Malorie é uma pintora que passa por uma crise de identidade por estar grávida. Ela não sabe se está pronta para ser mãe, se quer ter a responsabilidade de uma nova vida sob seus cuidados, e considera, inclusive, a possibilidade de dar a criança para adoção. Suas incertezas são deixadas em segundo plano, quando milhões de pessoas ao redor do mundo começam a se matar sem uma explicação racional. Elas parecem ver algo e, logo em seguida, tiram a própria vida. Inclusive a irmã de Malorie, enquanto vão do hospital para casa de carro. Ela vê algo, perde o controle do carro, ele capota, e ela se atira em frente a um outro veículo que passava na hora. Malorie é ajudada pela esposa de Douglas, os moradores de uma casa em frente ao local do acidente. Mas a esposa de Douglas também vê algo e simplesmente entra em um veículo pegando chamas. Mesmo assim, Malorie consegue entrar na casa, e a partir de então, e durante vários meses, passa a conviver com algumas pessoas que se escondem no imóvel para não serem atingidas pelo que está matando indiscriminadamente.

Baseado no livro homônimo de Josh Malerman, BIRD BOX, ou CAIXA DE PÁSSAROS (não sei o motivo da Netflix não ter traduzido o título, o que faz com que muitas pessoas não saibam que existe um livro) se concentra no relacionamento dessas pessoas e na luta para conseguirem sobreviver ao que acontece do lado de fora da casa. Os destaques vão, sem qualquer surpresa, para as interpretações de Sandra Bullock, como Malorie, John Malkovich, como Douglas, e Trevante Rhodes, como Tom. Bullock emprega uma fragilidade e uma força à personagem que conquista logo nos primeiros minutos do filme. Não tem como não gostar da atriz e de sua interpretação. Malkovich consegue criar um personagem frio, intolerante, covarde, mas que com apenas com um pequeno diálogo, e alguns gestos muito bem trabalhados, consegue explicar os motivos do personagem ser do jeito que é, que ele não é assim tão ruim, que também pode ser alguém de quem sentimos alguma simpatia. E Rhodes, apesar de sua robustez física, de suas expressões fortes, dá uma enorme sensibilidade a Tom, a ponto dele parecer mais frágil que Malorie.

Os demais personagens da casa são genéricos e, realmente, não acrescentam muito, com exceção, claro, de Danielle MacDonald, como Olympia, uma outra mulher que está grávida. Malorie e Olympia estão no mesmo período de gestação e são as protagonistas do momento mais dramático do filme que acontece no meio da história, e não no seu final. Aliás, esse é um destaque das duas obras, filme e livro, onde os momentos de tensão acontecem nas partes iniciais ao invés do que é habitual, de acontecerem no final. Mas isso não quer dizer que você não terá alguma emoção nos últimos minutos. Você terá, porque Malorie precisa fazer uma escolha difícil, que deixa qualquer um prendendo a respiração, ainda mais com a interpretação de Bullock.

BIRD BOX, o filme, e CAIXA DE PÁSSAROS, o livro, embora o primeiro seja uma adaptação para o cinema (ou televisão) do segundo, são obras bastantes diferentes no que entregam. O livro é um terror psicológico que utiliza uma criatura, que mata apenas com a visão de sua forma, para obrigar as pessoas a terem que conviver com a escuridão, a ficarem de olhos fechados o tempo todo. Além disso, diversas partes do livro são de puro terror, principalmente com a maneira que alguns dos personagens escolhem para se matar. Entretanto, o filme é mais leve, ele não é de terror, mas de suspense. Não existem momentos que incomodam pela crueldade ou pelo excesso de sangue. Inclusive, a maioria dos personagens secundários foi substituída, porque até eles, no livro, eram mais problemáticos em comportamento e atitudes. Essa mudança drástica de tom pode agradar alguns, como pode desagradar a outros.

