João Guimarães Rosa é um dos maiores escritores brasileiros de sempre, e isso com apenas um romance escrito. Todas as outras publicações do autor, são contos, poesias e novelas. Nascido em Cordisburgo, interior de Minas Gerais, em 1908, formou-se em medicina, atuou como médico voluntário na Revolução Constitucionalista de 1932, foi cônsul em Hamburgo, na Alemanha, Itamaraty e embaixador. Era um apaixonado pelos idiomas, aprendeu alemão, francês, inglês, espanhol, italiano e esperanto. Não apenas para ler e conversar, mas se aprofundar na gramática.
Aos 21 anos, publicou seus primeiros contos na revista O Cruzeiro. Em 1946, publicou seu primeiro livro, a coletânea de contos Sagarana, e chamou a atenção da crítica pelas inovações técnicas e riqueza de simbologias. Entretanto, apenas em 1952, Guimarães Rosa se aventurou em uma viagem que seria o primeiro passo para a criação de sua maior obra: 240 quilômetros no sertão mineiro, dez dias, conduzindo uma boiada. Na jornada, ele anotou expressões, casos, histórias, com o intuito de recriar o sertão da forma mais fiel possível. O resultado foi GRANDE SERTÃO: VEREDAS, publicado 4 anos mais tarde, e tido como um dos mais importantes textos da literatura brasileira de todos os tempos.
Ler GRANDE SERTÃO: VEREDAS não é uma tarefa fácil. A narrativa não linear utiliza uma linguagem igual à do sertão da época, rebuscada, cheia de palavras incomuns à nossa realidade atual, não é fácil a leitura, é necessário atenção, paciência, muitas vezes reler mais de uma vez a mesma página, em um total de mais de seiscentas. Mas caso você se anime e concretize a façanha, a recompensa será uma das histórias mais bonitas que terá lido.
Antes de escrever sobre o conteúdo, quero alertar você que embora GRANDE SERTÃO: VEREDAS seja um retrato fiel dessa região na época do autor, a importância da obra não se resume a essa fidelidade e nem à forma da linguagem, mas principalmente devido ao romance dos dois personagens principais. E aqui vale um segundo alerta, este texto conterá spoilers, porque não resisto a escrever sobre a história sem mencionar o quão incrível é um autor do meio do século passado, inserir um amor inicialmente homossexual que se revelou algo surpreendente nas últimas páginas.
GRANDE SERTÃO: VEREDAS é narrado em primeira pessoa por Riobaldo, que conta a história de sua vida, de forma não-linear, a um interlocutor desconhecido, a quem ele chama de “Senhor“, “Moço” ou “Doutor“. Depois da morte da mãe, Riobaldo vai morar na fazendo do padrinho, quando recebe instrução escolar básica. Nessa época, ele tem o primeiro contato com os jagunços de Joca Ramiro, a quem o padrinho oferece pouso por alguns dias. Riobaldo fica extasiado com a forma como o bando vive.
Nessa mesma época, Riobaldo encontra um menino às margens do rio, com quem cria uma rápida amizade. Se separam no mesmo dia, mas a coragem e a presença do garoto, marcam Riobaldo de alguma forma que ele não compreende. Esse encontro é uma passagem curta, mas é o cerne de toda a obra. Pouco tempo depois, quando descobre que o padrinho é na verdade seu pai, Riobaldo foge e se refugia na cidade de Curralinho, onde conhece Zé Bebelo, um homem que anseia por se eleger deputado e pacificar o sertão. Para isso, empreende jornadas de ataque a jagunços, das quais Riobaldo passa a fazer parte.
Mas Riobaldo percebe que esse não é o seu lugar, que está do lado errado. Deserta do grupo de Zé Bebelo e vai para o lado oposto, entra para o bando de Joca Ramiro, quando conhece, ou melhor, reconhece um dos jagunços como sendo o garoto que conheceu anos antes, à margem do rio, e que é chamado de Diadorim. Os dois fortalecem a amizade, e Diadorim introduz Riobaldo ao grupo e à vida nas veredas do sertão.
Diadorim era o mais valente e o mais mortal jagunço do bando de Joca Ramiro. Era sério, não se deitava com mulher nenhuma, destemido, calado, feições finas e delicadas. Ele exercia um fascínio em Riobaldo que o mesmo não conseguia compreender, colocam ambos no limite entre a amizade e o relacionamento afetivo de um casal.
