Alan Turing foi um matemático, criptoanalista e cientista da computação que viveu entre 1912 e 1954, na Inglaterra. Ele foi pioneiro no desenvolvimento da inteligência artificial e fundamental na criação do computador moderno. Tanto que ele é conhecido mundialmente como o pai da computação.

Na Segunda Guerra Mundial, Turing trabalhou para a inteligência britânica, em um centro especializado em quebra de códigos nazistas. Após a guerra, ele criou o primeiro computador do Reino Unido. Além de tudo isso, ele se interessou por química e previu reações oscilantes, que servem como exemplo para a teoria do caos, e que foram comprovadas em 1960, seis anos após sua morte.

Alan Turing era homossexual, e apesar de toda a sua importância e de todos os seus feitos, por causa de sua orientação sexual, ele foi processado criminalmente em 1952, pois atos homossexuais eram ilegais no Reino Unido nessa época. Ele foi obrigado a sofrer um tratamento com hormônios femininos e castração química, como alternativa à prisão. Infelizmente, Turing não suportou e cometeu suicídio por ingerir cianeto, um veneno, aos 42 anos de idade.

Em 2009, o Primeiro Ministro britânico, Gordon Brown, fez um pedido oficial de desculpas público, em nome do governo, devido à maneira que Turing foi tratado apenas pela sua orientação sexual. Em 2013, Alan Turing recebeu o perdão real da rainha Elizabeth II.

A história de MÁQUINAS COMO EU se passa no ano de 1982, em uma realidade alternativa, onde Alan Turing não cometeu suicídio, continuou suas pesquisas e descobertas, e desenvolveu os primeiros humanos sintéticos, ou seja, androides de aspecto humano, com uma inteligência artificial tão avançada, que conseguem se passar por humanos biológicos. O mundo passa por uma avanço tecnológico além do que temos hoje, a Inglaterra perdeu as ilhas Malvinas para a Argentina, Ronald Reagan perdeu as eleições, John Lennon não foi assassinado e os Beatles continuam cantando, além de outras modificações referentes à nossa realidade. Entretanto, Alan Turing não é o personagem principal, apenas um secundário, o cientista que criou 25 humanos sintéticos: 12 masculinos, chamados de Adão; e 13 femininos, chamados de Eva.

Charlie é um solteirão de 32 anos que passa por um momento de pouca sorte, com vários projetos dando errado e sem qualquer perspectiva do que fazer no futuro. Ele tem duas obsessões, e uma delas é sobre as criações de Turing, os humanos sintéticos. Então, ele resolve usar todo o dinheiro que ganhou de herança, após o falecimento da mãe, e tenta comprar uma Eva. Mas não há mais disponíveis. Então, ele resolve comprar um Adão, com o objetivo de ter uma companhia, um amigo com quem conversar.

A segunda obsessão de Charlie tem o nome de Miranda, sua vizinha dez anos mais jovem, que mora no andar de cima. Eles têm uma relação de amizade, onde passam horas conversando, mas apenas porque Charlie ainda não reuniu coragem suficiente para se declarar apaixonado. Seu principal receio se deve a uma aparente indiferença por parte de Miranda. Ela não recusa nenhum convite de Charlie, mas também não demonstra nenhum ânimo em aceitar. Uma indiferença que o deixa inseguro sobre como revelar seus sentimentos.

Insegurança que é vencida com a chegada de Adão. O sintético precisa ter sua personalidade configurada pelo comprador, através de dezenas de perguntas que são respondidas, e cujas respostas, servem para moldar quem será o Adão, como ele pensará, como se comportará. Charlie convida Miranda para responder a metade das perguntas, assim, os dois seriam responsáveis pelo que Adão se tornaria. Dá certo, e finalmente Charlie consegue avançar no relacionamento, eles passam a ser um casal. Dividem as chaves dos apartamentos e as camas onde dormem.

Quando Adão é totalmente configurado e ligado, ele realmente consegue simular uma pessoa quase na perfeição, mas algumas falas e atitudes, indicam que ele é uma máquina em busca de uma direção de como proceder, como interagir, e por isso, ele ainda não tem um filtro do que pode ou não falar. E em um dos seus primeiros momentos após conhecer Miranda, quando ela vai embora do apartamento de Charlie, Adão avisa que ela não é a pessoa que aparenta, que ela não é confiável. Charlie fica com raiva e ignora o aviso de Adão.

Conforme a relação de Charlie e Miranda avança, Adão começa a ser uma presença constante, uma vez que ele aprende sozinho, ele avança no seu desenvolvimento de interação social, e como Miranda foi uma das responsáveis por sua personalidade, ele desenvolve o que seria uma paixão por ela. Ainda mais que Miranda tem uma curiosidade sobre como seria uma relação sexual com alguém criado para ser perfeito. A partir desse ponto, é formado um triângulo amoroso dos mais improváveis.

