Tem gente que acha que a franquia Percy Jackson injustiçada, mas será que isso é verdade? A saga consiste em mais de onze livros, divididos em duas séries principais e se formos contar todo o universo criado pelo autor, as histórias contabilizam mais de vinte livros. Fora isso temos ainda duas adaptações para o cinema, extremamente amaldiçoadas pelos fãs. Aqui vamos iniciar com calma e falar do primeiro livro, PERCY JACKSON E O LADRÃO DE RAIOS, será que ainda vale a pena a leitura? O filme é realmente uma bomba? Vamos descobrir!

Percy é um menino de doze anos que não vai bem na escola. Seu cérebro parece ligado em outra frequência e ficar concentrado é uma tarefa extremamente difícil. As coisas começam a ficar estranhas quando o menino é atacado por sua professora que se transforma num monstro. Seu amigo que aparentemente era deficiente se revela seu protetor e os ataques continuam. Depois de fugir com sua mãe para um local isolado, Percy é atacado novamente e logo chega a um acampamento escondido no meio da floresta. Nesse acampamento, ele descobre que é filho de um deus grego, todos lá são filhos de alguma entidade sagrada e poderosa e estão ali escondidos nesse acampamento, pois as forças malignas não medem esforços para destruir os filhos dos deuses.

E como tudo que pode, vai piorar, Percy logo é acusado de ser o ladrão de raio, a arma mais poderosa que pertence ao próprio Zeus. Se o raio não for devolvido com rapidez, uma terrível guerra entre deuses se instalará e poderá resultar no fim da raça humana. Logo ele parte numa missão para ir ao Mundo Inferior provar a sua inocência. Essa jornada vai se revelar mais perigosa do que ele poderia imaginar, e junto com seus amigos, eles vão precisar sobreviver a cada esquina e fazer a toda hora escolhas importantes. Será que ele vai sobreviver?

A narrativa se inicia apresentando seu personagem principal e a sua personalidade é muito bem exemplificada. É fácil torcer por ele e sofrer ao seu lado. Os seus amigos de viagem, Grover e Annabeth, também são desenvolvidos com uma grande riqueza de detalhes. O primeiro é um menino com patas de bode, sendo um sátiro e sua maior missão na terra é proteger a prole dos deuses, mas internamente ele tem a sua própria jornada e o livro aborda isso com bastante cuidado e cria uma nova cultura muito crível e interessante, algo que com certeza terá importância no futuro. Sua amizade com Percy é extremamente verdadeira e cativa o leitor. Já Annabeth é apresentada também como uma filha de deus, no caso filha de Atena, deusa da sabedoria, e a mesma se une a Percy nessa missão, mas ela também tem seus motivos internos. Ela cresceu no acampamento e quase não viveu nada do mundo fora das cercas. Ela tem um trauma interno familiar, muito doloroso, mas isso não impede a mesma de ser companheira, inteligente e forte, salvando a todos de vários apuros a todo o momento.

A trama base é simples, Percy tem que provar que não roubou raio nenhum e também achar a sua mãe que aparentemente está viva e presa no Mundo Inferior, uma espécie de inferno comandado com Hades, deus dos mortos. E nessa jornada eles vão de lugar para lugar, sem muitos recursos e até mesmo passando necessidades, tendo que aceitar a ajuda que eles encontram no meio do caminho. Mas o problema é que na maioria das vezes essa ajuda pode se revelar um perigo e ninguém vem para ajudar as crianças, eles mesmos precisam vencer esse problema.

Uma característica bem interessante no livro é que a trama trabalha muito com a incerteza. Por se tratar de assunto dos deuses, como ter certeza de alguma coisa? Ninguém sabe de quem Percy é filho, de qual deus, esse mistério se arrasta por um período considerável no livro e quando se revela, a informação vem num momento necessário, não é jogada gratuitamente. E o ápice que é quem roubou o raio, quem está por trás desse plano maligno de começar uma guerra e porque culpar Percy, é algo que o leitor meio que carrega até o final. Temos algumas profecias para nos guiar, mas fora isso temos que esperar e esperar por informações. Descobrir não é nada fácil e quando tudo é revelado o leitor sente que o livro não precisava ter enrolado tanto. Nem é algo tão mirabolante, mas no final faz sentido e não prejudica a narrativa.

O livro não é muito extenso e tem capítulos ágeis, mas a estrutura episódica caba se tornando algo muito repetitivo. Fica taxado que as crianças vão para algum lugar, precisam sobreviver, vencem um inimigo e descobrem algo. Apesar de sempre ser um perigo diferente, num lugar diferente, a estrutura do conflito é sempre a mesma. Fica repetitivo e chega a cansar, mas dentre essa sopa de igualdade, alguns conflitos se destacam mais do que outros. A mini missão envolvendo Ares, o deus da guerra, que acontece num parque aquático, é muito engraçada e divertida. Aliás esse personagem volta no ato final e protagoniza um verdadeiro momento épico, terminando o livro com vários ganchos sólidos para as continuações.

A narrativa é infantil e obvio que teremos um pouquinho de humor, momentos bobos e descontraídos. A imaginação do autor vai longe e ele se sai muito bem ao misturar os mitos gregos nessa história de aventura contemporânea. A maioria das coisas é bem explicada e até mesmo quem tem pouco ou nenhum conhecimento sobre a mitologia grega, vai conseguir entrar e se encantar com esse universo gigante que cativa o leitor a continuar acompanhando Percy e seus amigos nessas aventuras fantásticas que sempre começam e terminam no Olimpo, a casa dos Deuses.