Mas eu gostava dele, dia mais dia, mais gostava. Digo o senhor: como um feitiço? Isso. Feito coisa-feita. Era ele estar perto de mim, e nada me faltava. Era ele fechar a cara e estar tristonho, e eu perdia meu sossego.
A partir desse ponto, a narrativa de GRANDE SERTÃO: VEREDAS vai e volta no tempo, descreve batalhas no sertão entre o banco de Joca Ramiro e as forças de Zé Bebelo, e cria dois pontos focais: Diadorim e o pacto que Riobaldo faz com o diabo para conseguir derrotar o bando rival. Embora o pacto não seja confirmado como real, o comportamento e as ações de Riobaldo mudam. Entretanto, o resultado da batalha é dramático e trágico.
Diadorim é a essência da obra, é a ambiguidade presente em toda a narrativa. É a personificação do bem e do mal, do feminino e do masculino, da certeza e da dúvida. Não existe trecho mais importante, mais profundo, mais impactante, do que quando, no final da narrativa, após a última batalha, trazem o corpo sem vida de Diadorim para Riobaldo, e ao ser limpo para o funeral, revela ser o corpo de uma mulher. É o amor impossível. Ribaldo enterra Diadorim separado dos outros, numa vereda onde ninguém nunca o encontre, ninguém nunca o descubra. É o fim de Riobaldo como jagunço.
Tudo turbulindo. Esperei o que vinha dele. De um aceso, de mim eu sabia: o que compunha minha opinião era que eu, às loucas, gostasse de Diadorim, […] no fim de tanta exaltação, meu amor inchou, de empapar todas as folhagens, e eu ambicionando de pegar em Diadorim, carregar Diadorim nos meus braços, beijar, as muitas demais vezes, sempre.
GRANDE SERTÃO: VEREDAS já teve filme e teve minissérie, esta última mais famosa. Tony Ramos interpretou Riobaldo e Bruna Lombardi fez um perfeito Diadorim. É difícil descrever o impacto que a leitura dessa obra provoca. A força de sua narrativa, o drama vivido por Riobaldo e Diadorim, apaixonados, mas sempre separados. Riobaldo não esconde seus sentimentos, mas esconde suas ações, ele achava ser um amor homossexual, em uma época em que tal era considerado errado, e no meio de jagunços que matavam quem fosse. Uma obra atemporal, que demonstra o poder da nossa linguagem, o poder de nossa regionalidade, o poder que um sentimento tem na conclusão de duas vidas.
Abracei Diadorim, como as asas de todos os pássaros.
O romance gráfico publicado pela Quadrinhos na Cia, com adaptação do texto feita por Eloar Guazzelli e arte feita por Rodrigo Rosa, reproduz, através de imagens, praticamente todas as passagens da obra e mantém o texto fiel, com a mesma linguagem e forma. É uma excelente alternativa para quem não tem coragem de se aventurar no livro. As primeiras e últimas páginas da HQ, são belíssimas e representam perfeitamente os sentimentos dos personagens. É uma edição imperdível, não se atreva a deixar passar 😉
AUTOR: João Guimarães ROSA
ILUSTRADOR: Rodrigo ROSA
EDITORA: Quadrinhos na Cia
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 184
COMPRAR: Amazon
Eu já vi a minissérie há um tempão na tv e claro que na época foi um marco na vida de todos! Uma obra singular, com toda certeza do mundo.
Eu admito que não fazia ideia do quadrinho, mas fiquei subindo e descendo a tela do pc só para ver as ilustrações e que coisa mais rica!
Já vai pra listinha das mais desejadas Gn’s do momento!!!
beijo
Eu nunca vi a série, só alguns pedaços no youtube. Mas ela parece magnífica!
Eu tive esse livro como leitura obrigatória no ensino médio, como se deve imaginar… não consegui terminar. Desde então nunca tentei continuar, foi cansativo para uma adolescente e só de imaginar reler sinto uma dorzinha de cabeça. A proposta gráfica me parece atraente e talvez mais convidativa, pelas imagens as ilustrações me parecem muito bonitas e visualmente chamativas.
A leitura não é fácil, não mesmo. É mais um caso de estudo. Mas a história é linda demais!