Por isso, resolvi destacar CINCO modificações que ficaram melhores no filme, e CINCO que são melhores no livro. Todas elas são spoilers, então veja o filme primeiro, ou leia o livro, e depois volte aqui. Ou se não ligar para isso, só continuar 😉

CINCO COISAS MELHOES NO FILME

UM: A criatura não parece ter uma forma física. A ideia que o filme passa, é de algo que não consegue interagir fisicamente, e isso explica porque ela não ataca as pessoas, não entra nas casas e precisa usar de artifícios para que as pessoas abram os olhos, como criar ilusões de vozes conhecidas. No livro, a criatura é física, ela deixa marcas de garras nas paredes, e em determinado momento tenta tirar a venda dos olhos de Malorie. Por isso, não há uma lógica no fato dela não atacar, das pessoas precisarem olhar para ela para morrerem. Como todos estão de olhos fechados, seria extremamente fácil para ela dilacerar todos.

DOIS: Tom é um personagem melhor desenvolvido, inclusive sua relação com Malorie. No filme, eles ficam juntos pelos cinco anos após o nascimento das crianças, o que não acontece no livro. Por isso, no livro, é estranho o sofrimento que Malorie tem pela falta dele, uma vez que eles não ficaram muito tempo juntos. E também o final de Tom é mais digno. No livro, a morte dele é sem sentido.

TRÊS: O nascimento da Garota e do Garoto é a parte mais tensa do filme, e também é no livro. Em ambos, Gary é o causador de tudo de ruim que acontece. Enquanto no filme, Gary é responsável direto pela morte de quase todos, no livro, ele deixa uma das criaturas entrar, e é ela a responsável pelas mortes. No filme, Tom impede que Gary force Malorie e olhar a criatura pela janela, a criatura não entra na casa, mas Gary é impedido por Tom. No livro, Gary simplesmente poupa Malorie e as crianças e vai embora com a criatura, sem qualquer explicação ou motivo.

QUATRO: A Garota e o Garoto são crianças quase normais no filme. Elas são treinadas por Malorie para se moverem de olhos fechados, para ouvirem sons, mudança do vento, entre outros sinais que possam detectar ser precisarem da visão. No livro, as crianças são praticamente pequenos super-heróis tipo o Demolidor, o que exige do leitor um pouco de suspensão da descrença.

CINCO: O final do filme, embora quase idêntico ao final do livro, não é tão radical. No filme, Malorie e as crianças chegam a uma escola para cegos, onde várias pessoas encontraram abrigo, ajudadas por quem estava na instituição e já sabia viver na escuridão. No livro, conforme as pessoas chegam, são cegadas por ferros em brasa.

CINCO COISAS MELHORES NO LIVRO

UM: Malorie demonstra, com o passar dos anos e das perdas, entrar em uma fase de declínio emocional e psicológico. Ela apresenta traços de paranóia e parece lutar para manter sua lucidez. Isso é agravado por ela criar as crianças sozinha por cinco anos, o que não acontece no filme, onde ela tem a ajuda de Tom, e onde ela é mais equilibrada.

DOIS: Vários trechos do livro são violentos e cheios de sangue. A cena dos partos é a maior delas, e há descrição detalhada de tudo o que acontece. No filme, a tensão é grande, mas no livro, ela é bem maior e mais visceral.

TRÊS: Gary é um personagem bem mais psicopata no livro do que no filme. Ele perpetua uma tortura psicológica em um dos personagens, a ponto de levá-lo para a loucura, e é especialmente sádico na relação com Malorie. Sua participação também é bem maior, ocupa quase metade do livro.

QUATRO: A narrativa do dia-a-dia de Malorie e as dificuldades que ela tem para treinar as crianças e fugir da casa é muito tensa, cheia de detalhes que deixam o leitor com a sensação de que qualquer coisa pode acontecer. Principalmente porque ela faz quase tudo na escuridão, de olhos fechados, e a forma que o autor consegue comunicar isso ao leitor, é muito competente.

CINCO: Os personagens secundários que estão na casa, que não Tom, são mais bem trabalhados, possuem várias facetas e não seguem a cartilha de personagens de filmes do gênero, enquanto que no filme, eles não são os mesmos e não apresentam qualquer importância dentro da trama.

Ah, aproveite e leia a resenha do livro, só clicar aqui!


AVALIAÇÃO:


DIREÇÃO: Susanne BIER
DISTRIBUIÇÃO: Netflix
DURAÇÃO: 2 horas e 4 minutos
ELENCO: Sandra BULLOCK, Trevante RHODES, John MALKOVICH