Publicado inicialmente no formato de capítulos, na revista A Estação, entre outubro de 1881 e março de 1882, O ALIENISTA se tornou uma das obras mais conhecidas de Machado de Assis. Na história, o dr. Simão Bacamarte, depois de conquistar uma notoriedade como médico na Europa e no Brasil, retorna à sua cidade natal, Itaguaí, para se dedicar com mais afinco ao estudo de sua profissão.

Ele se casa com a viúva dona Evarista, uma mulher de aproximadamente 25 anos, que não possuía uma boa aparência, mas que era saudável e robusta, o que se tornou motivo suficiente para Bacamarte considerar que ela seria apta para gerar bons filhos. Mas, com o passar do tempo, dona Evarista se mostra incapaz de engravidar, frustrando as expectativas do doutor. Estudando os motivos, ele deduz que a incapacidade advém de algum problema mental e decide se dedicar ao estudo da psiquiatria. Para isso, ele compra uma casa e a transforma em um manicômio, dando o nome de Casa Verde. Aos poucos, a Casa Verde começa a abrigar todos os doidos da cidade e vizinhança.

Conforme Bacamarte aumenta sua obstinação sobre a mente humana, ele passa a considerar loucura qualquer desvio de comportamentos ou de pensamentos, e começa a internar as pessoas que lhe causem estranheza. E conforme esses internamentos aumentam, a população de Itaguaí se amedronta. Comandada pelo barbeiro Porfírio, um homem que mantinha o desejo de ingressar na política, a população arma um protesto e ruma contra a Casa Verde. A partir desse ponto, várias reviravoltas acontecem, tendo como pano de fundo, o egoísmo e a ambição como incentivo para a manipulação da massa.

Simão Bacamarte é um personagem destituído de sentimentos, enterrados por uma lógica e um desejo de se ater apenas à ciência. Para ele, emoções não importam. Ele não se casa com dona Evarista pelo desejo ou paixão, mas apenas para conseguir uma prole saudável. Seu casamento não é baseado em amor e companheirismo, ele apenas suporta a presença da esposa, como convém à sociedade. O único objetivo que ele possui é compreender como funciona a mente humana e por que acontece a loucura, ou pelo menos, o que ele considera loucura.

Os personagens satélite, que aparecem e desaparecem no decorrer da trama, são usados pelo autor como combustível para as mudanças de pensamento de Bacamarte e para, claro, tecer uma crítica voraz à sua época, embora essa crítica seja compatível até os dias de hoje. Principalmente a parte política. Por duas vezes, os ataques a Bacamarte e à Casa Verde, são iniciados por questões sociais e de liberdade, mas se revelam, posteriormente, manobras para conquistas políticas. Hoje em dia, com as redes sociais, esse tipo de ataque é o mais comum. Políticos, o próprio governo, utiliza desses meios para criar massas que defendem suas ambições com justificativas como justiça e verdade, mas por trás, estão apenas os planos de manipulação social.

A Casa Verde e as atitudes de Bacamarte podem ser usadas como exemplos de como funciona uma ditadura. No livro, a pessoa para ser presa no manicômio, não precisava de análise ou julgamento, bastava a palavra de Bacamarte de que ela possuía algum distúrbio. Numa ditadura, justiça e verdade são jogadas para trás, o que importa é a vontade do estado e o quanto o estado se julga ameaçado por alguém, ou por um grupo. E quando o povo se levanta para lutar contra, sempre aparecem os aproveitadores, que utilizam dessa luta, para conseguirem seus próprios objetivos.

Embora a discussão levantada pelo livro seja relevante e até dramática, a narrativa é construída em tom sarcástico, irônico, com a esperança que o leitor perceba o quão absurdas são as situações que acontecem. O humor impregnado é sútil, com a classe característica de Machado de Assis. Infelizmente, na época atual, acho difícil uma grande parcela conseguir perceber esse tipo de construção literária. Se bem que essa mesma parcela, que usa as redes sociais e defendem um governo sem propósito, pouco lê.

A minha primeira leitura de O ALIENISTA, aconteceu na época escolar. Na época, eu não compreendi nem metade da mensagem da história. Esse é um dos motivos pelos quais defendo que clássicos desse porte, não deveriam ter leitura obrigatória para adolescentes. A idade, a falta de experiência e maturidade, não permite, para a maioria, um entendimento do que é levantado. Clássicos deveriam ser lidos e estudados na faculdade, quando temos tempo e embasamento para discutir o que lemos.

A edição que tenho é de luxo, capa dura, com desenhos de Cândido Portinari. O mesmo aconteceu décadas atrás, em 1948, quando um outra edição especial, obviamente com as limitações da época, sem qualquer comparação com a atual, também usou aquarelas e desenhos feitos pelo artista. Esses detalhes trazem um toque muito bem-vindo ao livro e reforçam o quanto ele é especial. Se você tem receio quanto a clássicos, principalmente por temer uma narrativa complicada, com uma linguagem rebuscada, pode ficar tranquilo. A tradução e adaptação estão perfeitas e ajudam muito na leitura fluida. Aproveite!


AUTOR: Machado de ASSIS
EDITORA: Antofágica
PUBLICAÇÃO: 2019
PÁGINAS: 304


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