Franco integrou o golpe de Estado na Espanha, em julho de 1936, contra o governo da Segunda República, ato que deu início à Guerra Civil Espanhola. O regime fascista e sua decisão de se manter neutro quanto ao avanço de Hitler e de Mussolini, levaram a Espanha a um atraso industrial e a um nível de pobreza mais elevado do que qualquer outro país da Europa. Franco permaneceu no poder até 1975, quando faleceu. A história de O LABIRINTO DO FAUNO se passa em 1944, um ano antes do fim da Segunda Guerra Mundial, em um posto militar situado em um moinho, no meio de uma floresta.

Ofélia tem treze anos, seu pai faleceu um ano atrás, e sua mãe, Carmen, está grávida do atual esposo, o capitão Vidal, comandante de um posto militar que fica em um moinho em uma floresta do norte da Espanha, para onde viajam de carro. No caminho, Carmen precisa fazer uma pausa, porque não se sente bem, e Ofélia aproveita para ver as árvores e plantas que cercam a estrada. É quando ela encontra um pequeno inseto, que sai de dentro de uma escultura antiga e quebrada, que se comporta de forma estranha, como se reconhecesse Ofélia. Ao voltar com a mãe para o carro e continuarem a viagem, o inseto segue o veículo voando.

Quando chegam ao moinho, Vidal recebe a esposa com impaciência pela demora e desdenha de Ofélia. Ofélia não gosta da padrasto, ela reconhece nele a maldade. E Vidal é a representação crua da maldade. Ele tem atitudes extremistas e violentas, comanda seus soldados com mãos de ferro e não mede esforços para encontrar e matar os pequenos grupos de resistência republicana que se escondem na floresta. Ele demonstra uma insatisfação com a presença de Carmen, deixando claro que só se interessa pela criança que ela espera, seu filho e herdeiro.

Ofélia encontra uma construção abandonada e de aparência muito antiga que fica ao lado do moinho, feita de corredores de pedra muito altos. Quando está para entrar, ela conhece Mercedes, a caseira do moinho, responsável por todos os empregados, bem como do alimento estocado, que lhe explica se tratar de um labirinto, construído muitas décadas atrás, mas sem uma explicação do motivo de sua existência. Mercedes avisa Ofélia para não entrar, porque poderá se perder.

Mercedes leva Ofélia para o quarto de Carmen, onde um médico, a pedido de Vidal, verifica se Carmen está bem após a viagem. Quando o médico sai na companhia de Mercedes, Ofélia, acidentalmente, ouve uma conversa dos dois e descobre que Mercedes tem ligações com os rebeldes, que um deles está doente, e que o médico fornece remédios como ajuda. A partir desse ponto, Ofélia cria uma relação de cumplicidade com Mercedes, porque ela apoia o que a caseira faz.

No meio da noite, quando todos dormem, Ofélia ouve um barulho de asas no quarto e encontra o inseto que viu no caminho para o moinho. Como suspeitava, ele não é normal, porque se metamorfoseia em uma pequena fada, de aspecto quase humano, que puxa Ofélia para fora, para dentro do labirinto, guiando-a pelos corredores de pedra até chegar ao centro, onde existe uma escada em espiral para baixo. Quando chega no fundo, uma criatura de chifres encurvados e patas de bode se apresenta como o Fauno, e conta a Ofélia que ela é a princesa de seu reino, que fugiu muitas eras atrás e entrou no mundo dos humanos. Por causa disso, ela perdeu a memória e morreu. Entretanto, o Rei nunca desistiu de procurar pela filha, porque ele sabia que ela um dia iria renascer no corpo de outra menina, e abriu várias passagens por todo o mundo para que ela pudesse voltar. Com o passar dos anos, como a filha não aparecia, as passagens foram sendo fechadas, até que sobrou apenas aquela. E agora a princesa havia sido encontrada e poderia retornar para seu reino, para perto dos pais. Ofélia não acredita, mas o Fauno diz que a princesa tem uma pequena marca no formato de uma lua no ombro esquerdo. Ofélia não mostra o ombro, mas sabe que é verdade, ela tem essa marca.

O Fauno explica que Ofélia precisa realizar três tarefas como prova de que não perdeu a essência da princesa e se transformou em uma mortal. Se tiver sucesso, poderá entrar no reino e reencontrar seus pais verdadeiros. Ofélia aceita e recebe um livro de páginas em branco, que serão preenchidas com as instruções de cada tarefa, que ela irá tentar realizar, enquanto ajuda a mãe na gravidez de risco e enquanto procura se manter longe da agressividade de Vidal.
O LABIRINTO DO FAUNO possui duas narrativas que seguem em paralelo: a primeira é sobre as tarefas de Ofélia para provar que ainda possui a essência da princesa perdida do reino onde o Fauno vive; a segunda é sobre toda a realidade violenta que a rodeia. E não apenas violência física, que são as batalhas dos soldados de Vidal com os rebeldes, mas a violência emocional e psicológica.

