O diretor indiano M. Night Shyamalan é muito eclético. Lança excelentes filmes na mesma frequência que lança umas bombas. Conhecido por sempre ter grandes reviravoltas em seus roteiros, ele surpreendeu a todos com o filmaço O SEXTO SENTIDO, lá no final dos anos 90. E agora ele nos apresenta VIDRO, um suspense que é uma continuação direta dos filmes CORPO FECHADO e FRAGMENTADO. Agora juntos, eles se tornam uma trilogia sobre super-heróis. Resta saber se o projeto deu certo, vamos lá.

A trama acompanha o dia a dia de um hospital psiquiátrico bastante peculiar. Lá são tratadas pessoas que acreditam ser super-heróis, que se acham donas de autênticos poderes especiais. E dentre os pacientes, nós temos um homem praticamente indestrutível, que ficou famoso depois de sobreviver a um acidente fatal num trem, onde todos os passageiros morreram e ele saiu totalmente ileso. Elijah Price é o paciente aparentemente mais frágil do recinto, já que seus ossos são praticamente de vidro frágil, sendo possível quebrá-los com muita facilidade. Porém, sua inteligente perspicaz, faz com que ele se destaque entre os leigos. Esses dois personagens foram apresentados no filme CORPO FECHADO. E o último e mais importante paciente, é um homem que tem dentro de si diversas personalidades diferentes. Dentre todas, a mais perigosa se chama “A Fera“, que é composta basicamente de ódio, agilidade, violência e força bruta. Esse personagem foi o protagonista de FRAGMENTADO. E agora, todos eles estão no mesmo recinto com uma estranha doutora que tem a missão de mudar a cabeça deles, interromper de vez essas estranhas habilidades.

O roteiro foi escrito pelo próprio diretor e dá para sentir que ele amou demais tudo o que foi apresentado. A ideia da união de todos esses três filmes é muito interessante e faz sentido, porém parece que não ouve tempo suficiente para desenvolver com perfeição esse conceito. É necessário ter os filmes anteriores em dia e muita boa vontade para cair de cabeça na trama. As coisas não caminham, elas engatinham. O cerne de tudo é a interação da doutora com esses peculiares pacientes, com ela tentando, a todo o momento, provar que eles são pessoas normais e não seres poderosos. Porém, os métodos de terapia usados pela doutora, são bem básicos, e o filme, em nenhum momento, consegue convencer o espectador de que a doutora é mesmo uma especialista nessa área que diz dominar. Um problema bem significativo que o filme carrega é seu ritmo extremamente lento e a não uniforme distribuição de informações. A trama começa primeiro acompanhando dois personagens em suas vidas normais; um veste a capa de um justiceiro que luta contra o crime; e o outro adora sequestrar e assassinar jovens adolescentes. O confronto entre eles acarreta na prisão de ambos e, depois disso, o filme parece não ter muita coisa a contar, o ritmo perde muita força e só volta a melhorar no ato final.

O personagem do Samuel L. Jackson dá nome ao filme e é o verdadeiro protagonista da trama. Ele é inteligente, mas frágil graças a seus ossos de vidro, e o mesmo quase não recebe espaço na primeira hora de projeção. Porém, seu plano ousado, que envolve não apenas ele, mas os outros dois pacientes, é bem surpreendente. Demoramos bastante para compreender a gravidade de seus atos, e quando a ficha cai, o rosto do espectador vai junto. Ao mesmo tempo em que a trama meio que explica a origem das habilidades de todos esses pacientes, ela aborda o nosso conceito de sobrevivência e evolução. Claro que tudo isso vem acompanhado de uma boa reviravolta, no estilo que o diretor gosta, fazendo todos os pontos se ligarem. Mas não é um filme de ação e não é um suspense acessível, é muito necessário ter empatia com esses personagens para poder absorver algo. Se for conferido como uma experiência isolada, o resultado pode não ser bom. E mesmo se a pessoa conhecer e se importar com os personagens, não existem garantias de que vão comprar a ideia presente no ato final. É sim um bom encerramento, traz bastantes questionamentos e chega a ser bem impactante, porém é justo dizer que não é essa grandiosidade toda que tem sido prometida nos materiais de divulgação do filme.

Elogiar Samuel L. Jackson chega a ser redundante, mas estou aqui para isso. Ele, que passa o filme todo numa cadeira de rodas, e metade da projeção atuando sem abrir a boca, e impressiona demais quando joga as cartas na mesa. Ultrapassa a barreira do antagonista e nos faz acreditar em todos os momentos que tudo isso que assistimos é real. Fora que ele está com aquele traje roxo clássico que é belíssimo. James McAvoy é outro ator talentosíssimo. E em FRAGMENTADO, ele já tinha provado que nasceu para esse papel. Ele repete à perfeição em um desempenho muito bem calibrado, mesmo não tendo o espaço que teve no filme anterior. E quando está na pele da fera, seu porte físico escultural e extremamente forte impressionam ao mesmo tempo em que amedrontam. Outro veterano maravilhoso que está no filme é Bruce Willis, e seu carisma nunca lhe abandona, mesmo vivendo aqui um personagem extremamente sério.

Tecnicamente, o filme é muito interessante e a direção consegue criar uma boa tensão e suspense em pequenas cenas, que juntas se fecham como um quebra-cabeça. A trilha sonora é maravilhosa e serve muito bem para deixar todos arrepiados. A direção de arte, que é responsável pelos cenários do filme, também merece muitos elogios. A fotografia é muito bonita e, visualmente, a produção entrega cores e texturas que ficam belíssimas na telona. Os figurinos dos personagens impressionam e eu já quero um casaco roxo igual ao do Senhor Vidro para o carnaval. Mas, pensando bem, não parece uma boa ideia usar um casaco em pleno verão. A edição do filme não ajuda na hora de amenizar o ritmo lento, que se espalha pela produção no segundo ato, e o filme ainda tem um excesso de desnecessários closes fechados nos rostos dos atores, deixando até mesmo uma pequena conversa bem esquisita.

É um conceito ousado e bem interessante, porém sua execução deixa um pouco a desejar. Não é tudo aquilo que nos foi prometido e não é essa bomba que alguns estão dizendo que é. A produção entrega elementos bons o suficiente se destacar, e muito, do mercado atual. É um filme bem diferente e, graças a seu ato final espetacular, faz valer  o ingresso. Confira, nem que seja apenas pelo elenco fenomenal.

E para quem quiser assistir aos filmes anteriores, CORPO FECHADO está disponível na Netflix, e FRAGMENTADO está disponível no Youtube.


AVALIAÇÃO:


DIREÇÃO: M. Night SHYAMALAN
DISTRIBUIÇÃO: Disney/Universal
DURAÇÃO: 2 horas e 9 minutos
ELENCO: James MCAVOY, Samuel L. JACKSON, Bruce WILLIS




 

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