A narrativa segue uma divindade das flores que lançou uma maldição sobre si mesma: passará por vários ciclos de reencarnação, desprovida de memórias. Uma visita de outros tempos à sua floresta desencadeia um sacrifício fora de época por parte do reino vizinho, e agora a divindade precisa decidir o que fazer com essa princesinha feroz que os humanos lhe deram.

O tal reino vizinho tem por crença que é preciso realizar um sacrifício para a divindade da floresta. A cada geração, uma garota é levada ao centro da mata e morta como oferenda. Ainda não é época, mas como o reino está em guerra, os sacerdotes resolvem realizar o ritual antes da época, com esperança de que isso traga a graça da divindade e consigam vencer as batalhas.

Nume, a divindade, não tem memórias do ciclo passado, quando habitou o corpo da última garota oferecida como receptáculo. Seus guardiões, um gigantesco lobo chamado Inoshishi, e Rufu, um grifo, uma criatura metade águia e metade leão, estranham a entrada precoce dos humanos com a oferenda. Inoshishi vai na frente investigar, mas não retorna. Ele é morto pela garota, que demonstra possuir habilidades de guerreira.

Rufu deseja vingar a morte do amigo, mas Nume não permite. Ela fica encantada com a pequena garota de cabelos negros. Ao invés de matá-la, Nume começa um lento processo de conquista, enquanto tenta compreender o quê a encanta naquela criatura aparentemente tão frágil, mas mortal. Até que se descobre apaixonada.

A DAMA DA MATA é um romance sáfico que desperta no leitor diversos sentimentos conflitantes. Nume, sem qualquer dúvida, é uma personagem apaixonante. Embora seja uma deusa, um ser imortal de enorme poder, ela coloca tudo de lado para tentar conquistar Yasha, a garota deixada como oferenda para ser o seu novo receptáculo. Nume tem o direito e o poder para obrigar Yasha a fazer o que deseja, mas ela não quer. Nume deseja que Yasha corresponda aos seus sentimentos, que ela deseje ficar ao seu lado, viver na floresta de livre vontade. Sem qualque surpresa, no início, Yasha só tem pensamentos para se manter viva e voltar ao reino, ela não confia em Nume.

Nume, da mesma forma que Yasha, é uma garota de aparência frágil, que vive no meio de uma floresta coberta de neve, apenas com um fino vestido, sem sentir qualquer frio. Nume é a própria floresta, é a natureza. E ela passaria por uma garota normal, se não fosse por um dos olhos, que brilha e possui a dimensão do universo. E seu amor por Yasha avança para se tornar tão infinito quanto este último. Por isso, quando um príncipe vem em resgate de Yasha, ela abre mão de seu direito e a deixa partir, com a condição de que retorne na mesma época a cada ano e passe uma temporada na companhia de Nume.

Yasha não era uma garota normal mesmo antes de ser oferecida a Nume. Ela era a princesa consorte de seu reino. Ela sempre teve um espírito de guerreira, de líder, e ela retoma sua posição quando retorna ao reino na companhia do príncipe. A cada ano, quando não está na floresta por obrigação do pacto com Nume, ela trava batalhas e vence todas, transformando seu reino em uma potência. Essa força não vem apenas dela, mas do poder que Nume deposita nela como forma de amor e de proteção. Só que Yasha nunca desejou Nume, ela sempre retornava à floresta contra sua real vontade. Com o passar dos anos, Yasha consegue aceitar Nume como uma presença constante, mas o amor que ela recebe da divindade, não é correspondido na mesma quantidade ou intensidade.

Rufu, o grifo, depois de Nume, é o personagem mais cativante. Sua lealdade e seu amor a Nume é comovente. Ele faria qualquer coisa pela divindade, sua obediência é total, incondicional. Ele não aprova os sentimentos de sua deusa para com a mortal, e pressente o perigo e a tragédia que podem se aproximar, mas mesmo assim ele se mantém obediente e pronto para se sacrificar se necessário. Os diálogos dos dois são o melhor da história, sempre profundos, sempre carregados de sentimentos e dedicação. Quase poesia.

A DAMA DA MATA tem uma conclusão óbvia, mas não escrevo isso de forma pejorativa. Não há surpresas no final, porque esse final é preparado ao longo da narrativa. Conforme Yasha envelhece e se transforma na maior e mais temida guerreira de todos os reinos, o amor de Nume cresce na mesma proporção, mesmo sem correspondência. Mas uma deusa imortal e onipotente, sem memórias dos ciclos anteriores, e por isso mesmo, ingênua, em algum momento toma consciência de quem é e do que abriu mão. E uma garota guerreira, em algum momento, abaixa suas defesas e permite que um sentimento tão puro quanto o amor possa entrar. O que o leitor precisa descobrir é se não é tarde demais. Para uma ou para ambas.

Eu conheci A DAMA DA MATA no FIQ (Festival Internacional de Quadrinhos) e é uma produção independente. A edição é em capa dura, de luxo, com ilustrações de Nume e de Yasha, tudo muito bem feito, papel de gramatura alta, desenhos lindíssimos, que transmitem toda a profundidade e beleza das personagens. Foi uma leitura surpreendente, de grande qualidade, e se tornou um dos meus livros favoritos. Se puder, leia. Confie!


AVALIAÇÃO:


AUTORA: Iracema Fook
PUBLICAÇÃO: 2022
PÁGINAS: 228

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