Ofélia precisa cuidar da mãe, que está muito doente por causa da gravidez de risco. Ela sente saudades do pai falecido, da época em que eram uma família feliz, onde ela podia ler seus livros e sonhar. Ofélia teme pela segurança de Mercedes, que está sempre em perigo de ser descoberta como uma espiã; e Ofélia ainda precisa suportar as ameaças veladas de Vidal toda a vez que ele olha para ela. Ser uma princesa perdida é uma saída, uma fuga de toda aquela tristeza, uma chance de salvar sua mãe, seu irmão que irá nascer e a si mesma.

Carmen é uma mulher fraca em vários sentidos. É difícil identificar se ela aceita o tratamento que ganha de Vidal porque o ama, um amor tóxico; ou se é pela segurança que ele oferece em um país em guerra, por ser um capitão do exército de Franco; ou pelo status diante de uma sociedade que se curva perante o poder marcial. De qualquer forma, ela sente que precisa manter a filha obediente para não provocar a fúria de Vidal, e teme por não ser capaz de ter saúde para chegar ao fim da gravidez.

Mercedes é a personagem mais forte da história, por sua coragem de viver entre o inimigo, aproveitando de sua liberdade em andar por todo o moinho e conseguir ouvir todas as conversas, para, mais tarde, repassar tudo para o grupo rebelde. Ela tem consciência de que irá morrer se for descoberta, e está pronta para isso. Até que chega Ofélia. Mercedes é conquistada pela inocência da menina. Por isso, passa a ter mais preocupação com a segurança de Ofélia, do que dela própria.

O capitão Vidal é um dos piores vilões da literatura e do cinema. Ele é dono de três trechos recheados de maldade e de desumanidade. Esses trechos são fáceis de serem identificados, porque o choque e a repulsa são enormes. Ele é um homem confiante de sua missão, acredita que terá êxito em exterminar os rebeldes, mas também é um homem atormentado pelo passado, pelo pai que morreu na guerra, por um relógio que parece avisar qual será a hora de sua morte. Ele é sádico, e isso fica evidenciado em diversos momentos. Toda essa maldade, essa certeza de que ele poderá tirar a vida de qualquer um, por qualquer motivo, cria um temor imenso durante a leitura, não apenas por Mercedes, mas também por Ofélia.

As criaturas que aparecem durante as tarefas que Ofélia realizar, e os locais onde ela vai para as realizar, são incríveis e assustadoras. O Fauno, apesar de ser um aliado de Ofélia, tem rompantes de raiva que deixam no leitor a sensação de que existe algo que ainda não está muito claro. O Homem Pálido, um monstro que Ofélia precisa enfrentar para concluir uma tarefa, é assustador e dono de um dos momentos mais tensos da história. Bem como o sapo e a tarefa final, que envolve um julgamento moral e mortal.

No fim, cabe ao leitor decidir se o labirinto, o Fauno, o reino da princesa, se tudo aquilo realmente existe, ou se é a mente de Ofélia que cria um mundo que serve de fuga para o sofrimento que ela enfrenta. No livro, bem como no filme, não existem pistas, não existem mudanças de tons, de fotografia, de cores, nada que indique que a fantasia é uma fantasia diferente da realidade. No livro e no filme, tudo é a mesma coisa, e a decisão de acreditar ou não acreditar, fica inteiramente a cargo da fé de quem leu ou de quem assistiu.

Se quer saber minha opinião, sim, eu acredito que o Fauno existe e que a aventura que Ofélia vive para concretizar as três tarefas é verdadeira. Muitos dizem que essa é a escolha fácil, a escolha para fugir do final que choca, que demonstra a crueldade e a injustiça do mundo verdadeiro, mas é a minha escolha. Sim, o final é forte. Tão forte que o filme começa por ele, para preparar quem está vendo para o que está por vir. E depois, no filme, há um corte e a história começa, mas com a platéia ciente de como irá terminar. Isso não acontece no livro. Quem for ler sem ver o filme, terá um choque bem maior.