Charlie é o narrador da história, mas nem por isso ele é correto em seus pensamentos e atitudes. Ian McEwan sabe criar personagens como poucos, e Charlie comete ações baseado no ciúme, na prepotência, no medo de ser preterido a uma pessoa artificial. Em várias partes, Charlie descreve o que sente e o que faz, para um pouco mais na frente, reconhecer o erro, ou explicar que na verdade as coisas não eram bem como ele pensava. Ou seja, não é um narrador confiável, uma vez que sua visão está comprometida por suas emoções e por aquilo que ele considera correto naquele momento.

Miranda é uma mulher insatisfeita com a vida, com ela, com o mundo em geral. Ela gosta de Charlie, mas Adão tem razão, ela esconde algo, um passado que ela quer manter oculto, sobre o qual se recusa a falar, e é o responsável por seu comportamento arredio, por sua constante insatisfação. A personagem tem uma evolução nesse comportamento a partir do momento em que Charlie, instigado pela curiosidade do que Adão revelou, descobre parte do que ela esconde. Então, é como é acontecesse uma libertação, como se ela deixasse para trás um peso que a mentinha no mesmo lugar, sem avançar.

Adão não é humano, ele é uma máquina que parece um humano. Mas não tem sangue, não tem alma. Seus pensamentos e o que chama de sentimentos, são o resultado de códigos complexos, que evoluem de forma lógica. O que contraria o conceito de ser humano, uma vez que somos criaturas totalmente ilógicas, guiadas pela emoção, mesmo quando não queremos, quando tentamos ser racionais. Essa diferença é crucial para tudo o que Adão faz, porque sua moral é baseada no conceito restrito do que é certo e do que é errado, não existe espaço para áreas cinzas, ou para atitudes baseadas em sentimentos. Ele diz que ama Miranda, mas ele não hesita quando sua moral identifica atos errados de Miranda e considera que ela será mais feliz se pagar por eles.

Uma pessoa apaixonada não consegue seguir ações de forma racional, sem sofrer muito por isso. E nós não somos criaturas que suportam a dor por um longo período, ainda mais a dor do amor. Adão pensa que ama, mas seu sofrimento não interfere em sua lógica, afinal ele tem um cérebro que é um computador que baseia suas ações em códigos programados para seguirem o que é estabelecido previamente. E da mesma forma, ele tem um código de se preservar, e algumas de suas ameaças sobre o que poderá acontecer se Charlie tentar desligá-lo, são consideradas brincadeiras, mas o leitor sabe que não são, e isso cria uma sensação de perigo, de que algo de ruim poderá acontecer a qualquer momento, e que só não acontece, porque Charlie não tem consciência desse perigo.

MÁQUINAS COMO EU é uma ficção-científica simples, mas muito estimulante. A forma como Ian McEwan escreve é ímpar, ele consegue criar uma narrativa que alterna entre a ação da história e as atitudes dos personagens, com descrições e pensamentos sobre política, ciência, sociologia, de uma forma que torna tudo uma única coisa, perfeitamente harmoniosa. Outra característica sua, é começar um assunto, pular para o passado, para narrar algo que complementa o assunto, e retomar do ponto em que parou, sem deixar o leitor se perder. É algo que não vejo em nenhum outro escritor. E nesta sua obra, além de tudo isso, ele entrega três personagens que tentam se completar de todas as formas, mas é bastante claro que é impossível. Então, fica a ansiedade de chegar ao final e descobrir como eles vão terminar, tendo a premonição de que os três não chegarão ao final. Mas qual deles?

Antes de finalizar, preciso destacar a capa da edição, cortada em várias camadas, que se separam quando se abre o livro. Ficou perfeita com o conteúdo da história.


AVALIAÇAO:


AUTOR: Ian MCEWAN é considerado um dos grandes nomes da ficção britânica contemporânea. Seu primeiro livro, First love, last rites (1975), ganhou o prêmio Somerset Maugham. É conhecido pela inventividade com as palavras e pelo gosto de usar a mecânica dos thrillers como crítica social. Ao longo de sua carreira foi indicado diversas vezes para receber o Booker Prize, o mais prestigiado prêmio literário britânico, o que veio ocorrer em 1998 com o livro Amsterdam (1998). Sua obra é famosa pelo realismo psicológico, com rigor de detalhes e clima ameaçador, explorando com frequência temas complexos como escolha ética, decisões difíceis e circunstâncias extraordinárias.
TRADUÇAO: Jorio DAUSTER
EDITORA: Companhia das Letras
PUBLICAÇAO: 2019
PÁGINAS: 304


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