Sandra é mãe do pequeno David e casada com Carl. Seria uma família perfeita, se existisse perfeição. Carl é um homem extremamente controlador, embora ele se chame de protetor, e Sandra está se recuperando de uma fase difícil com drogas e bebidas. Carl justifica seu controle pelos comportamentos de Sandra, e Sandra não consegue respirar, uma vez que tudo o que ela faz e diz é controlada por Carl.

Sandra decide dar um basta, pega David e vai embora. Mas Carl a convence a levar o carro que ele comprou para ela, o Monolith. É o mais avançado veículo comercial que existe, à prova de balas, à prova de arrombamentos, com uma inteligência artificial que faz o mesmo que David, controla tudo o que existe no carro. Assim, Sandra para em direção à casa da irmã, um lugar onde terá paz e liberdade junto de David.

No trajeto, ela decide levar David para conhecer as montanhas próximas, mas atropela acidentalmente um cervo, que fica agarrado no parachoque do carro e impede que o carro ande sem arrastar o animal. Sandra sai do carro e tenta tirar o animal, não consegue, e acaba deixando cair o celular, que controla tudo no carro, por uma ribanceira. E a porta do carro está fechada. E ela só abre pelo celular. E David está dentro do carro. E ela não consegue entrar. Isso desencadeia uma série de eventos que colocam em risco a vida de David e de Sandra.

MONOLITH é uma HQ que tem a arte fantástica de Lorenzo Ceccotti. Você pode ter uma ideia pelo site do artista, só acessar aqui. Os enquadramentos, os quadros, a mistura de traços diferentes, dependendo da condição psicológica da personagem, são realmente incríveis e muito inspirados. Destaque para a parte em que Sandra está envenenada por uma cobra, e a arte da HQ muda drasticamente, com traços menos realistas, para compor a confusão mental da personagem. E para a página dupla, nessa mesma parte, que demonstra o passar do tempo e a realidade de Sandra.

Também vale um destaque para a sensualidade discreta, sem ser abusiva, que ele desenha Sandra. As expressões de suas emoções, os gestos de desespero conforme a situação se torna cada vez mais fatal, os maneirismos de seus movimentos, como ela anda, tudo é muito bem desenhado e colorido. Eu mesmo passei pelas páginas várias e várias vezes, apenas para admirar a arte.

O roteiro é bem cinematográfico, e ele foi criado para ser um filme. Numa primeira tentativa, o autor não conseguiu, e levou a ideia para uma editora italiana de quadrinhos. Enquanto a HQ era produzida, apareceram novas propostas de produção para o cinema. Assim, MONOLITH teve uma produção para as duas mídias de forma paralela. Entretanto, o resultado é diferente, embora a essência seja mantida: uma mãe trava uma batalha contra um carro impenetrável para salvar a vida do filho que está preso dentro do veículo.

MONOLITH, a HQ, coloca em Sandra, a culpa de tudo o que de ruim acontece na história, como se fosse um castigo por ela sair de casa, abandonar Carl, não reconhecer todo o conforto, luxo e proteção que ele provê, mesmo que isso custe a liberdade de Sandra. Ela sai de casa, é perseguida por Carl, e quase bate em um caminhão. Mas a culpa é dela por não ter prestado atenção, apesar dela estar desesperada para fugir. Na estrada, ela finalmente se sente livre, ouve música com o filho, para em um posto, tem sexo casual com um motoqueiro, mas é demonstrado que ela é uma depravada, mesmo por fazer algo que todo homem faz sem culpa nenhuma. Ela atropela um animal, mesmo o carro identificando obstáculos e não avisar, mas a culpa é dela por tentar desativar o GPS para não ser seguida por Carl e não prestar atenção na estrada.

Sandra tem a opção de usar o celular para chamar por Carl, mas quando se recusa, ela tropeça e perde o celular, impedindo que consiga abrir a porta do carro. Sandra é picada por uma cobra, e enquanto luta contra o veneno, tem pesadelos onde Carl a culpa por todo o seu passado de dependência e destaca como ela é uma péssima mãe. Sandra encontra uma chave inglesa com que tenta quebrar o vidro do carro, mas a chave rebate e a acerta no rosto, passando a mensagem de que até o carro a culpa e quer que ela pague com dor e sofrimento. Nos momentos de inconsciência de Sandra, como quando ela está envenenada ou sofreu algum baque na cabeça, ela sonha ser estuprada por entidades assustadoras como forma de punição. Isso sem falar do final da HQ, onde em uma página vemos uma Sandra destruída, e na outra página um Carl sentado em uma mesa olhando as fotos da família.

A mensagem que eu recebi, é que Sandra é culpada por ser uma mulher que deseja liberdade, enquanto Carl é a vítima por não ser compreendido, por apenas querer a proteção da família, que deveria obedecê-lo e agradecer por tudo o que ele faz. Realmente não consigo receber essa mensagem de machismo estrutural e achar que é normal, ou que não é um gatilho para tantas pessoas que passam pelo mesmo problema e recebem o julgamento deturpado de uma sociedade ainda corrompida por preconceitos.

E essa minha percepção se confirmou quando assisti a MONOLITH, o filme. Nele, tudo o que relatei acima, foi removido. Sandra é uma mãe que está viajando com o filho para fugir da toxicidade do marido. E tudo o que acontece no percurso, é demonstrador ser consequências do acaso, não um castigo por Sandra ser mulher. Pelo contrário, no filme fica claro que ela é uma mulher forte, que ama o filho acima de sua vida, e que é capaz de enfrentar qualquer coisa, ou qualquer homem, para protegê-lo e para se proteger. Até o final é diferente, é mais dignificante para tudo que Sandra enfrenta para salvar David.

Ainda assim vale a pena comprar MONOLITH? Eu acho que sim. Vale pela arte e vale pela oportunidade de você formar a própria opinião. Só espere surgir alguma promoção para pegar um preço mais em conta.


AUTOR: Roberto RECCHIONI
ILUSTRADOR: Lorenzo CECCOTTI
TRADUÇÃO: Júlio SCHNEIDER
EDITORA: Panini Comics
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 192


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