Jenny tem 35 anos, trabalha em uma conceituada revista on line feminina, namora um fotógrafo famoso, é filha de uma atriz de teatro, tem uma roda de amigos fiel e interessante, não tem problemas financeiros, uma vida praticamente perfeita. Só que não. A realidade é bem diferente. Bem como a da maioria das pessoas que usam as redes sociais, principalmente o Instagram, como forma de fugir de suas fragilidades, carências e frustrações. É disso que ADULTOS trata.
A vida de Jenny não poderia estar mais caótica. Ela sofre de dependência profunda das redes sociais. Não consegue ficar mais do que alguns minutos sem olhar o celular, sem verificar o número de curtidas que sua última foto conseguiu, quantos e quais comentários recebeu, se a maioria foi positiva ou negativa, se suas amigas comentaram, e principalmente se quem ela segue e admira curtiu e comentou. Seu namoro com Art, o fotógrafo, terminou. Sua melhor amiga, Kelly, não aguenta mais o seus surtos e se afasta. Sua mãe, Carmen, decidiu ir morar com ela. E para piorar tudo, Suzy, a fotógrafa que Jenny idolatra, é a mulher por quem Art a trocou. Mesmo assim, a maior preocupação de Jenny é em manter as aparências, em continuar postando fotos no Instagram, com descrições inteligentes e engraçadas, para que todos pensem que ela está ótima.
Obviamente, Jenny sofre de uma doença que está se tornando cada vez maior e mais perigosa. Jenny muitas vezes não consegue fazer uma postagem, porque simplesmente não consegue decidir o que poderia escrever e fotografar para conseguir mais aprovação. Ela tem medo de comentar uma foto de alguém que segue e ser julgada pelo comentário, então escreve, apaga, escreve, sempre com medo do retorno. Jenny escreve e-mails e deixa no rascunho, porque tem medo de enviar. E para todas essas inseguranças, ela busca na amiga, Kelly, um balanço, uma bússola que possa indicar o que ela deve fazer. Claro que um comportamento desses, doentio, sobrecarrega qualquer amizade.
Esse é o problema de Jenny que o leitor recebe no início da leitura, e eu mesmo pensei que o livro todo seria sobre isso. Mas aos poucos, conforme a narrativa volta ao passado em capítulos alternados, quando Jenny divide certos acontecimentos importantes em sua vida e importantes nos relacionamentos que têm e que está perdendo, como o namoro com Art, a amizade de Kelly e a convivência com Carmen, sua mãe, o leitor descobre que a dependência das redes sociais é o menor dos problemas de Jenny.
Art é o exemplo do homem escroto, que precisa de uma namorada que sirva de mãe, e que aponta todos os defeitos que tem para a mulher com quem se relaciona, dando-lhe a culpa pelos fracassos e tornando-se uma vítima. É o macho padrão que é possível encontrar às toneladas em qualquer esquina. Conforme Jenny volta ao passado e deixa o leitor conhecer como conheceu Art e tudo o que aconteceu até a separação, a sensação que fica é a de nojo. Não tanto pelo que ele faz, mas principalmente pelo que ele não faz, por seu egoísmos e egocentrismo. Inclusive, existe um trecho da leitura em particular, quando Jenny está em um hospital, prestes a ser atendida por um determinado motivo, que Art toma uma decisão que revira o estômago.
Carmen, a mãe de Jenny, é aquela mulher inglesa dominadora, cheia de segurança, inclusive em seus defeitos, que tiraniza a filha com um carinho e uma dependência que ficam difíceis de separar. Essa relação não é propositalmente prejudicial, mas é o suficiente para infernizar a psiquê fraca de Jenny, torná-la ainda mais insegura e criando um sofrimento que pode ser impossível de superar, a não ser com muito tratamento. É difícil criar alguma antipatia por Carmen, ela apenas está sendo o que é, sem qualquer intenção danosa, mas é triste perceber como Jenny não consegue enfrentar a presença da mãe, até mesmo quando ela não faz nada.
