O ÚLTIMO ANCESTRAL se passa no Distrito de Nagast. Com ares que remete a Blade Runner, temos uma civilização que tem a tecnologia como ferramenta para viver diariamente, onde o acesso a determinados lugares só é possível com credenciais, onde o dinheiro se transformou em criptocréditos. Eliah é o nosso protagonista. É o melhor ladrão de carros da equipe intitulada Mecânicos de um dos manda-chuva de Obambo, o Zero. Ele rouba para conseguir alimentar Hanna, sua única irmã.

A história se inicia com Eliah trazendo um carro tecnológico. Nada fora da sua rotina. Entretanto, esse carro é de uma pessoa importante no chamado 1o Círculo do Distrito que é a região mais rica de Nagast. E essa pessoa deseja tanto o seu carro de volta (ou o que tenha dentro) que está disposta a fazer robôs subirem Obambo para capturar quem o roubou, dando combustível para uma revolta que Zero busca.

Nagast é bem definida com determinadas populações em cada canto e o sistema trabalha para elas permanecerem lá sem haver esperança de mudanças. Obambo é a favela de Nagast. Lá, toda a população que o sistema não quer ter contato chutou para escanteio séculos atrás. Tive a impressão que é o único lugar onde as pessoas trabalham para sobreviver, diferente dos outros setores que só vivem. O nome favela já denota de onde a história se situa na Terra mesmo sendo usado Nagast.

A obra é uma distopia afrofuturista. Ela traz elementos para esse empoderamento continuar acontecendo. É possível, sim, uma ficção científica ser para todos! É bizarro imaginar que mesmo após séculos, a segregação poderá continuar sendo alimentada. A obra serve como alerta para as pessoas se tocarem de que isso não pode continuar. Espero sinceramente que isso não continue.

Os grandes vilões da história são os chamados Cygens. Sua origem não é revelada para a população, mas sabem que são híbridos de homens e máquinas. Séculos atrás eles chegaram para dominar toda a Nagast e se estabeleceram como um povo destruidor. Em comparativo eles seriam os colonizadores chegando ao Brasil e destruindo os povos originários. Instituindo a destruição de seus rituais e deuses. Os Cygens tem somente um objetivo: destruir qualquer ato religioso. Enquanto que os seus apoiadores o utilizam como muleta para manter a população preta em Obambo. Mas os Cygens não precisam mais ir pessoalmente destruir as pessoas, eles têm um forte armamento tecnológico através de máquinas que escaneiam a população e vigiam dia e noite.

Esse é o clima onde Eliah vive. Com interesses por todo lado, ele não sabe que é somente uma ferramenta descartável na mão de Zero. Não sabe até ser descartável. Nagast mesmo com toda sua divisão tem ainda um elemento que me causou bastante estranheza: a magia em forma de fé. Só por ser um distopia afrofuturista o autor Ale já ganhava o mundo, mas ele foi ousado e bordou toda a história com magia sendo um canal para a população se conectar com seus antepassados. É algo que acontecia antes dos Cygens aparecerem. É algo que Eliah terá contato e será combustível para a guerra que acontece na história.

Gostei bastante da proposta que O ÚLTIMO ANCESTRAL traz. É uma obra que se não lida com atenção é fácil se perder. O que mais me trouxe admiração foi ser mantido o uso de gírias nos diálogos dos obambos. Isso trouxe toda uma naturalidade para o enredo que eu não presencio com frequência. Espero que isso sirva como uma ponte para outros autores nacionais se apoiarem e cobrarem dos editores.

Zero é um cara que tenta a toda hora justificar as suas decisões, mas que dá somente uma impressão: traíra. Tudo que ele faz mesmo que use como muleta que é para a proteção de Obambo serve para mais para os seus próprios interesses. Moss e Hanna foram minhas personagens favoritas com suas forças e espíritos de esperança. Toda cena em que elas estivessem minha concentração redobrava. De Eliah eu não senti muita afinidade. Mesmo sendo o protagonista eu fiquei com a impressão que ele servia mais como cola para acessarmos pontos do enredo que não seria
possível chegar. Precisava de um receptáculo (quem leu o livro vai entender haha).

Cheguei na história sem saber o que esperar, e sai acreditando que é possível um autor nacional construir uma obra que bate de frente com best-sellers internacionais. Que a imaginação brasileira vai longe se for acompanhada com zelo. Que dá gosto de ler nacional.

Bônus: O ÚLTIMO ANCESTRAL vai virar filme e também mesa de RPG. Agora só resta esperar que seja o quanto antes!


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Ale Santos
ILUSTRAÇÕES: Rafael Albuquerque e Douglas Lopes
EDITORA: HarperCollins
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 352