John Lewis fez parte do grupo dos Seis Grandes, que era composto por: Martin Luther King, James Farmer, A. Phillip Randolph, Roy Wilkins e Whitney Young. Todos eram presidentes ou fundadores de organizações de direitos civis e ações para terminar com a segregação racial nos Estados Unidos. Foram eles quem organizaram a Marcha sobre Washington por Trabalho e Liberdade, de 1963, que reuniu mais de 250.000 pessoas para discursar e cantar pela justiça social e pelo racismo contra a população negra do país.

Atualmente, John Lewis é deputado federal dos EUA e um ícone no movimento pelos direitos civis. Durante sua vida, ele sofreu diversas agressões físicas, algumas graves, e foi preso mais de quarenta vezes por causa de seu ativismo para a igualdade racial. Um dos momentos mais dramáticos que viveu, ocorreu em 1965, quando ele tinha 25 anos e comandou 600 pessoas em um ato pacífico para a aprovação da Lei do Direito ao Voto para a população negra, e que mais tarde ficou conhecido como o Domingo Sangrento. Quando eles chegaram à ponte Edmund Pettus, sobre o rio Alabama, foram violentamente atacados pela polícia. A repressão brutal e covarde foi transmitida ao vivo pela televisão, comovendo todo o país e sendo responsável pelo início da queda das leis que sustentavam a segregação racial nos EUA.

É exatamente nesse ataque sobre a ponte que se inicia A MARCHA – LIVRO 1, uma HQ que foi idealizada pelo próprio John Lewis, com desenhos de Nate Powell, cujos traços e cores em preto e branco, com acréscimo de muitas tonalidades em cinza, entregam a dramaticidade necessária para compor a história, mas sem qualquer exagero. Além de conseguir destacar, da mesma maneira comedida, o que cada personagem transmite pelos olhos: desde compaixão, até ódio.

No primeiro de três volumes, acompanhamos o ano de 2009, poucos momentos antes da posse de Barack Obama como presidente, quando Lewis recebe duas crianças em seu escritório, e conta um pouco da sua infância na fazenda do pai, quando começou a compreender as leis racistas que impediam negros de andar nos bancos da frente de ônibus, ou de se sentarem em lanchonetes, ou de votar, ou mesmo de frequentar escolas e universidades de brancos.

Um dos momentos mais tensos da narrativa, acontece quando Lewis, ainda moleque, viaja com seu tio para uma cidade grande. No trajeto, eles atravessam dois estados conhecidos pela intolerância racista, e ele narra o medo de serem abordados no meio da viagem e sofrerem algum tipo de agressão. Eles precisam, até, planejar em quais postos de combustível poderiam parar, ou onde comer e dormir. A descrição de Lewis de como seu tio estava tenso, o ranger dos dentes, as mãos trêmulas e presas ao volante, os músculos que só relaxaram quando eles chegaram em segurança ao destino.

Outro ponto tenso da HQ, é a forte mensagem dos atos pacíficos. Nas escolas, quando eles planejaram as primeiras manifestações, fizeram treinamentos onde uns provocavam fisicamente e agrediam verbalmente aos outros, como treino para manterem a calma, para serem pacientes quando fossem realmente provocados. Eles praticavam para se manterem frios diante daquilo que iriam enfrentar. E nos primeiros atos, quando eles se sentavam nos balcões das lanchonetes para comer, onde só podiam se sentar pessoas brancas, eles se comportavam de forma irrepreensível, apesar de serem empurrados e ofendidos.

Em A MARCHA – LIVRO 2, cuja narrativa continua sendo intercalada entre a posse de Obama e o passado de John Lewis, as manifestações atingem um patamar mais dramático. O centro da história é sobre os ativistas que viajaram em ônibus interestaduais, na década de 1960, em direção ao sul dos Estados Unidos, a região que até hoje é conhecida e temida por sua segregação racial, e que ficaram conhecidos como os Viajantes da Liberdade.

