Faz alguns meses que o mercado livreiro entrou em crise. São vários os motivos, mas acredito que o principal, seja a falta de capacidade das grandes livrarias em se adaptarem a um novo modelo de negócios, como aquele que a AMAZON realiza e que a transformou em uma das maiores vendedoras de livros do mundo.

Dois anos atrás, a SARAIVA ameaçou as editoras de boicotar seus livros, caso elas continuassem vendendo para a AMAZON. Como é óbvio, isso não funcionou. Pelo contrário. Então a SARAIVA passou a investir em promoções. Mas a cada promoção que fazia, a AMAZON igualava, ou suplantava. Essas são as regras do livre comércio, da competição, e quem ganha é o consumidor.

Em outra frente, a FNAC e a CULTURA bateram o pé e mantiveram os preços dos livros em alta, não fizeram promoções significativas, insistiram em uma forma de venda que não funciona mais. Com o tempo, arcaram com a má decisão. A FNAC vendeu seu estoque para a CULTURA e saiu do país. E mesmo recebendo uma injeção de produtos e dinheiro da FNAC, a CULTURA está praticamente à beira da falência.

Segundo o SPC, em um levantamento feito a pedido da revista ÉPOCA, a SARAIVA tem 312 protestos em andamento, que somam mais de 28 milhões de reais. Logo depois vem a FNAC, com 310 títulos em protesto e com um valor de 8 milhões de reais em dívidas. Por último, vem a CULTURA, com 634 títulos protestados e um total de 2 milhões de reais em débitos. As três livrarias estão com seus estoques defasados de lançamentos, uma vez que a maioria das editoras interrompeu as vendas, já que não recebiam pelo que já tinham vendido. Algumas outras editoras continuam a fornecer livros, numa tentativa de reverter a situação.

A ABRIL, uma editora que já foi a maior da américa latina, demitiu, semana passada, mais de 800 funcionários e encerrou as revistas Cosmopolitan, Elle, Boa Forma, Mundo Estranho, VIP, Viagem e Turismo, Arquitetura, Casa Cláudia, Minha Casa e Bebe.com. Isso era esperado de alguma forma, uma vez que a editora vem em decadência há muitos anos. Ela detinha o monopólio da publicação e venda de quadrinhos Disney, Marvel e DC, mas devido a más decisões, a uma insistência em uma forma de publicação e venda que não agradava a ninguém, principalmente ao público consumidor, perdeu quase tudo para a Panini, e o que não perdeu, deixou de publicar.

Não foi só na ABRIL que ocorreram demissões. A GERAÇÃO, RECORD, SEXTANTE, INTRÍNSECA, foram algumas outras editoras que demitiram funcionários. Além disso, diminuíram o número de lançamentos por mês. Algumas sequer participaram da Bienal do Livro de São Paulo deste ano. Não havia capital para pagar os custos do estande e do marketing.

Segundo a ANL, nos últimos quatro anos, 20% das livrarias fecharam. O mercado editoral encolheu 21% desde 2006, segundo a FIPE. No acumulado de 2018, deste ano, segundo a NIELSEN, em uma pesquisa também solicitada pela revista ÉPOCA, houve uma redução de mais de 4% na venda de livros, e de quase 2% no faturamento de livros.

Toda essa situação não vem apenas de más decisões, ou de não decisões. Qualquer mercado sofre quando o país não tem uma economia estável. Se a população não tem dinheiro para comer, como vai ter para comprar livros? Segundo a UNESCO, o Brasil tem mais de 13 milhões de analfabetos. Nossa educação pública é uma das piores do mundo. Como se pode formar leitores, se não temos locais de formação? Como incentivar a leitura, quando as escolas insistem em obrigar os alunos a lerem livros clássicos, escritos há mais de um século, que eles não compreendem? Como convencer as pessoas a lerem, se a maioria tem preguiça de sequer ler a legenda de um filme e prefere dublado?

Segundo a PNAD, mais de 60% dos leitores são da faixa etária dos 5 aos 29 anos. É um público jovem, que está na escola, na faculdade ou no início da vida profissional. Por isso mesmo, é um público que não tem capital suficiente para gastar muito com livros. E o capital que possui, na maioria dos casos, vem dos pais. Esse é um dos motivos que explicam o fato dos preços dos livros terem tido menos de 7% de aumento nos últimos quatro anos. É um suicídio editorial aumentar os preços, a menos que não exista nenhuma outra alternativa. Principalmente porque esse público jovem não deixaria de ler, mas partiria para a pirataria (e muitos já fazem isso), com a distribuição de livros em PDF. Quem frequenta fóruns, grupos e livrarias, sabe que esse público não compra no lançamento, mas espera por promoções. E se mesmo assim não tem dinheiro para comprar, lê PDF.

