mais bonito de um herói no cinema. Algumas cenas são belíssimas e criativas, como toda a perseguição de Arthur e Mera pelas criaturas abissais, bem como a batalha final ou a apresentação de Atlântida. As criaturas marítimas, os monstros, todos estão bem definidos digitalmente, estão grandiosos. O último que aparece é gigantesco, infinito, e passa exatamente essa sensação com seus movimentos lentos e a destruição que causam. Os movimentos dos atores, quase sempre flutuando debaixo da água, bem como seus cabelos e barbas, estão excelentes.

Mas aí vem as partes não tão boas.

Uma coisa precisa ficar clara de início: em AQUAMAN, não existe o Aquaman dos quadrinhos. Da mesma forma que em SUPERMAN, não existia o Superman dos quadrinhos; e da mesma forma que em BATMAN V SUPERMAN, não existia o Batman dos quadrinhos; ou em LIGA DA JUSTIÇA, não existia o Flash dos quadrinhos. Se tem uma coisa que o roteiro de todos esses filmes fez, foi apagar a essência de cada um dos heróis. Superman não é aquele personagem inseguro, deprimido, triste; Batman não mata, não faz piadas, não se sente intimidado diante de outros heróis; o Flash não é um idiota que tem medo de correr e de lutar. E essa falta de referência acontece com Aquaman. O herói jamais mataria, não é um brutamontes burro e ignorante. E é isso em que ele é transformado no filme da Liga e neste seu filme solo.

Uma presença tão forte quanto a de Momoa, se não conduzida por um grande ator, alguém com capacidade de se transformar, compromete qualquer construção de personagem. O que vemos em tela não é o Aquaman, mas Momoa com os mesmos poderes do Aquaman. O ator não consegue se desvincular de seu eu, ele não está interpretando um herói dos quadrinhos, ele está agindo como ele próprio.

Da mesma forma que Momoa, Heard tem séria limitações de interpretação. Não tanto quando Momoa, mas, mesmo assim, ela não consegue convencer nas partes mais sérias, onde é exigido um pouco mais de dramaticidade. Tem uma cena em um avião, quando ela precisa ficar triste e olhar pela janela, que causa um pouco de constrangimento. Só não compromete tanto o resultado final, porque se trata de um filme de ação constante, e na ação, ela consegue entregar o que precisa.

Patrick Wilson e Yahya Abdul-Mateen II, os dois vilões do filme, rei Orm e Arraia Negra, respectivamente, bem… realmente não há nada a dizer de bom sobre ambos.

Wilson é caricato ao extremo. Ele tem as falas, as atitudes e as expressões de outros cem vilões iguais do cinema. Ele grita demais, ele reclama demais, ele faz caretas exageradas, ele faz gestos exagerados. O personagem sofreu traumas pela perda da mãe, pela existência de um irmão bastardo, que pode tomar seu trono, pela ameaça da superfície. Mesmo assim, ele não carrega qualquer traço emocional que corresponda a esses traumas. Sua atuação entrega apenas um vilão megalomaníaco e histérico.

O rei Orm tem como base de sua revolta, o que seu povo sofre por causa do lixo que a superfície manda para os oceanos. Entretanto, isso não é aprofundado. Serve mais como desculpa para ele iniciar uma guerra que pode destruir a superfície, mas também Atlântida. Aliás, se tem algo com que Orm não se preocupa, é com seu povo. Ele não hesita em criar conflitos que resultam na morte de milhares de soldados. A batalha final é um exemplo. Para ele convencer um dos povos a se unir ao seu exército e marchar contra a superfície, ele decide que a forma mais correta é matar esse mesmo povo.

Yahya Abdul-Mateen II consegue a proeza de entregar um vilão ainda pior que Wilson. Seu Arraia Negra tem apenas frases de efeito, é totalmente desmiolado e tem a penitência de usar um dos piores uniformes de vilão de todos os tempos. A cena em que ele aparece pela primeira vez com o traje completo do Arraia, a plateia do cinema começou a rir. A lembrança imediata é a de um vilão dos Powers Rangers da televisão, mas de uma das versões mais antigas. Inclusive, seu destino consegue ser igual a um dos vilões de desenhos animados, ou daqueles filmes comédia de CORRA QUE A POLÍCIA VEM AÍ, quando o personagem sofria vários acidentes em sequência e não morria de jeito nenhum.