Esse movimento tinha o objetivo de garantir que a população negra tivesse a liberdade de sentar em qualquer lugar nos ônibus, além de chamar a atenção para a ilegalidade dessa segregação, uma vez que a Suprema Corte dos Estados Unidos, em 1946, havia garantido que a segregação dos negros em ônibus públicos era inconstitucional. Entretanto, os estados da região sul ignoravam essas decisões e o governo não fazia nada para garantir o direito da população negra.

Os Viajantes da Liberdade iniciaram o movimento em 4 de maio de 1961, com uma viagem de Washington a Nova Orleans composta por um grupo misto de sete negros e seis brancos. A tática era de uma pessoa negra deveria estar acompanhada de outra branca no assento ao seu lado e pelo menos um viajante negro deveria estar nos assentos mais à frente, onde de acordo com os costumes dos estados da região sul, tais assentos deveriam ser usados preferencialmente por pessoas brancas. Os demais membros do grupo deveriam estar sentados de forma aleatória nos demais assentos do ônibus. Mas eles foram interceptados no sul pela polícia estadual e foram presos por diversas supostas infrações, todas contraditórias e absurdas, apenas para que não conseguissem chegar ao destino programado.

Algumas das viagens foram interrompidas de forma violenta pela polícia do sul, inclusive com a participação da Ku Klux Klan, que chegaram a atear fogo em ônibus e seguravam as portas fechadas, impedindo a saída dos ocupantes, esperando que eles morressem queimados. Felizmente, um investigador armado intercedeu, atirou para o alto e afugentou os agressores antes que a tragédia se concluísse.

Apesar de todas as agressões e dos riscos de morte, os Viajantes da Liberdade decidiram continuar, desta vez com uma escolta cedida por Kennedy, mas os motoristas das companhias de ônibus se recusaram. Os manifestantes foram convencidos de que já haviam chamado a atenção nacional para a causa dos direitos civis, resolveram abandonar o resto do trajeto e prosseguiram para Nova Orleans com passagens aéreas. Mas outros movimentos iguais começaram a surgir em outros estados, John Lewis participou de um deles, e acompanhamos tudo isso na HQ.

A MARCHA é uma obra que demonstra como se manifestar diante das injustiças, como ser ativo sem ser agressivo, como suportar os ataques e manter a cabeça erguida. E é curioso fazer um paralelo com outra HQ resenha no blog, JEREMIAS: PELE, que também trata do racismo (pode ler aqui). Na obra da turma de Maurício de Souza, acompanhamos o jovem Jeremias tendo a mesmas descobertas de John Lewis, mas de uma forma passiva, o que não quer dizer conformada. Nossa geração, ao contrário da geração do deputado americano, não aprendeu a lutar pelos seus direitos, a enfrentar os problemas de frente. Ela está mais interessada em usufruir aquilo que já tem, acha que é suficiente, mas esquece que ainda tem muito para conseguir. Nossa gração luta pelo que a atende de forma direta e individual, não está interessada na coletividade maior.

E é esse muito que falta, que você irá encontrar na luta de John Lewis nas duas HQs de A MARCHA, e no terceiro que ainda será lançado. Foi, e é, uma luta nos EUA, mas nem por isso é uma luta só deles. É uma luta de todos, brancos e negros, até que se deixe de dizer brancos e negros, e passe a se dizer pessoas. Sem diferenciar a cor da pele.


AVALIAÇAO:


AUTOR: John Robert Lewis (nascido em 21 de fevereiro de 1940) é um líder do movimento por direitos civis e político americano. Ele é membro da Câmara dos Representantes dos Estados Unidos pelo 5.° distrito congressional da Geórgia desde 1987. O distrito que ele representa inclui três quartos de Atlanta.
ILUSTRADOR: Nate POWEL
TRADUÇAO: Érico ASSIS
EDITORA: Nemo
PUBLICAÇAO: 2018 e 2019
PÁGINAS: 128 e 192


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