David Ouimet é um músico norte-americano que faz, ou fez, parte de várias bandas, como Cop Shoot Cop, Motherhead Bug, Firewatere e Sulfur. Ele também é desenhista e criou desenhos para as capas de vários álbuns das bandas que integrava. Além disso, sua arte também foi exposta em um dos mais conceituados museus do mundo, o Museum of American Illustration de Nova York.

EU FICO EM SILÊNCIO é o primeiro trabalho literário de Ouimet. A obra é um livro ilustrado direcionado, em tese, para crianças. A história é sobre uma garota tímida e introvertida. Sem nome, ela se sente oprimida em um mundo que parece não compreendê-la, ou mesmo em dar-lhe chance de falar ou expressar sentimentos. Por conta disso, ela prefere ficar em um silêncio inconformado.

Sou diferente. Sou aquela nota que está fora do tom. Eu me fecho. Perco as cores.

O único momento de fuga da garota, quando ela consegue sentir alguma felicidade e um pouco de liberdade, é quando ela entra na biblioteca e lê um livro. É através da leitura que ela conhece o mundo, compreende a diferença entre as pessoas, as variedades de pensamentos e a pretensa função de cada pessoa em uma parte da vida.

A narrativa parece percorrer um dia normal na vida da garota. Ela acorda, sai de casa, atravessa a cidade, chega na escola, frequenta aulas, come no refeitório, visita a biblioteca, lê um pouco, solta a imaginação, volta para casa já à noite. E nesse percurso, enquanto é observada por algumas pessoas e ignorada pela maioria, ela divaga sobre sua decisão de não falar, mas com a certeza de que tem muito a dizer, e quando puder soltar sua voz, poderá mudar sua vida ou mesmo a vida dos outros.

Às vezes eu fico em silêncio. Quando eu falo, ninguém me entende. Então eu fico em silêncio.

A arte de Ouimet lembra realmente a capa de alguns álbuns de rock. Os personagens que compõem as páginas beiram a bizarrice, usando máscaras de animais, cabelos estranhos, ambientes opressivos e depressivos, escuros, no meio de um cenário industrial, muitas vezes alinhados e com expressões congeladas, como se hipnotizados. A garota se destaca na maioria das páginas, ou por estar no foco de algum facho de luz, ou por ter uma expressão facial diferente, ou mesmo por sustentar um olhar na direção oposta a de todos os outros. Não existe mistura de cores na mesma página, apenas de tonalidades, e quase todas são muito escuras, fortalecendo a escuridão que reside na vida da garota.

Apesar de toda a ambientação, que inclusive lembra bastante o filme PINK FLOYD – THE WALL, de 1982, com direção de Alan Parker, principalmente nas páginas onde a garota está na escola, com os alunos sempre muito alinhados, tanto nas salas como fora delas, lembrando um regime autoritarista, o final da história deixa a mensagem de superação, de que é possível, sim, superar uma opressão ou a incapacidade de se comunicar por conta de algum trauma. E essa semelhança nem é surpreendente, uma vez que o autor é músico.

Às vezes, quando fico em silêncio, eu leio. Quando leio, sei que existe um mundo inteiro debaixo dos meus ramos.

Neste ponto, acho que já consegui passar o motivo pelo qual escrevi lá em cima que o livro é direcionado para crianças apenas em tese. A história é simples, mas bastante carregada de significado, principalmente para quem passa por depressão ou alguma dificuldade emocional. A maioria das crianças não vai conseguir abstrair todo o significado da obra. Mas isso não é um problema, mas um feitio que torna o livro acima da média.

EU FICO EM SILÊNCIO parece ter sido escrito com o objetivo de ser lido diversas vezes, mas em diferentes períodos da vida. Na infância, o leitor pode acompanhar uma garota andando por ruas escuras e encontrando nos livros um pouco de luz e cor, incentivando a leitura. Na adolescência, o leitor pode encontrar uma mensagem de superação para bullying ou aquela sensação de que não somos compreendidos, de que tudo o que falamos, é mal interpretado ou não tem ouvidos interessados, que nossa expressão é oprimida pela incompreensão. Na fase adulta, o leitor encontra o reflexo de quem tem muito para dizer e fazer, aquela vontade de mudar o mundo, de fazer a diferença, de explodir em sentimentos e abraçar a vida após superar os piores obstáculos.

Quando eu for ouvida, vou construir cidades com as minhas palavras. Elas não serão silenciosas.

Assim, EU FICO EM SILÊNCIO é um livro de poucas mas profundas frases e grande desenhos, cujo significados mudam de acordo com a idade de quem lê, mas a mensagem final persiste, que é a de que somos pessoas diferentes, únicas, cheias de problemas e de soluções, que em algum momento podemos mudar tudo com nossa perseverança e vontade. É aquele livro para você ter na estante e ler de ano em ano. A cada vez, você irá encontrar uma história diferente.


AUTOR: David OUIMET
ILUSTRADOR: David OUIMET
TRADUÇÃO: Miguel DEL CASTILLO
EDITORA: Companhia das Letrinhas
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 56


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