O roteiro é um dos mais preguiçosos que já vi. Ele segue a jornada do herói, com uma pitada da história do rei Arthur, como muitos outros filmes já fizeram, como PANTERA NEGRA e STAR WARS. Ele não se preocupa em explicar os poderes, ou a capacidade de falar debaixo da água, ou qualquer outra coisa, o que por um lado é um mérito, uma vez que se trata de um filme de um super-herói, e explicações demais podem atrapalhar. A suspensão de descrença já é um requisito para filmes desse gênero. Entretanto, o roteiro tem preguiça em construir algumas sequências importantes de forma convincente, de forma natural. Por exemplo, logo no início, enquanto o Arraia invade um submarino com seus soldados, um deles seu pai, eles param no meio da ação, e o pai do Arraia conta uma história do avô, como uma determinada faca foi importante para ele e como ela foi herdada através das gerações. Logo em seguida, eles continuam com a ação. É óbvio que essa cena existiu apenas para destacar a faca, que será usada em algum momento no futuro, mas o momento em que a cena acontece, é totalmente fora de contexto.

Outro exemplo é no fim do filme, quando, no meio da batalha, Arthur e Mera se beijam, com direito a câmara lenta e com uma paisagem de fundo onde acontecem explosões e onde o povo deles está se matando. Existe pior momento para isso? O povo deles está se matando, e eles ficam se pegando sem qualquer pressa. Mas existem outros exemplos, como quando Arraia recebe seu arsenal do rei Orm, ao mesmo tempo em que Arthur e Mera andam pelo deserto à procura de um artefato. Nesse tempo da caminhada, que dura poucas horas, Arraia desmonta o arsenal, aprende como ele funciona tecnologicamente, modifica, cria sua roupa, pinta e testa. Não há uma coerência de tempo e espaço.

Quer mais? Logo no início do filme, para criar um motivo de vingança, Arthur simplesmente se nega a salvar a vida do pai do Arraia. Assim, sem mais. Ele diz, realmente, que não quer. Vira as costas e vai embora. O roteiro poderia ter criado uma situação em que Arthur seria, acidentalmente, indiretamente, responsável pela morte do pai do Arraia. Mas, não. Preferiu colocá-lo como um assassino. Sim, porque a partir do momento que alguém pode salvar a vida de outra pessoa, e não o faz, ela se torna responsável por sua morte, se torna uma assassina. E o Arthur dos quadrinhos jamais deixaria isso acontecer.

O mesmo se pode dizer com a insistência em tornar o personagem um ignorante, um brutamontes que não pensa. Em uma cena, ele não consegue decorar uma simples frase. Na cena seguinte,ele desvenda um enigma complicado e ainda dá uma aula de história para Mera. A inteligência do personagem varia de acordo com a necessidade do roteiro prosseguir com a história. Já que queriam fazê-lo burro, deixassem para Mera desvendar os enigmas.

Além de tudo isso, o roteiro possui diálogos expositivos e recheado de frases de efeito. São raras as conversas que não são cortadas, ou complementadas, por alguma frase saída de algum livro motivacional. Soma-se a isso um excesso de cenas de poses criadas para impressionar. São muitas, muitas mesmo, a tal ponto que começa a ficar constrangedor. Inclusive no último frame, quando Aquaman pula para fora do mar e a imagem fica imóvel com seu nome dito em alto volume.

Mas, então, AQUAMAN é um filme ruim? Não. Como filme de um super-herói genérico, apagando qualquer lembrança do Arthur dos quadrinhos e apesar de todos os defeitos apontados, eu, sinceramente, gostei. E por quê? Porque apesar dele não ser um filme do Aquaman, apesar do roteiro preguiçoso e incoerente, apesar das interpretações rasas, apesar do excesso de poses, ele é grandioso, é tecnicamente competente, tem lutas empolgantes, é belíssimo, e, principalmente, diverte e não é cansativo, apesar de suas mais de duas horas. Mais até: ele foge dos problemas dos filmes anteriores da DC, encerra de vez a era Znyder, e abre um novo caminho no cinema. E, por favor, não vamos ser idiotas. Muitos defendem Znyder, mas a verdade é que ele enterrou os filmes da DC. AQUAMAN e SHAZAM! têm a chance de apagar esse passado tenebroso e abrir caminho para uma segunda tentativa, desta vez, espero, com o sucesso que os heróis da DC merecem.


AVALIAÇÃO:


DIREÇÃO: James WAN
DISTRIBUIÇÃO: Warner Bros.
DURAÇÃO: 2 horas e 23 minutos
ELENCO: Jason MOMOA, Amber HEARD, Willem DAFOE, Patrick WILSON, Nicole KIDMAN, Dolph LUNDGREN, Yahya ABDUL-MATEEN II