A história de O HOMEM DE GIZ se divide em dois tempos distintos: acompanhamos os personagens quando eram crianças, trinta anos no passado, em 1986; e acompanhamos esses mesmos personagens em 2016. A narrativa, tanto do passado, quanto do presente, é em primeira pessoa, feita por Eddie, um garoto introvertido e cleptomaníaco (rouba pequenos objetos por impulso). Ele começa contando como o corpo mutilado de uma garota foi encontrado em um bosque, nos arredores da cidade, cuja cabeça jamais apareceu. Ele afirma que essa tragédia encerrou um ciclo de outras tantas que mudaram a vida dele, de sua família e de seus amigos. Também conta como ele conheceu o estranho professor Halloran, um homem albino que fazia desenhos usando giz, que salvou uma menina de um acidente em um parque com a ajuda de Eddie, e que acabou por ser apelidado de Homem de Giz pelo tom de sua pele. E assim por diante, vamos acompanhando acontecimentos do passado e do presente que revelam pistas sobre quem era a garota assassinada no bosque, o porquê dela ter sido assassinada e quem foi o assassino.

O HOMEM DE GIZ não é um livro de terror, mas um thriller, um suspense policial, com uma pegada psicológica bastante forte. Todos os personagens do livro são bizarros de alguma forma. Mickey, Gav e Hoppo, os três garotos amigos de Eddie, mais Nicky, a única garota do grupo, possuem problemas de comportamento. Fazem parte de famílias desajustadas de alguma forma. Os problemas variam de abuso, estupro, violência, bullyng, perseguição, mentiras, e alguns outros.

Nenhum desses personagens secundários tem seus problemas desenvolvidos. Os problemas servem apenas como justificativa para situações e consequências. Isso poderia ser algo negativo, uma superficialidade, entretanto acho que compreendo a ideia da autora de não se debruçar sobre cada um deles. Acredito que o livro ficaria mais pesado do que já é, e mais extenso, com certeza. De qualquer forma, uma das personagens merecia um pouco mais de atenção, a Nicky. Ela é filha do pastor da cidade, sofre maus tratos pelo pai, e conhece alguns segredos sujos que desencadeiam uma série de tragédias. Inclusive, ela é a responsável por um dos trechos mais pesados da história, dentro da igreja, e que ajuda a propagar a lenda dos bonecos de giz que fazem parte da lombada do livro.

Eddie, no entanto, como narrador, tem sua história totalmente desenvolvida. A mãe dele é uma médica que além de atender pessoas doentes também atende quem deseja fazer um aborto. Claro que ela é mal vista por uma parcela da população da cidade, principalmente pelo pastor, que é pai da Nicky. Quando criança, Eddie não compreende parte dos problemas que a mãe enfrenta, e nem o que eles desencadeiam.

Mas o relacionamento mais significado de Eddie se dá com o professor Halloran. Eddie reconhece bondade no homem, mas o acha bizarro demais para confiar nele. Quando acontece o acidente no parque, logo no início do livro, que dilacera parte do rosto de uma garota, é Halloran quem socorre e salva a menina, com a ajuda de Eddie. Isso cria uma espécie de laço entre os dois, e Eddie, quando criança, sempre procurou saber quem realmente era Halloran, se ele realmente era uma boa pessoa e se ele tinha relação com os desenhos dos homens de giz que passaram a aparecer junto de todas as tragédias futuras.

Mas o ponto central de toda a trama de O HOMEM DE GIZ, sequer são as mortes, as tragédias ou o assassinato da garota na floresta. A discussão que a autora levanta, a mensagem que ela quer transmitir, é sobre as consequências de nossos atos. Por mais inofensivos que possam ser, por mais controlados que possam parecer, tudo o que fazemos reverbera de alguma forma em alguém. E, de certa forma, com exceção do acidente no parque, todos os seguintes foram consequência da ação impensada de algum personagem, que não previu o que poderia acontecer por causa dela. Essa noção de causa e efeito está muito bem explorada e abre assunto para vários debates. Como por exemplo, se uma pessoa que faz algo sem má intenção, mas cujo resultado é uma tragédia, ela é culpada? A autora não dá respostas para isso, claro, mas consegue o principal, que é fazer o leitor pensar sobre seus próprios atos no dia-a-dia. O quanto nossas atitudes no dia-a-dia se assemelham ao que acontece no livro, em maior ou menor dramaticidade?

A forma de escrever de Tudor é muito parecida com a de Dan Brown, mas não sei se ela se baseou nele como inspiração. Isso porque ela coloca uma ponta solta ao final de cada capítulo, além de antecipar algo que irá acontecer, mas sem contar como, obrigando o leitor a continuar a ler capítulo após capítulo. Entretanto, é bastante óbvio o quanto ela se inspirou em Stephen King. Não na parte do terror, mas muitos elementos presentes em O HOMEM DE GIZ, também estão presentes em uma das mais famosas obras de King, IT. Narrativa em dois tempos, passado e presente; um grupo de crianças, com uma garota ruiva no meio; uma morte misteriosa; uma gangue que persegue os meninos; um segredo que perdura até os dias de hoje; a reunião de todos passados trinta anos; e assim por diante. Não considero isso um problema, uma vez que apenas a base é semelhante. O conteúdo é totalmente diferente, principalmente porque a obra de King é um terror puro, enquanto que a de Tudor é calcada na realidade e em distúrbios psicológicos dos personagens.

E quando me refiro a distúrbios psicológicos, faço devido ao fato de que todos eles possuem algo que não bate, inclusive Eddie, o narrator. E não é por causa de sua cleptomania, mas algo mais que, aos poucos, demonstra que as coisas que ele conta podem não ser totalmente verdade, ou pelo menos não totalmente completas.

O HOMEM DE GIZ é um suspense muito bem escrito, que obriga a leitura consecutiva de todos os capítulos, até que se chegue ao final e se descubra o que realmente está acontecendo. Ainda mais sendo a primeira obra de Tudor. Recomendo demais para os amantes de thrillers policiais e de estudantes de psicologia. Ao final da história, vão compreender o motivo.


AVALIAÇÃO:


AUTORA: C. J. TUDOR nasceu em Salisbury e cresceu em Nottingham, Inglaterra, onde ainda mora com a família. Seu amor pela escrita, especialmente pelo estilo sombrio e macabro, surgiu logo cedo. Enquanto os colegas liam Judy Blume, ela devorava as obras de Stephen King e James Herbert. Ao longo dos anos, atuou em várias funções, como repórter, redatora, roteirista para rádio, apresentadora de televisão, dubladora, passeadora de cães e agora escritora. O Homem de Giz é seu romance de estreia
TRADUÇÃO: Alexandre RAPOSO
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 272


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