Às vezes, o cinema nacional vem entregando filmes extraordinários que acabam não fazendo muito barulho aqui no Brasil. BACURAU é um projeto brasileiro que foi premiado em Cannes e em Munique. E finalmente estreia no nosso país, e já posso adiantar que estamos diante de um dos melhores filmes do ano, bora pra Bacurau?

Em um futuro não muito distante, a cidade de Bacurau, localizada no nordeste brasileiro, tem em sua população um povo muito humilde e necessitado. Porém não são pobres de espírito e fazem de sua pequena cidade, seu grande universo próprio. Lá tem tudo o que se pode ter numa cidade, comércio, postos de saúde, bares, prostíbulos e também problemas. A paz  é interrompida quando estranhos tiroteios ocorrem, que em seguida, evoluem para assassinatos. E do nada, literalmente, a cidade sai do mapa, ficando incomunicável e inacessível para todos, o que será que está acontecendo em Bacurau?

A direção e o roteiro são de Juliano Dornelles e Kleber Mendonça Filho, sendo esse último o mesmo que comandou os filmes AQUARIUS e O SOM AO REDOR, duas obras brasileiras premiadas internacionalmente. E a experiência de ambos dão vida a um roteiro cheio de simbolismo e potência. É um filme sobre uma cidade e um povo, não temos aqui um personagem X que seguimos, o que temos são inúmeros personagens que vivem nessa humilde cidade do Nordeste e que só querem viver em paz, viver com dignidade. A primeira parte do roteiro segue uma moradora que está voltando para a cidade, para o enterro de um parente, muito querido por toda a população, e seu enterro é uma verdadeira celebração de despedida, uma das grandes. Em seguida, um simples caminhão pipa é alvejado por tiros e ninguém sabe o porquê.

Na segunda parte do filme nós somos apresentados aos antagonistas, com direito a uma grande reviravolta, e ela é uma das coisas mais estranhas que você verá nos cinemas neste ano. É louco, insano, porém muito real e palpável. É um filme que não se explica, ele não conta nada para o espectador, é nosso trabalho analisar tudo, chegar na conclusão e captar a história. A mensagem central é muito política e uma carta de amor a resistência do povo humilde, principalmente o povo do Norte e do Nordeste do Brasil, de longe os que mais sofrem. Não é um filme para todos e nem tem as características que o grande público está acostumado a ver nas telonas, mas o desfecho é tão necessário e importante que o filme se torna super inclusivo para todos nós. Aqui também existem críticas pesadas aos governantes que só sugam, para aqueles também que babam ovo de outros países, esquecendo e maltratando o próprio povo.

Além de ser um filme difícil de ser descrito sem soltar um spoiler involuntário, é difícil enquadrar BACURAU em um gênero especifico. Podemos dizer que ele é um suspense dramático, com um pé no terror slasher. O filme tem algumas sequências de violência extremamente gráficas. Algumas até surpreendentes. A direção dupla insere na trama muito simbolismo e uma metalinguagem própria, usando recursos simples e às vezes outros extremamente mirabolantes. Essa dualidade enriquece demais o filme, que é deslumbrante visualmente. A cidade em que o filme se passa é autêntica, bem estruturada e muito bem montada, tudo ali tem vida. As analogias que o filme faz sobre a seca no sertão e a morte, são bem pesadas e a imagem de um caixão se enchendo de água, se transforma numa cena bem perturbadora para o espectador.

O elenco é gigante e o filme usa atores famosos, consagrados, ao lado de não atores. Os próprios moradores da cidade onde o filme foi filmado, também participam da produção e, de vista, você não consegue diferenciar um do outro, todos estão excelentes e injetam na trama uma autenticidade muito necessária nesse tipo de filme que precisa parecer real para funcionar. E no elenco temos de presente uma participação da lenda viva Sônia Braga, que aparece pouco, porém entrega um desempenho extremamente sólido e memorável. Como dito acima, a cidade é o personagem principal e realmente, sem exagero, todo o elenco é extraordinário, mesmo aparecendo pouco, falando poucas palavras ou falando nada.

O filme infelizmente não foi escolhido pelo Ministério da Cultura para representar o Brasil no Oscar do ano que vem, mesmo ele sendo extremamente premiado e aclamado na Europa. Não assisti ao filme que foi escolhido, mas é compreensível não terem escolhido Bacurau como o nosso representante. É um filme com muito da nossa identidade e que alguns podem sair ofendidos da sessão, mas qualquer pessoa com cérebro e uma mente coerente vai entender que o ele só pega a nossa realidade e a transforma em filme. Tudo o que está aqui já aconteceu, vai acontecer e ainda está acontecendo no nosso país, principalmente para os mais pobres. Para o povo nordestino a experiência de assistir BACURAU será, com certeza, mais forte, porém todo e qualquer brasileiro vai sentir algo no final da sessão. Um filme nacional, um filme nosso de extrema qualidade que merece demais ser prestigiado. Não é uma comédia ou uma ação, não é o filme mais divertido que existe, mas é um filme que toca, que faz refletir e pensar. Com certeza merece a nossa atenção.


AVALIAÇAO:


DIREÇAO: Juliano DORNELLES e Kleber MENDONÇA FILHO
DISTRIBUIÇAO: Vitrine Filmes
DURAÇAO: 2 horas e 12 minutos
ELENCO: Sônia BRAGA, Udo KIER, Bárbara COLEN, Silvero PEREIRA e Thomas AQUINO




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