Janie e Micah, Micah e Janie. Desde os primeiros anos da escola. Almas gêmeas em segredo. Melhores amigos que passavam as tardes na pedreira da cidadezinha onde cresceram juntos, a mais profunda de Iowa. Até que Janie desaparece, e tudo o que Micah pensava que sabia sobre sua melhor amiga é borrado de dúvida. Até que Micah acorda no hospital, e não se lembra de nada. Mas para montar o quebra-cabeça do desaparecimento de Janie e entender seu apocalipse particular, Micah Carter precisa recuperar suas lembranças, inclusive as mais difíceis, numa jornada devastadora.

Como está na sinopse, Jamie e Micah são melhores amigos desde de sempre. No colégio, não se falam, mas fora dele, não se separam. O lugar de refúgio dos dois, é uma pedreira com um profundo lago no meio. Nessa pedreira, eles deram o nome de Metáfora a um enorme monte de pedras brancas. Jamie sempre carrega algumas com ela. Ela, vez ou outra, tenta subir nesse monte, mas nunca consegue, escorrega e cai. Mesmo quando o monte começa a diminuir pelo uso das pedras. Então, sim, Metáfora é o nome correto, uma vez que ele representa a vida dos dois jovens, que eles tentam vencer, mas sempre escorregam e voltam ao início.

Há uma festa, uma fogueira, um incêndio e Micah acorda no hospital sem saber como e por que foi parar lá. Através de capítulos alternados entre Micah (que narra o presente) e Jamie (que narra o passado), o leitor é levado a desvendar o que aconteceu e o motivo de Micah perder a memória. Separando cada capítulo, existem trechos do diário de Jamie, que escreve seu drama em forma de contos de fada modificados à sua realidade. Esses contos são profundamente tristes e vão ficando mais dramáticos à medida que a trama se aproxima de sua conclusão.

Toda a narrativa de Micah é confusa, dúbia, o leitor nunca tem certeza se ele está contando o que de fato aconteceu, porque a memória dele está totalmente quebrada. Ele tem devaneios, enxerga pessoas em locais que elas já estiveram, mas não estão mais; conversa com outras que não estão presentes; tem desmaios e surtos de ansiedade e vertigem. Ao seu lado, está sempre o amigo gay, Dewey, que tenta a todo custo mantê-lo inteiro.

Então, a autora, de forma muito inteligente e competente, coloca a narrativa de Jamie, mesmo sendo no passado, para colar os pedaços quebrados da memória de Micah. É através da menina que vamos compreender o que está a acontecer e como tudo se encaixa com os lampejos do amigo no presente. Essa forma de contar a história funciona de forma tão perfeita, que consegue criar no leitor uma aproximação natural com os dois personagens, faz o leitor acreditar no que eles sentem um pelo outro e no drama em que eles se meteram.

Jamie e Micah não são apenas amigos. Isso fica claro logo nas primeiras páginas, quando um descreve o outro, cada qual em sua narrativa. Eles estão apaixonados. O que impede que fiquem juntos, é a certeza de Jamie de que Micah será sempre dela, e por isso ela quer aproveitar outras experiências, com outros garotos, antes de se entregar totalmente ao seu amor. Ela tem total confiança de que Micah irá esperar.

Mas Micah é um garoto, e garotos não sabem esperar e nem sabem compreender a forma como as garotas pensam. Para ele, Jamie é um mistério que ele é incapaz de desvendar. Aos poucos, ele começa a ficar cansado de não conseguir distinguir o que ela pensa, o porquê das coisas que ela faz e o motivo dela começar a namorar Ander, o atleta da sala.

Em certo trecho da narrativa de Jamie, ela é bastante clara ao dizer que Ander não é uma paixão, não é um amor, ele é como um doce que você quer saborear, mas que você sabe que será esquecido assim que essa vontade passar. Ela não se importa por ele fingir ter sentimentos por ela, uma vez que ela também finge o mesmo por ele. Jamie só quer ter seu momento de prazer com alguém sem qualquer compromisso, antes de criar um compromisso com quem ela realmente ama.

Mas na sua ingenuidade, na sua indiferença quanto ao que Ander não sente, ela se esquece, ou não sabe, que ele não é Micah, que Ander não irá ter a mesma paciência, não irá se sujeitar aos mesmo jogos que ela faz com Micah. E dessa ignorância, vem o estopim para explodir e demolir a vida de todos.

O FIM DO MUNDO É AQUI traz os mesmos temas de outras dezenas de obras, mas mais especificamente de OS 13 PORQUÊS. Como Amy Zhang escreveu esta história quase dez anos depois de Jay Asher, é difícil não enxergar o quanto ela adapta situações semelhantes. Entretanto, existe uma diferença crucial que se destaca na obra de Zhang: ela é uma autora experiente, que escreve com uma profundidade e carrega uma intensidade de emoções nas palavras, construindo parágrafos cortados, com frases em formato de escada, que fazem o coração do leitor pular de ansiedade e se despedaçar a cada situação que Jamie e Micah são obrigados a enfrentar. A carga emocional empregada no livro, desgasta o leitor de uma forma extenuante. Quando cheguei ao fim da leitura, eu me senti abalado.

Jamie e Micah são apaixonantes, são tristes, são únicos como personagens, eles se completam de forma convincente, e, por isso mesmo, conseguem afetar o leitor de maneira profunda. A história dos dois deixa claro que existe um problema sério no estilo de vida dos jovens americanos, mas também deixa uma marca na memória de quem lê, de forma que você irá guardar este livro entre aqueles mais bonitos que possui na estante, mas também entre os mais tristes.

ALERTA: Este livro aborda temas como assédio, agressão sexual, uso de drogas, suicídio e bullying. Se você estiver deprimido ou passando por algum desses problemas, talvez este livro não deva ser lido por você neste momento, deixe para ler mais tarde.


AUTORA: Amy ZHANG
TRADUÇÃO: Sofia SOTER
EDITORA: Rocco
PUBLICAÇÃO: 2018
PÁGINAS: 272


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