Adrian Tomine nasceu em 1974 e é nipo-americano de quarta geração. Seus pais, na infância, chegaram a morar em campos de internação de japoneses nos Estados Unidos, na Segunda Guerra Mundial. Eu escrevi sobre essa ação americana na resenha do livro O HOTEL NA ESQUINA DO TEMPO, que você pode ler aqui. Tomine é fã de quadrinhos desde criança, principalmente do Homem-Aranha, e é essa paixão que o direcionou toda a sua vida.

As obras mais conhecidas de Tomine são a série de revistas OPTIC NERVE, não publicadas no Brasil, e INTRUSOS, uma HQ que reúne várias histórias curtas e que lançou seu nome internacionalmente. A resenha dela, você pode ler aqui. Já A SOLIDÃO DE UM QUADRINHO SEM FIM não se trata de uma ficção, mas de uma HQ biográfica que compreende a vida de Tomine até os dias de hoje. Ou quase isso. Na verdade, a HQ reúne os momentos mais embaraçosos pelos quais Tomine passou desde criança na sua luta para se tornar um roteirista e desenhista conhecido e reconhecido, enquanto sua vida como adulto ia tomando a forma de uma família.

A narrativa começa com um episódio na infância, quando Tomine revela na sala de aula que seu sonho era se tornar um grande desenhista e cita nomes que apenas fãs da Marvel ou DC conhecem, o que dá início a um longo período de bullying e solidão. Na sequência, avançamos para a fase adulta, já com algumas histórias publicadas de forma independente ou por editoras alternativas, quando Tomine passa a participar de eventos de quadrinhos, como a Comic Con de San Diego, mas ninguém sabe quem ele é, ou então o confundem com outro desenhista. Coisa que se repete pelos anos seguintes, sempre frustrando seu desejo de ser reconhecido.

São partes constrangedoras da vida de Tomine, muitas partes. De início é bastante engraçado, mas conforme a história evolui, os anos passam, e as situações se repetem, sem que Tomine realmente evolua como pessoa, comecei a sentir um pouco de tristeza. Lembrei bastante da animação recente da Disney, SOUL, onde o personagem principal perde grande parte de sua vida em busca de um sonho que, no fim, não era capaz de o fazer feliz ou mesmo realizado. É basicamente o mesmo com Tomine. Ele persegue seu desejo de ser um desenhista famoso, não apenas como reconhecimento de sua arte, mas como forma de terminar com sua solidão e sua insegurança, que esquece de aproveitar aquilo que já tem.

A maioria dos diálogos da HQ são pensamentos de Tomine diante de situações vexatórias, descrevendo suas inseguranças e suas frustrações. Aos poucos é possível notar, principalmente mais para o fim, que não são pensamentos, mas uma forma do Tomine atual, aquele que desenha a HQ, falar com o Tomine do passado e apontar onde ele errou, o que ele deixou de fazer e as consequências dessas decisões ou falta de decisões. É como uma terapia, uma conversa sem um interlocutor real, para exorcizar os traumas.

O ponto de virada na vida de Tomine, como está na sinopse, é o aparecimento de algo que afeta sua saúde. Um susto que o leva a avaliar tudo o que já viveu, a pensar em sua esposa, em seus dois filhos, e perceber o quanto ele deixou passar por estar mais preocupado com o ego do que em dar valor ao que já havia conquistado e às pessoas que o rodeiam.

A SOLIDÃO DE UM QUADRINHO SEM FIM é uma catarse do autor, embalada em desenhos simples, apenas em preto e branco, sem tons de cinza, numa edição que imita um caderno pautado, muito criativa, luxuosa e simples ao mesmo tempo. Não é uma história com reviravoltas, mas é uma história com a importante mensagem de que devemos dar mais valor ao que temos do que ao que desejamos. Sonhos são importantes, mas não podem afetar, ou esconder, a felicidade que já possuímos.


AUTOR: Adrian TOMINE
ILUSTRADOR: Adrian TOMINE
TRADUÇÃO: Érico ASSIS
EDITORA: Nemo
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 168


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