O diretor e roteirista Jordan Peele é o nome do momento. Seu grande destaque veio em 2017 com o filmaço CORRA!, que foi um sucesso de crítica, bilheteria e de Oscar. Seu filme anterior tinha muito suspense, um toque de terror e uma crítica social fascinante. Agora em NÓS, tudo isso foi elevado a níveis enormes e já vou soltar um spoiler, ele acertou de novo!

A trama acompanha uma família que está passando férias numa casa de praia, e indo para lá, todos parecem um pouco animados, menos a Mãe. Ela tem uma experiência anterior pesada envolvendo essa praia, que é perto de sua casa, e está decidida a não perder seus filhos de vista. De noite, tudo parecia se encaminhar na tranquilidade e todos já estavam indo dormir, até que percebem um barulho lá fora. Eles estão sendo atacados e não é por estranhos, bandidos ou por demônios. Eles estão sendo atacados por eles mesmos.

E é isso mesmo que você leu, a família está sendo atacada por cópias exatas deles mesmos, com a diferença de que todas as cópias estão usando macacão vermelho e nas mãos carregam tesouras. O roteiro trabalha os fatos com muita calma; o primeiro arco do filme é direcionado para a Mãe, personagem que de cara nos apresenta seu trauma. O dia em que se perdeu num parque de diversões e tudo nunca mais foi como era antes. A Mãe nunca parece totalmente relaxada e seu maior receio hoje é ver o que aconteceu com ela, acontecer com os filhos, apesar de que ela não entende exatamente o que passou. O público também não entende, e essa informação é a base central do filme e de suas esquisitices.

A Mãe tem um trauma: seu marido é um bobo risonho e seus filhos são desfocados, todos recebem um pouco de cuidado do roteiro e suas personalidades tem extrema importância na trama. E quando chega o dia do apavorante ataque, todos precisam estar prontos para sobreviver. Eles realmente estão sendo atacados por eles mesmos e, obviamente, isso tem uma lógica e crítica social. Conhecendo o trabalho do diretor, é impossível pensar em outra coisa. E realmente a explicação de tudo vai muito além de clones atacando seus originais. Porém, o roteiro acaba superestimando sua própria trama e oferece poucos caminhos de compreensão para o espectador.

NÓS é um daqueles filmes que só é desvendado no final, é preciso mergulhar na experiência, comprar os fatos e aceitar o estranho, porque caso não, a experiência pode ser decepcionante. A explicação para os fatos também é um pouco rasa e vai quebrar a cabeça de muita gente. Bastante coisa fica em aberto, algumas informações são simplesmente negadas para o espectador, como um versículo Bíblico que aparece em diversos momentos e em nenhum deles é nos apresentado o que esse versículo quer dizer. É uma boa trama, tem um interessante enigma a ser desvendado, porém ela não é eficiente como a trama de CORRA!, que conseguia impressionar e impactar o espectador, sem precisar apelar para mistérios confusos.

A atriz Lupita Nyong’o é a estrela do filme. Ganhadora do Oscar de atriz coadjuvante pelo seu desempenho em DOZE ANOS DE ESCRAVIDÃO, também foi um dos grandes destaques no elenco de PANTERA NEGRA, e em NÓS, ela incarna dois papeis ao mesmo tempo e entrega possivelmente o melhor desempenho de sua carreira, pelo menos até agora. Ambas as personagens são exatamente difíceis, uma é uma mãe jovem cheia de traumas, a outra é uma cópia louca que parece estar numa grande agonia. O trabalho corporal é diferente em ambas as personagens e o trabalho vocal também, sendo na cópia uma de suas características mais interessantes. Um desempenho profundo e muito claro na sua proposta, ela guia o espectador por esse labirinto de dúvidas e é impossível não se impressionar com o que ela nos apresenta. E toda essa grandiosidade acaba ofuscando todo o resto do elenco. Com exceção dos atores que interpretam seus filhos, ninguém se destaca.

Se o trabalho no roteiro é inconsistente, todos os outros aspectos do filme são o oposto disso. A direção se mostra 100% competente e no controle da missão de criar tensão. Aqui não temos sustos baratos, nada de jumpscares, o que assusta é o estranho. Realmente não saber o que está acontecendo, faz o espectador ter frio na barriga. A sequência do ataque das cópias à casa da família é construída com perfeição extrema. A trilha sonora nos arrepia ainda mais e a fotografia nos leva para um autêntico inferno na Terra. Tudo é belíssimo, os cenários, as locações, a maquiagem e também o figurino. Um filme extremamente completo que não deixa faltar nenhuma perfeição no aspecto técnico.

Não é basicamente um terror, o filme parece mais um suspense psicológico, com uma pitada de horror. Não é um filme tão acessível como CORRA! era, e vai deixar muita gente com dor de cabeça. É sim necessário um esforço para a compreensão do mistério, e quando o espectador chega nesse ponto, faz tudo valer a pena. O caminho não precisava ser tão confuso e o diretor poderia ter feito seu roteiro sem superestimá-lo demais, mas fora isso, não há nada para reclamar de NÓS, uma interessante experiência em ideias que fazem a gente refletir sobre qual é o nosso lado oculto, sobre quem nós realmente somos. Um belíssimo filme, com uma atriz em seu auge da perfeição, vale sim uma conferida!


AVALIAÇÃO:


DIREÇÃO: Jordan PEELE
DISTRIBUIÇÃO: Universal
DURAÇÃO: 1 hora e 56 minutos
ELENCO: Lupita NYONG’O, Winston DUKE, Elisabeth MOSS