Kelly é aquela amiga que se faz nas adversidades e que se torna inseparável. Anos atrás, Jenny salvou o filho de Kelly de uma possível tragédia, e isso as tornou melhores amigas. Mas os anos e a piora de Jenny ficou insuportável, Kelly precisa de umas férias. Essa separação cria o estopim necessário para que Jenny comece a repensar seus comportamentos, sua dependência, a pesar quem realmente é importante em sua vida e o quanto as coisas de que tem medo e insegurança, não são.
Quando chegar ao final de ADULTOS, o leitor não vai encontrar uma Jenny recuperada e curada, isso seria irreal. Mas vai encontrar uma Jenny que aprendeu a ver seus problemas e a lidar com eles. Uma mulher de 35 anos que conseguiu dar a volta por cima, a colocar as pessoas nos seus lugares, a enxergar o homem que amava da forma que ele realmente é, a não idolatrar pessoas que não são para idolatrar, e não depender de curtidas ou de comentários. Inclusive, o desfecho que a autora dá para a relação de Jenny e Art, é algo muito inteligente e de bom gosto. Jenny não tem um rompante de ódio, como eu mesmo esperava, mas uma conversa que faz juz ao título do livro, uma conversa de uma mulher adulta, segura, madura, dona de si, de suas emoções, de suas ações, de seus desejos. Perfeito.
Completando, para compreender Jenny e seus problemas, apenas quando se finaliza a leitura. E o desfecho de ADULTOS não chega a ser isso, um fim, mas uma mudança de fase, onde Jenny consegue chegar a um ponto de equilíbrio com sua mãe, com sua melhor amiga, e com relacionamentos amorosos. Mais até, ela consegue superar seu maior trauma, algo que só uma mulher consegue compreender e do qual não tenho qualquer lugar de fala, mas que deixo para você descobrir qual é durante a leitura.
Para finalizar, li várias resenhas de leitores que tiveram a coragem de admitir uma identificação com Jenny, reconhecer que sofrem do mesmo problema da personagem. Porque, sim, Jenny é o espelho de muitos donos de Instagram, que constroem toda uma realidade alternativa de felicidade, que não conseguem parar de olhar para o número de likes que recebem das fotos que postam, de lerem as reações aos comentários que escrevem, que sempre postam fotos produzidas, elegantes, com sorrisos largos, em locais bonitos, com lindas estantes, mas que por trás de tudo isso, são pessoas tristes, frustradas, que procuram na ilusão do que criam, uma forma de se sustentarem. E que dependem muito da aprovação de pessoas que não ligam, de verdade, a mínima para elas. É triste, são pessoas que precisam de ajuda, de tratamento. Mas, como Jenny, o primeiro passo é reconhecer o problema, para depois procurar ajuda.
ADULTOS não é apenas um livro inteligente, maduro, muito bem escrito, com personagens bem reais, com problemas sérios, mas é também um livro que joga na cara de muitos, os problemas que tentam esconder. E destaque para a capa incrível que a editora manteve do original, que demonstra exatamente como a persoagem é diante de sua vida. E aquele cachorrinho da capa, ele não existe na história, ou seja, sua presença tem uma sinbologia toda especial.
AUTORA: Emma Jane UNSWORTH
TRADUÇÃO: Ana RODRIGUES
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 400
COMPRAR: Amazon
Aquele tipo de livro que choca pois se torna um espelho.
Muitos se veem refletidos em Jenny
Carl!
Livros que tratam de problemas reais e tem uma personagem que tem manias que muitos podem ter, traz mesmo essa identificação e fico feliz em ver que ela amadureceu e melhorou.
cheirinhos
Rudy
Primeira resenha assim, completa que trata esse livro com o respeito que ele merece ter. Não, eu não o li. Mas li muitas resenhas de pessoas que até desistiram dela.
Eu penso que talvez seja esse se identificar. Quantos de nós vivem pelas redes sociais? Quantos carregam o peso da aceitação virtual?
Acredito que a nossa realidade seja bem isso no momento que vivemos.
E sim, é um livro que se tiver oportunidade, lerei!!!!
Beijo
Sim, muitas pessoas desistiram da leitura porque viram o reflexo delas na personagem, e esse reflexo não é bonito. Ao invés de reconhecerem e melhorarem, viraram a cara.