Como eu disse na minha resenha do livro MÁQUINAS MORTAIS, que você pode ler aqui, embora o livro seja direcionado para jovens, toda a violência, as mortes de personagens importantes, o ambiente steampunk, tudo é muito forte para eu concordar com essa classificação. E isso é o que o livro tem de melhor, é o que diferencia sua narrativa de obras semelhantes, além da ideia principal, que são as cidades móveis.

Sobre a história, vou copiar o que escrevi na resenha do livro, porque é basicamente a mesma coisa: o mundo entrou em colapso, aconteceram terremotos, maremotos e uma guerra que acabou com a maior parte da tecnologia. Devido à instabilidade dos terrenos, as cidades passaram a ser construídas sobre rodas, para poderem ir de um lugar para o outro. Algumas delas gigantescas. Como forma de sobrevivência, as cidades maiores capturam as cidades menores e roubam seus recursos, empregam as pessoas aptas para trabalhar e matam as outras. Londres, uma das maiores cidades do velho continente, ao capturar uma outra cidade, traz para seu interior uma garota em busca de vingança.

A tal garota se chama Hester e ela busca vingança contra Valentine, o braço direito do prefeito de Londres. Tom, um funcionário do museu, enquanto procura por peças da civilização anterior no interior da cidade consumida, acaba descobrindo coisas que não devia e, junto com Hester, é jogado para fora Londres, abandonado no meio do nada, além de começar a ser perseguido por um assassino, uma mistura de robô com zumbi chamado Shrike.

Dentro de Londres, Katherine, a filha de Valentine, desconfia que as atividades do pai não são tão legais quanto ela imagina e, junto com Bevis, um ajudante de engenheiro, começa uma investigação para descobrir o que realmente está acontecendo, onde foi parar Tom e quem é Hester. Assim temos duas frentes: a primeira, com Hester e Tom tentando fugir do assassino, voltar para Londres e desmascarar Valentine; e a segunda, com Katherine e Bevis tentando descobrir os segredos de Valentine e do prefeito de Londres.

Com a diferença de que no livro, Tom trabalha numa biblioteca e procura por livros nas cidades consumidas, todo o resto é o mesmo, mas apenas no início do filme. Aos poucos, acontecem diferenças, e algumas bastante significativas, como as motivações e o destino de alguns personagens, um final diferente para a história, a amenização do tom sombrio e violento e uma incapacidade de conseguir dar sentimento aos dois casais principais.

Uma das piores mudanças reside no tal robô/zumbi, Shrike. Ele possui uma história passada com Hester, ele não pode ser detido, ele tem um objetivo irredutível, e, no filme, isso é subvertido apenas para que Shrike entregue uma determinada coisa a Hester. Depois disso, ele é deixado de lado. A importância de Shrike é imensa, e ele mantém essa importância nos livros seguintes da série, porque sua história é outra diferente da do filme.

Outros dois personagens que sofrem e são totalmente apagados, é Katherine e Bevis. Eles têm uma importância fundamental na história, possuem um arco completo emocionante e o destino dos dois é o que mais dói o coração do leitor. Tudo isso e abandonado no filme, eles viram apenas coadjuvantes que compõem poucos minutos em cena.

Existe uma tentativa de dar emoção à relação de Hester com Tom, mas tudo é feito de forma muito superficial, apressada, e não convence. Os atores até estão bem nos papéis, e eles possuem química e tudo, mas os diálogos não são os presentes nos livros, são expositivos e carregados de clichês. E isso se reflete até na cena final, quando a última frase não tem nada a ver com aquilo que os personagens passaram. Inclusive, no livro, o que eles sentem é um enorme sofrimento por tudo o que aconteceu. No livro existe o peso do drama, enquanto no filme, tudo parece plastificado, sem muita importância.

