Derek é um ex-jogador de hóquei no gelo que vive em uma pequena cidade decadente do interior dos EUA. Devido a um ato de extrema violência durante uma partida, ele foi expulso da liga e agora trabalha como cozinheiro e mora de favor em um quarto nos fundos do estádio onde costumava jogar na adolescência. Tudo isso só agravou seu temperamento. Vive bêbado e em brigas. Até que Bethy, sua irmã mais nova, retorna para a cidade, depois de sofrer uma agressão do namorado. E outro agravante: ela é viciada em drogas. Como se fosse pouco, o tal ex-namorado resolve vir atrás para recuperar o que pensa ser posse dele: Bethy.

NADA A PERDER, o título da HQ, representa bem o sentimento que permeia a cabeça de Derek por toda a história, menos nas páginas finais. Ele e a irmã perderam a mãe bastante jovens, o pai saiu de casa e Derek, para seguir a carreira de jogador, abandonou a irmã à própria sorte quando ela só tinha treze anos. Ela fugiu da cidade e passou por todo o tipo de provações que alguém nas mesmas condições poderia passar. Como você pode reparar, é uma narrativa pesada, que navega por assuntos sérios, como abuso, estupro, drogas, e vai até os piores sentimentos que o ser humano tem, como indiferença, egoísmo, inveja, vingança, entre outros.

Jeff Lemire, o autor, não tem medo e nem pressa em apresentar os acontecimentos. Ele vai colocando todas as peças com cautela, com antecedência, expondo tudo de forma direta e crua, para que o leitor consiga montar a sequência do que está por vir. E, por isso mesmo, cria uma expectativa absurda. Nós sabemos o quanto Derek é violento, sabemos o que Bethy sofreu e como ela apanhou do namorado, sabemos que esse namorado está na cidade à procura dela, e sabemos que o encontro dos três é inevitável.

Tudo em NADA A PERDER é frio e distante. A paisagem é coberta por neve. Os sentimentos dos personagens ficam escondidos atrás de expressões duras, congeladas como o chão onde pisam. Os desenhos são de curvas retas e grosseiras, pintados com uma única cor, azul, em quase todas as páginas. As únicas partes onde outras cores aparecem, são nas lembranças dos personagens de coisas que eles viveram. Ah, e também quando há violência. E isso também é um tipo de violência.

Sempre que Derek briga, o vermelho corta a predominância do azul. O vermelho é a ira, o perigo, a morte. Nas brigas de Derek, o vermelho é o sangue em suas mãos; ou é a morte, quando o vermelho aparece no acidente da mãe dos dois; ou é a ameaça, quando o vermelho aparece na cor da camisa do namorado de Bethy. Em todos os casos, o vermelho é a tragédia do que aconteceu, a inevitabilidade do que acontece e o prenúncio do que irá acontecer.

Mas não pense você que sabe o final desta história. Sim, ela parece que já tem um final escrito. Mas, apesar da dureza de sentimentos de Derek, ele ama a irmã. E você sabe que o amor é um dos sentimentos que podem mudar uma pessoa? Às vezes, para alguém se tornar melhor, para reconhecer seus erros, para se arrepender desses erros e para tomar uma decisão que coloca em risco sua própria segurança, basta ele encontrar alguém que ame. E não precisa ser o amor entre um homem e uma mulher. Basta ser o amor por uma irmã, por exemplo.

NADA A PERDER é uma história simples de perdão, de superação, de absolvição. Mas ela entrega um final que surpreende pela forma que uma pessoa pode renegar todos os sentimentos ruins que possui para conseguir dar uma chance de vida para quem ama. Imperdível!


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Jeff LEMIRE
TRADUÇÃO: Jim ANOTSU
EDITORA: Nemo
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 272


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