Nascida em 1983, na cidade de Xangai, China, Jenny Zhang se mudou para Nova York, nos EUA, aos cinco anos de idade. Seu pai já morava na américa há alguns anos. Ele havia ganhado uma bolsa de estudos em linguística para a Universidade de Nova York, e fugia da decadência econômica após a Revolução Cultural Chinesa, quando Mao Zedong impôs a preservação do comunismo, eliminou os elementos capitalistas e tradicionais da sociedade chinesa, afetando negativamente a economia e paralisando a política. O objetivo do pai de Zhang era estabelecer um local de morada e, depois, trazer toda a sua família.
Após terminar a faculdade, Zhang se mudou para São Francisco e começou a trabalhar em sindicatos de auxílio aos trabalhadores chineses imigrantes. Logo em seguida, passou a contribuir para uma revista digital voltada para o público adolescente, onde publicou seus primeiros textos de ficção e de não-ficção. Entre esses textos, estão alguns contos que tratam sobre a relação de garotas com os pais e familiares, todos chineses, todos imigrantes, todos em busca de uma vida mais justa, mais tranquila, com menos dificuldades, com mais respeito.
Em CORAÇÃO AZEDO estão reunidos sete desses contos. Em um deles, “A evolução do meu irmão”, Zhang é a protagonista, e descreve como foi sua relação com o irmão mais novo, permeada por uma autoridade que chegava a ser opressora, o que refletia a forma como a própria Zhang era tratada. Um ciclo de transferência comum, que serve como escape, mesmo que injusto. A autora tem consciência disso, e trata dessa questão nos momentos que se misturam entre a ambiguidade do que sentia pelo irmão. E conforme ela cresce, bem como o irmão, ela descobre que o tempo não espera ninguém amadurecer, que os sentimentos mudam, e que quem antes a amava, mesmo em meio a uma relação conflituosa, pode seguir em frente e abandonar esse sentimento,
Os demais contos são protagonizados por outras garotas e se concentram no conflito entre ideias diferentes sobre liberdade, sobre identidade cultural, sobre a necessidade de se manter essa identidade em um país diferente, onde ela não dita regras fora do ambiente familiar, sobre cobranças de comportamento, sobre sexualidade, sobre os sentimentos emergentes da puberdade, sobre a possibilidade de se reconhecer que não deu certo e que alguns podem ter que voltar para a China.
Zhang não omite nenhum detalhe de como é a vida de um imigrante chinês na américa. Ela aborda os ambientes, que vão da pobreza absoluta até os que possuem um pouco mais de conforto; os preconceitos, que não ficam restritos ao que eles sentem, muitas vezes são preconceitos dos próprios chineses em relação aos ocidentais; os trabalhos quase sempre de menor capacidade, onde chineses com diplomas não conseguem exercer o que sabem e, para sustentar a família, abrem comércios de pequeno porte ou arrumam trabalhos braçais. Toda essa narrativa propositalmente ácida, as protagonistas são ácidas, e talvez por isso o título da obra.
Ser imigrante em um país é algo complicado, difícil, muitas vezes impregnado de injustiças sociais, preconceitos, pobreza e solidão. Quando se muda de país, não se busca apenas um lugar mais bonito ou melhor para se viver, na verdade a busca é por um pouco mais de civilidade, de dignidade, de conforto, ou mesmo uma fuga dos absurdos existentes no país natural. Morar em outro país não é um passeio turístico, onde a pessoa vai visitar os pontos mais bonitos nos fins de semana. Em quase todos os casos, a vida que se leva é de trabalho constante, estudo exaustivo, uma vida simples, uma dedicação constante e muita, muita esperança. Um imigrante tem que lidar com todos os problemas que uma pessoa natural do país lida, mais os problemas inerentes de adaptação. Zhang faz essa tradução para o leitor de forma extremamente competente, como só alguém que sente isso na pele é capaz de fazer.
CORAÇÃO AZEDO é uma leitura que impacta para realidade absurda que passa sobre como é ser um imigrante nos EUA, sem qualquer romantismo, de forma direta, mas nem por isso sem emoção. Os contos são de garotas que estão se transformando em mulheres, que lutam por seu lugar em um mundo tão polarizado e injusto. Uma leitura recomendada demais para quem sonha em mudar de país, seja você de onde for.
AVALIAÇÃO:
AUTORA: Jenny ZHANG nasceu em 1983 e é uma escritora, poeta e ensaísta prolífica que mora no Brooklyn, em Nova York. Um dos focos de seu trabalho é a identidade e a experiência dos imigrantes chineses nos Estados Unidos.
TRADUÇÃO: Ana GUADALUPE
EDITORA: Companhia das Letras
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 336
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Livros que retratam outras culturas são sempre enriquecedores. Especialmente um que retrata a dura realidade do imigrante oriental nos Estados Unidos.
Essas protagonistas podem até ser consideradas ácidas mas na verdade são mulheres vivendo um choque cultural. Manter-se fiel a sua cultura e conviver com a cultura ocidental.
Oi, Michelle!
É muito mais difícil do que a maioria pensa…
Esse livro será um tapa em minha cara pq confesso que sou a sonhadora que pensa em mudar de país e ter uma vida linda de primeira, ser bem recebida etc e tal. Não é algo que eu leria normalmente, até pq imaginava ser uma história e não vários contos, mas é algo que vou ler por ser de um assunto de grande interesse e uma forma de enxergar que mascaramos muita coisa inconscientemente por ler ou ver as outras pessoas vivendo aquilo.
Oi, Giovana!
Nunca é como a gente imagina. Mudar de país é uma experiência válida, mas a pessoa precisa estar minimamente consciente do que poderá enfrentar.
Um assunto tão em alta né? Infelizmente…e parece que cada vez que ligamos a tv, nos deparamos com histórias tristes que chocam pela crueldade, que envolvem mulheres, crianças e homens lutando por as vezes, só paz!
E cada dia que passa, as lutas são maiores!
Primeira resenha que leio deste livro e adorei muito o que li acima. Até por trazer contos, coisinha que amo de paixão e histórias que trazem essa realidade tão dura a nós!
Vai para a lista de desejados com certeza.
Beijo
Oi, Angela!
Não é? Ainda mais com os refugiados de diversos países. Não consigo imaginar o que essas pessoas enfrentam.
Olá! Gosto demais desse tipo de leitura, onde tenho a chance de aprender um pouco mais sobre a cultura de outros países e ter a oportunidade de saber mais sobre o que está por trás da imigração, e de como não é fácil se acostumar a essa nova realidade, muitas vezes repleta de preconceito.
Oi, Elizete!
É sempre bom um pouco de informação sobre como é viver em outro país, principalmente sobre as dificuldades.