Em termos técnicos, MÁQUINAS MORTAIS enche os olhos. Os efeitos especiais são fantásticos, críveis, convencem facilmente. As partes em que as pessoas anda ao lado das cidades, ou no meio das marcas das rodas e esteiras no terreno, tudo gigantesco, são incríveis. Embora as cidades pareçam gigantescas, cheias de detalhes, elas não transmitem vida. É possível ver milhares de pessoas vivendo nelas, mas a sensação que dá é a mesma de estar sobrevoando um local sem conhecer absolutamente nada do que está abaixo, então você não liga. Nos livros, toda a sociedade é explicada, como eles vivem, como são governados, os tipos de trabalhos, etc. O leitor compreende o motivo das cidades existirem, compreende o motivo de serem temidas e odiadas, e se importa como isso. O mesmo não acontece no filme.

Hera Hilmar faz uma Hester bem parecida com a do livro. Apenas sua cicatriz no rosto é mais discreta, como era de se esperar, para não chocar quem assiste. Ela entrega a raiva, a persistência, a coragem da personagem, bem como não decepciona nos momentos dramáticos. Robert Sheedan faz um Tom Natsworthy ingênuo, meio bobo, que segue Hester como um adolescente, e se sente totalmente perdido sem ela ao seu lado. É exatamente assim no livro. Ele nunca saiu de Londres, não conhece o mundo do lado de fora, foi educado por meias-verdades ou total mentiras. Quando Hester mostra como as coisas realmente são, ele entra em choque. Essa reação não é mostrada no filme, mas o que é mostrado sugere essa transição. Leila George e Ronan Raftery, como Katherine Valentine e Bevis Pod, respectivamente, nem de longe são os personagens do livro. Não existe a dramaticidade e nem o romance entre os dois, o que é uma pena. Enquanto Leila ainda entrega alguma vivacidade à sua personagem, Ronan simplesmente desaparece. Jihae, como Anna Fang, é uma boa surpresa e corresponde à sua versão literária. Ela é imponente e mortal em todas as cenas em que aparece. Stephen Lang, como Shrike, está perfeito e assustador, embora todo o seu arco tenha sido modificado. E, por fim, temos Hugo Weaving e seu Thaddeus Valentine. O ator é excelente em tudo o que faz, mas aqui está limitado pelo roteiro. Embora não comprometa, seu vilão não traz nada de novo, e olha que existia muita coisa nova no livro para ser mostrada. Infelizmente.

O fato é que roteiro adaptado foi mal escrito, a direção foi inexperiente, e isso resultou no fracasso de bilheteria que se viu. MÁQUINAS MORTAIS é uma série de livros fantásticos, cheios de ideias criativas e dois personagens cheios de personalidade e cativantes. Por isso mesmo, é algo que exige um cuidado maior na adaptação para o cinema, algo que deveria ter sido feito em mais de um filme, devido à quantidade de acontecimentos e de informações presentes, além dos inúmeros personagens importantes. Tentaram colocar tudo espremido, tiraram a violência e o drama, mudaram drasticamente personagens, inseriram sequências inteiras copiadas de outros filmes, principalmente de STAR WARS, sem qualquer motivo, então, realmente, não tinha como dar certo.

Entretanto, deem uma chance aos livros, eles são excelentes, são o que existe de melhor em distopia e steampunk. O primeiro volume foi relançado pela HarperCollins, com capa nova e tudo. O segundo volume, em um total de quatro, já foi anunciado. As versões antigas, publicadas pela Novo Século, você ainda consegue encontrar em sebos e algumas poucas livrarias. Compre e leia. Você verá o quanto o filme não faz justiça aos livros. Infelizmente.


AVALIAÇÃO:


DIREÇÃO: Christian RIVERS
DISTRIBUIÇÃO: Universal
DURAÇÃO: 2 horas e 8 minutos
ELENCO: Hera HILMAR, Robert SHEEHAN, Hugo WEAVING, Jihae, Ronan RAFTERY, Leila GEORGE, Stephen LANG