A França, em 2010, foi o primeiro país a retirar a transexualidade, gênero oposto ao designado no nascimento, da lista de transtornos mentais. Em 2013, a OMS fez o mesmo. Ou seja, se não é uma doença agora, nunca foi uma doença. Na obra de Gauthier, Justine, a personagem principal, é um garoto que nasceu no corpo de uma garota, só que em 1983, quando a transexualidade ainda era considerada uma doença.
Os desenhos da autora são todos em preto e branco, sem tons intermediários, com traços simples, sem muitos detalhes ou cenários de fundo além dos necessários para estabelecer a localização. O roteiro é enxuto, não dá voltas e nem se estende além da mensagem principal. Na verdade, ele é tão direto, que, por vezes, pode assustar nos diálogos dos personagens. Acredito que essa tenha sido a intenção de Gauthier: chocar, dar uma pequena sacudida no leitor, para ele prestar atenção naquilo que a história quer dizer.
Justine recebe os apelidos comuns a quem passa pela mesma situação: maria-homem, sapatão. Ela sofre bullyng na escola, não é compreendida pela mãe, que se recusa a vê-la como menino, e chega a frequentar psicólogos, cujas opiniões apontam para distúrbios de identidade. Conforme cresce, passa pelas fases de tentar se fingir mulher para agradar a família, a sociedade e tentar sofrer menos. Mas o sofrimento aumenta, então ela abraça sua real condição masculina, até que encontra quem lhe explicar o que realmente ela é.
A HQ explica todas as fases que uma pessoa pode enfrentar na mesma situação, inclusive explica a existência de tratamentos hormonais e a cirurgia de reatribuição sexual, que não é uma mudança de sexo, mas uma correção do corpo. É assim que Justine passa a ser Justin, como deveria ter sido desde o seu nascimento.
Gauthier não quer sensibilizar com JUSTIN, ela quer informar, ela quer comunicar ao leitor o que pessoas transexuais podem enfrentar até conseguirem um pouco de aceitação e felicidade. O preconceito, não apenas da sociedade, mas também da família, são os entraves mais difíceis de serem quebrados. Justin passa quase toda a sua vida em busca dessa felicidade, sozinho. Hoje em dia, isso não é mais necessário. Recentemente, passou uma novela que tratava desse mesmo assunto, o que ajudou muitas pessoas na mesma situação a serem aceitas pelas famílias e amigos, ou a terem coragem para se auto-afirmarem, para se darem a conhecer pelo gênero que elas realmente são, e não pelo que o corpo dita.
Uma curiosidade que achei engraçada, é que Justin tinha como referência masculina, Cary Grant, um ator que realmente foi símbolo de homem modelo nas décadas de 1940 a 1960. Entretanto, ele era homossexual não assumido e teve um caso com Randolph Scott, outro famoso ator da época, com quem viveu por mais de doze anos.
JUSTIN é uma HQ que narra uma história baseada em experiências reais da própria Gauthier. Mais do que bonita, a informação que transmite é necessária nos dias de hoje, principalmente para crianças e jovens que podem, ou não, vivenciarem as mesmas dificuldades, ou possuírem perguntas que não têm coragem de fazer. É o tipo de gibi que deveria ser distribuído nas escolas, ou passado de mão em mão, para disseminar o máximo possível tudo o que ele ensina.
AVALIAÇÃO:
AUTOR: Gauthier
TRADUÇÃO: Fernando SCHEIBE
EDITORA: Nemo
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 104
COMPRAR: Amazon
Juntou duas coisas que amo: temática lgbt e quadrinhos. Aaaaaa, quero!! Amo a representatividade, é tão bonito. Causar consciência é muito importante, ainda mais em tempos tortuosos como os atuais. Amei o gráfico simples e fofo ♡
Simples, mas o suficiente para entregar a mensagem 😉
Já tinha ouvido falar dessa HQ em um ig que fala de temas LGBT, e gostei muito de ter conhecido um pouco dessa história. Como você mesmo disse na resenha as pessoas precisam conhecer o quê muitos jovens passam pra tentarem ser quem realmente são. E como a mudança de gênero não é uma doença acho que não cabe a ninguém tentar julgar. Bela resenha!
Educação, independentemente do tema, sempre é importante. Pena que muitos acham que não…
Com traços simples porém intensos Gauthier em uma conversa com o leitor sobre a transexualidade.
Justine vai se descobrindo/aceitando Justin aos poucos vencendo a si própria (o) e ao preconceito.
Uma história tocante que todos deveriam ler.
Concordo, todos deveriam de ler. Principalmente uma turma que andou votando errado…
Olá! Super concordo que este é um livro que deveria estar presente nas salas de leitura de todas as escolas, (e como trabalho em uma, já vou dar a dica para a professora responsável lá na minha), acredito que essa linguagem mais direta e simples, acaba atraindo esse público mais jovem, e proporciona que eles possam discutir e refletir sobre esses temas.
Sim, com certeza. Infelizmente nem todos pensam assim…
Mesmo que não seja um gênero que eu entenda, namoro esta Hq desde que a vi pela primeira vez!
Sou maluca por ilustrações e pelo que vi, a autora caprichou nos traços e formas desta. Um tema tão forte e pesado ainda,infelizmente, mas que é tratado não com delicadeza ou proteção,mas com realidade.
Acredito que nunca faremos ideia do quanto pessoas assim, sofrem. Ver, ouvir, ler nunca chegará perto do verdadeiro drama que é enfrentar todo o preconceito e julgamento alheio!
O livro já está na lista de desejados.
Beijo
Que bom que colocou na lista, não deixe de conferir 😉
Que lindo! Eu não sou o maior fã de história de quadrinhos, não acompanho fielmente, mas curto. Justin é uma história que vou correr muito atrás para ter em minha estante. Eu achei incrível a abordagem de um assunto tão atual e dos detalhes sobre fases, hormônios e cirurgia. Não sabia da curiosidade sobre a França ser o primeiro país a determinar que a transsexualidade não é doença. A M E I!
Vai amar ainda mais a leitura 😉
Caramba!!
Esse HQ realmente precisa ser inserido na vida de muitas pessoas, pois pelo que entendi ele explica de maneira direta e com a ajuda dos desenhos( que inclusive achei bem bonitos), que ser transgênero não é e nunca foi uma doença é que apenas mentes doentias e preconceituosas interpreta como tal.
Sim, realmente quem é doente é quem tem esse preconceito