E em minha defesa, existe um pequeno detalhe na história que corrobora minha escolha. E, sem qualquer spoiler, posso dizer qual é. Tudo o que Ofélia faz para realizar as tarefas, pode ser contestado como real, porque apenas ela presencia, mais ninguém. Não existem testemunhas de que é real, apenas a menina. Menos uma coisa. Quando ela vai para onde vive o Homem Pálido, ela precisa usar um giz especial que o Fauno lhe dá. Com esse giz, ela desenha uma porta em qualquer superfície, parede ou chão, e uma porta mágica se abre no formato que ela fez, para que ela possa atravessar. No fim do filme, Vidal prende Ofélia dentro de um quarto, sem ter como ela sair. Então ela usa o giz para criar uma porta e escapar. Se fosse tudo criação de sua imaginação, como ela poderia ter escapado do quarto? Essa é a minha certeza de que Ofélia é a princesa, que o Fauno existe. Leia, veja o filme e comprove o que estou dizendo.

O livro foi escrito por Cornelia Funke a pedido de Guilhermo del Toro, e a autora seguiu à risca todo o enredo, mas sem se basear no roteiro. Ela assistiu o filme diversas vezes e colocou no papel o que via e o que sentia. Ficou sensacional, porque ela conseguiu transformar em palavras todos os sentimentos. Mas ela foi mais longe. Ela criou dez histórias que expandem o passado de alguns personagens, através dos objetos que carregam ou de seus familiares. São dez pequenos capítulos alternados, que se tornaram indispensáveis.

Por fim, queria deixar algumas curiosidades sobre o filme, e se você ainda não assistiu, corra para ver, não irá se arrepender. E claro, não posso terminar sem elogiar a edição da Intrínseca, com capa dura, título em alto relevo e verniz, páginas com as laterais coloridas da mesma tonalidade da capa, miolo de papel de qualidade com adereços e várias gravuras, uma obra de arte, tanto por fora, como por dentro.

NOVE CURIOSIDADES DE O LABIRINTO DO FAUNO

UM: Após uma viagem de táxi em Londres, ao sair, Guilhermo del Toro esqueceu os esboços e notas de roteiro do filme, que estava escrevendo há quatro anos. Para sua sorte, o motorista percebeu que eles eram papéis muito importantes e conseguiu entrar em contato com o autor para devolvê-los;

DOIS: A atriz Ivana Baquero acabou sendo Ofélia quase por pura coincidência do destino. O papel foi escrito para que uma menina de oito anos o interpretasse, mas depois que del Toro assistiu à audição de Baquero (que na época já tinha 10 anos), ficou impressionado. Para que ela se encaixasse no papel, o diretor fez uma mudança na idade da protagonista para que, com 11 anos, a atriz mirim conseguisse representar Ofélia melhor do que ninguém por causa de seu talento incrível;

TRÊS: Apesar da grande quantidade de ofertas de milhões de dólares em Hollywood e a pressão para que o filme fosse feito com produtores norte-americanos, Guillermo del Toro se manteve firme e se recusou a fazer o filme em inglês, porque se recusava a adaptar o roteiro às necessidades do mercado;

QUATRO: Guilhermo del Toro sempre se descreveu como uma pessoa católica não-praticante, mas isso não fez com que o tema catolicismo tivesse ficado de fora de seus trabalhos. No filme, e no livro, o Homem Pálido, aquela criatura desagradável que tenta comer a menina, de acordo com o diretor, representa a Igreja;

CINCO: O Fauno e Homem Pálido são interpretados pelo mesmo ator, Doug Jones. Ele, além de ser ator, é também um contorcionista, e é por isso que ele é capaz de fazer inúmeros movimentos estranhos e surpreendentes com seu corpo;

SEIS: Sergi López, o ator que faz de Vidal, é um comediante da televisão espanhola. Muitos disseram para del Toro que ele não conseguiria imprimir a seriedade e a maldade do personagem, mas estavam enganados. López surpreendeu a todos, menos a del Toro, com uma atuação espetacular, criando um vilão psicopata, contido, frio, calculista, que tem rompantes de violência, sem gestos exagerados, mas contidos, o que lhe dá um ar mais perigoso ainda;

SETE: A cena em que o capitão Vidal mata um homem a garrafadas, foi inspirada em uma experiência pessoal do diretor. Aparentemente, del Toro e um amigo entraram em uma briga de rua em que o amigo começou a dar golpes com uma garrafa de vidro que não quebrou, o que lhe causou mais danos à face;

OITO: Todas as criaturas e cenários do filme são reais, ou seja, nada foi feito com computação gráfica, nem sequer as pernas do Fauno ou uma planta que se move, que Ofélia utiliza para tentar melhorar a saúde da mãe;

NOVE: O filme ganhou três Oscar: Melhor Direção de Arte, Melhor Fotografia, Melhor Maquiagem; entre outros 64 prêmios.


AVALIAÇAO:


AUTORA: Cornelia FUNKE e Guilhermo del TORO
TRADUÇAO: Bruna BEBER
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇAO: 2019
PÁGINAS: 320


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