Em POR LUGARES INCRÍVEIS, Violet perdeu a irmã em um acidente de carro e se culpa em parte pela tragédia. Em luto depressivo, ela se prepara para pular do alto do prédio onde estuda, mas é impedida por Theodore, um garoto que todos os colegas consideram uma aberração pelo comportamento rebelde e errático. O gesto é visto do chão pelos outros alunos do colégio, e todos pensam que foi Violet quem impediu Theodore de cometer suicídio. E este não desmente para não causar problemas para Violet, desde que ela faça com ele um trabalho de geografia em que precisam visitar e escrever sobre lugares incríveis do estado onde moram.

POR LUGARES INCRÍVEIS não é apenas um romance adolescente em que o casal enfrenta problemas emocionais que só conseguem superar pela companhia um do outro. Vai muito além disso. Violet e Theodore enfrentam problemas psicológicos sérios que levam muitos jovens à morte, principalmente por não serem identificados e tratados. Mas são problemas distintos, com tratamentos distintos.

Violet enfrente a depressão causada pela culpa e pela falta que sente da irmã. Elas eram muito apegadas, compartilhavam quase tudo, inclusive a construção e manutenção de projetos pessoais. Parte de Violet morreu junto com a irmã. Depressão é uma doença que é difícil de identificar por quem sente e por quem não sente, além de sofrer com o preconceito de muitos acharem que é apenas uma fase ou capricho ou mesmo uma desculpa para chamar a atenção. Depressão é uma doença que precisa de terapia, de acompanhamento constante, de apoio e compreensão, e de remédios. A família de Violet não tem a menor ideia do que a filha enfrenta, mesmo ela dando claros sinais de que não está bem. Violet frequenta sessões semanais com a terapêuta escolar, que age como se a menina tivesse obrigação de voltar a interagir por causa dos meses que se passaram desde o acidente. Ou seja, também há uma incompetência profissional por parte da escola, o que não é nada incomum de acontecer.

Theodore enfrenta um outro tipo de problema, mais profundo, mais difícil de tratar: ele sofre de Transtorno Afetivo Bipolar, uma perturbação mental que causa períodos de depressão e períodos de ânimo intenso, que também pode vir acompanhados de sintomas de psicose. A pessoa sente-se anormalmente enérgica, contente ou irritável. Por isso, Theodore se fecha dentro do armário do quarto em alguns trechos, e em outros, só consegue se sentir bem, quando corre pelas ruas até ficar exausto. Os doentes geralmente realizam decisões irrefletidas ou sem noção das consequências, o que explica o comportamento rebelde, errático, de Theodore na escola, e o motivo de ter a fama de uma aberração, de doido. Durante as fases depressivas, a pessoa pode chorar, encarar a vida de forma negativa, e é nessa fase que cresce o risco de suicídio.

As causas da TAB ainda não são totalmente compreendidas, mas tanto fatores ambientais como genéticos têm influência. Muitos genes de pequeno efeito contribuem para aumentar o risco. Os fatores ambientais incluem antecedentes de abuso infantil e estresse de longa duração. Theodore se encaixa nesse segundo fator. Quando criança, ele sofreu abusos físicos e violentos do pai. Isso é descrito em um trecho bem triste e tenso do livro. Violência materealizada nas cicatrizes que possui pelo corpo. Isso somado à total apatia da família sobre sua condição física e mental, explicam a origem da doença e sua degradação mental.

A família de Violet também é apática em relação ao que ela passa, mas Violet encontra em Theodore uma âncora para conseguir sair da depressão. É ele quem mostra que a vida pode continuar após o acidente. Ele leva Violet para locais que não são assim tão bonitos, mas que possuem uma enorme carga de significado, que possuem mensagens que descrevem como é possível, sim, sair da escuridão. De certa forma, Theodore é o remédio que Violet precisava para se salvar.

Entretanto, Theodore não tem o mesmo apoio. Não por causa de Violet, uma vez que ela, aos poucos, se apaixona por ele e corresponde aos sentimentos que ele anseia. Entretanto, TAB não pode ser tratada apenas com companhia emotiva. Theodore precisava de remédios para não cair na espiral de psicose e demência que a doença causa. Em certo ponto, ele perde a noção da realidade, sua mente não funciona mais de forma normal, e quando se chega nesse nível, não adianta nada ter força de vontade, ter companhia ou apoio. É preciso internação, é preciso medicação.