Recentemente, grandes editores deram uma entrevista para a televisão e ficou claro como o querer editorial ainda é preconceituoso. Eles defenderam o aumento de preços para resolver uma situação que requer competência comercial. Defenderam a ideia de que o valor financeiro do livro é inferior ao valor adquirido, e chegaram ao absurdo de comparar o valor de um livro com o valor de um estacionamento. São coisas distintas. Um é um produto, material, que tem custos de produção e que tem seu preço de venda calculado sobre bases financeiras. O outro é um valor de serviço, que cuida de seu automóvel, esse, sim, um produto que vale milhares de reais, que você paga para se sentir seguro e para proteger seu investimento.

O mais incongruente, é que esses editores reivindicam uma melhor educação, uma expansão de conhecimento, mas definem que um livro deve ser caro e voltado para uma elite, da mesma forma que era nos anos 1960, quando ler era considerado culto. É espantoso ver pensamentos desses em pleno 2018. Um livro tem que ser barato, tem que ter o menor preço possível, tem que estar disponível para quem quiser ler, para quem quiser aprender. E isso não quer dizer prejuízo. Qualquer produto, e livro é um produto, que tenha seu preço acima do total de seu custo, e os livros têm o preço acima de seu custo, resulta em lucro para quem produz e para quem vende. O problema é o pensamento retrógrado de uma “elite” editorial que ainda pensa em classificação social pelos livros que produz e que lê. É a mesma elite que acha que livros bons, são livros clássicos, são livros cheios de pompa e circunstância. Mas quem paga as contas, quem vende mais e, com isso, paga o custo desses livros elitizados, são justamente os livros da massa, as histórias simples, com linguagem acessível, que os jovens amam e lêem aos montes. Na entrevista, fica claro que os editores não vão aumentar preços. Não porque não querem, mas, como eu disse lá em cima, porque seria um suicídio. Como está sendo com a Cultura, como foi com a Fnac. Ainda existe esperança para a Saraiva.

Um exemplo prático de falta de visão editorial, é o caso de um desses editores ter recusado a publicação de O CÓDIGO DA VINCI, pelo único motivo de ser uma história de ação que não se enquadrava no estilo de livros que publicavam. Por insistência do filho, ele acabou por comprar os direitos do livro, traduzir e publicar no Brasil. Foi um sucesso, vendeu mais de um milhão e meio de exemplares e encheu de dinheiro o cofre da editora. O pior é que esse mesmo livro passou pela mão de outras editoras, que também recusaram.

Segundo a PUBLISHNEWS, os livros mais vendidos de ficção em 2017, não foram os elitizados, mas os de massa, como ORIGEM, de Dan Brown; DEPOIS DE VOCÊ, de Jojo Moyes; QUATRO VIDAS DE UM CACHORRO, de Bruce Cameron; TARTARUGAS ATÉ LÁ EMBAIXO, de John Green, dentre outros. Isso sem falar dos livros de youtubers. São esses livros, mais os de autoajuda, que pagam as contas. É essa a literatura que vende. Isso quer dizer falta de qualidade? Não! Absolutamente, não! Isso só reflete o interesse da geração atual, e como tudo na história da humanidade, precisa existir adaptação.

É em evolução, modernidade, que empresas como a AMAZON investem. Não é um abandono do clássico, mas uma reclassificação de prioridade e de importância. É uma distribuição maior da literatura, seja ela qual for, para uma parcela maior da população, e não uma manipulação elitizada financeiramente. Enquanto nós, público, lutamos por mais acessibilidade, alguns editores se sentem frustrados por não existir mais uma panelinha pseudointelectual.

A NIELSEN levantou que as editoras independentes cresceram mais de 12% em 2018, em comparação com 2017. O número de autores que publicam em editoras pagas, cresceu no mesmo nível. Os que publicam direto na AMAZON, ocupam cada vez mais espaço nos celulares dos leitores. O público não quer apenas preços baixos, quer acessibilidade, diversidade. Editoras apostam em histórias de domínio público e produzem edições de luxo a preços similares aos de livros normais, como a DARKSIDE e a MARTIN CLARET. Outras, lançam obras, que já tiveram vendas expressivas, em edições mais luxuosas. A editora Leya está investindo em aplicativos de realidade aumentada para passar informações de seus lançamentos, além de jogos, sacolas, camisetas, entre outras coisas baseadas nos seus livros. A editora Intrínseca criou o clube dos Intrínsecos, onde o assinantes recebe uma caixa mensal com um livro de luxo, mais brindes. Ou seja, editoras cuja direção possui uma mente mais aberta, encontra formas de vencer a crise, de conseguir uma receita adicional à venda de livros, uma receita complementar. Basta ter vontade, basta querer se adaptar e evoluir, ao invés de reclamar.

A forma mais certa de se conseguir longevidade, é aumentar o número de leitores, não aumentar o preço dos livros. É criar formas de atrair aquela pessoa que não tem hábito de leitura, como o cinema faz com os quadrinhos. É lançar novidades que criem curiosidade da pessoa procurar o livro, e ter dinheiro para comprar esse livro. A saída é se reinventar, ser criativo, ser expansivo, não ser exclusivista, elitista. Mas, para isso, é necessário jogar o ego fora e ser profissional no sentido completo da palavra.

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