AUTOR: Rick RIORDAN
TRADUÇÃO: Ricardo GOUVEIA
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2014
PÁGINAS: 400


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FILME

A adaptação de PERCY JACKSON E O LADRÃO DE RAIOS chegou aos cinemas em 2010 e foi dirigido por Chris Columbus, o mesmo que comandou o já clássico HARRY POTTER E A PEDRA FILOSOFAL. O estúdio era grande, produtores famosos e um orçamento milionário. Mas o filme teve um sucesso moderado nas bilheterias, as críticas foram mistas e dentre os fãs, esse filme é o próprio herege, o que será que deu errado? Vamos descobrir!

A trama base é basicamente a mesma, Percy é um menino que não vai bem na escola, logo ele é atacado, sua mãe morre/some, ele descobre que é filho de um deus e no final vai parar nesse acampamento que protege os jovens semideus. E depois de aparamente se adaptar, ele decide ir embora, parte para o Mundo Inferior na tentativa de salvar a sua mãe. Porém entrar no mundo inferior é fácil, sair é que é um problema. Por isso, antes de ir salvar sua mãe, Percy precisa cumprir uma série de tarefas com o objetivo de encontrar três pérolas, capazes de criar uma fuga rápida e segura do Mundo Inferior. Junto com ele nessa jornada estão Grover e Annabeth, logo eles precisam correr contra o tempo para achar as pérolas antes que o mundo acabe. Já que alguém roubou o raio de Zeus, acham que foi Percy, mas ele não se importa muito com isso, já que não foi ele que roubou e nem sabe onde isso está.

Primeiro é importante frisar que nenhum filme é obrigado a ser exatamente igual ao livro, mas é um risco fugir completamente do material original. O publico alvo central dessas adaptações são os fãs da saga, mas como eu vou querer que os fãs gostem do filme se eu decido mudar absolutamente tudo. Em noventa e nove porcento de casos onde acontece isso, o filme fica com uma reputação ruim e se desgasta com uma rapidez sem igual, e foi isso que aconteceu com Percy Jackson nos cinemas. Teve apenas duas adaptações, sendo o segundo filme um enorme fracasso de crítica e de bilheteria, manchando o legado dos livros que até hoje não receberam outra chance de adaptação.

A mudança mais drástica foi que os personagens que eram crianças de doze anos, foram adaptadas no filme como adolescentes de dezesseis anos, ainda por cima interpretados por atores na casa dos vinte anos. Não funciona, não cola eles tentando passar pelos mesmos problemas que crianças passaram. Fora que começar assim desgasta completamente o elenco que no decorrer da saga, caso ela fosse adaptada por completo nos cinemas, ficariam mais e mais velhos no decorrer das adaptações, fugindo ainda mais das ideias presentes nos livros.

O corpo da trama, a missão em si, também foi altamente adulterada; no livro, Percy e seus amigos precisam ir no Mundo Inferior, numa missão oficial e autorizada pelos superiores para provar a sua inocência perante a acusação de ter roubado o raio de Zeus. Já no filme, eles fogem do acampamento com o objetivo de salvar a mãe de Percy e antes disso eles precisam ir para três lugares, vencer três desafios e conseguir três pérolas que dão o poder de fuga para seu portador. São objetivos extremamente diferentes, jornadas que não conversam, mas que só se tornam uma ofensa para o leitor, pois ambas terminam basicamente no mesmo lugar. Não dá pra forçar uma mudança enorme e ainda por cima dar o desfecho idêntico ao original. Não funciona, fica forçado e mal explicado. Tudo piora ainda mais pois um importante personagem que tem papel central no filme e no seu desfecho foi cortado do filme, simplesmente aqui ele não existe. Só pra aumentar ainda mais a ira dos fãs que recebem em troca um final patético, com direito a um confronto digno de pena que simplesmente não existe no material original.

Outra coisa que chega a ser irritante no filme é a certeza de que os personagens têm sobre tudo. Rapidamente é dado a certeza de que Percy é filho de Poseidon, de que ele é poderoso, será o mais habilidoso e terá um destino importante. No livro todo esse mistério é revelado com calma, já no filme tudo é jogado na cara do espectador sem nem ter concordância ou lógica. Eles têm certeza de tudo, tem solução para tudo e toda aquela parte onde essa jornada é difícil complicada e miserável, foi jogada fora no filme. Tudo é mais fácil e dado de mão beijada, fora o fato de Percy no filme ser amado e respeitado por todos. Coisa que não acontece nos livros, com o menino sendo a toda hora tradado com ignorância, violência ou indiferença. O desfecho é basicamente o mesmo, porém o gancho que ele abre não funciona e nem faz sentido. Era só isso mesmo? Ele estava por trás de tudo isso? São perguntas que ficam no espectador que não entende como alguém pensou que esse final iria funcionar.

Deixando de lado tudo isso, o filme só funciona minimamente com quem não leu o livro, pois fora isso é apenas um aventura clichê com umas pitadas de mitologia grega. Todo o mistério e a incerteza presente no livro, que arrastaram uma legião de fãs para a leitura, não está presente aqui. A trama no filme foi tão simplificada que fica ridícula. A obra até tem uns efeitos visuais interessantes, um elenco velho carismático e um humor que não incomoda, mas isso não é Percy Jackson, é outra coisa totalmente diferente e descaracterizada. E quando logo no começo você decepciona os fãs, jogando assim uma oportunidade fora, fica difícil confiarem em você de novo novamente.


DIREÇÃO: Chris COLUMBUS
DISTRIBUIÇÃO: Fox
DURAÇÃO: 1 hora e 58 minutos
ELENCO: Logan LERMAN, Brandon T. JACKSON, Alexandra DADDARIO, Pierce BROSNAN, Sean BEAN