É triste acompanhar a solidão e a indiferença familiar que os dois enfrentam em relação às doenças. Ainda mais triste é ter consciência de que isso acontece na vida real e em grande quantidade. A ignorância que Theodore sofre por não ser diagnosticado, lembrou-me um outro livro, QUERIDO MENINO, que também foi adaptado recentemente para o cinema. Nele, o garoto vira um viciado em anfetaminas e o pai, mesmo fazendo de tudo para salvar o filho, não consegue afastá-lo das drogas. Apenas após muitos anos de sofrimento, um médico perguntou porque o garoto, agora homem, nunca fez uma avaliação médica para bipolaridade. E quando faz, descobrem que ele é bipolar e que as drogas o ajudavam a se sentir bem, uma vez que ele não era devidamente medicado. Depois disso, quando ele passa a ter um tratamento para a psicose, ele não se droga mais. Theodore teria uma vida totalmente diferente se fosse diagnosticado e tratado, da mesma forma que milhares de outros jovens que sofrem o mesmo sem tratamento, por pura ignorância das famílias e incompetência de alguns médicos e terapêutas.

Os lugares de POR LUGARES INCRÍVEIS não são as localidades que Violet e Theodore visitam, mas são os lugares dentro de suas mentes, são os sentimentos que eles demonstram, são os momentos de lucidez que eles compartilham e que lhes rendem momentos inesquecíveis.

Sobre o filme da Netflix, o roteiro segue basicamente todo o conteúdo do livro, com algumas pequenas modificações que não interferem no rumo ou no desfecho da história, com exceção de uma, que descrevo mais para a frente. As pequenas são tipo, por exemplo, o local onde os dois se conhecem. Não é no alto do prédio da escola, mas na ponte onde aconteceu o acidente de carro e de onde Violet tenta pular. Também não existe o boato de que foi ela quem salvou Theodore do suicídio, é dado mais ênfase aos bilhetes que Theodore cola pelas paredes do quarto, e coisas desse tipo.

Violet, interpretada por Elle Fanning, de MALÉVOLA, está bem caracterizada com a personagem do livro. Entretanto, o mesmo não ocorre com Theodore, interpretado por Justice Smith, de JURASSIC WORLD 2. Embora ele tenha uma boa atuação, é um outro Theodore que não o do livro. Na obra original, Theodore possui uma leveza cômica em diversos momentos, uma ironia, um atrevimento que causa simpatia, apesar de tudo que ele enfrenta interiormente. E em outros, Theodore é sério, apagado, violento. Essa dualidade é muito bem descrita no livro. Entretanto, o Theodore do filme é muito carregado dramaticamente, todo o seu semblante é muito pesado, não existe a parte leve e de luz do personagem, apenas a escuridão.

Mas o pior da adaptação é em relação a não conseguir passar, de forma clara, qual o problema de Theodore. É notável que ele tem problemas psicológicos, mas eles não são explicados, tudo fica superficial, e em momentos parece que ele é dramático demais sem motivo. Principalmente na parte final, quando algo acontece e que é responsável pelo início do abismo para Theodore. No livro, depois desse acontecimento, acontecem outras coisas que somadas, justificam o que acontece. Essas outras coisas não aparecem no filme, e tudo fica estranho, desproporcional, sem um motivo lógico.

Claro que um livro sempre se aprofunda mais no que os personagens sentem e pensam, mas enquanto o problema de Violet é muito bem explicado no filme, o de Theodore é quase ignorado, com exceção as suas excentricidades causadas pela doença, como os já referidos papéis nas paredes, que causam um impacto visual eficiente, mas que não possuem qualquer explicação no filme.

Eu aconselho que você leia primeiro POR LUGARES INCRÍVEIS e só depois assista ao filme. Sua experiência será melhor, porque você já terá um prévio e amplo conhecimento e poderá aproveitar a caracterização dos personagens e de todo o ambiente. De qualquer forma, é uma história linda que merece ser vista, depois de lida.

Agora, atenção: só leia e assista ao filme se você estiver bem emocionalmente e psicologicamente, se não estiver passando por nenhuma fase ruim ou em tratamento. O livro e filme possuem diversos gatilhos, sendo o livro mais profundo e impactante. Não deixe de ler, mas espere estar melhor, mais forte, em uma fase mais tranquila. Por favor.




AUTORA: Jennifer NIVEN
TRADUÇÃO: Alessandra ESTECHE
EDITORA: Seguinte
PUBLICAÇÃO: 2015
PÁGINAS: 336


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