Finalmente chegou a sequência de uma das melhores leituras de 2018, MUNDO EM CAOS, e você pode ler a resenha aqui, publicada na época. Agora, A PERGUNTA E A RESPOSTA continua a aventura de Todd e Viola, os dois personagens principais, que passaram todo o primeiro livro, fugindo para não morrerem nas mãos do prefeito Prentiss.

Se você ainda não leu MUNDO EM CAOS, fique ciente de que o texto abaixo contém vários spoilers.

O Novo Mundo, um planeta colonizado para ser a nova Terra, trouxe um problema: todos os homens foram infectados por um germe, que transformou os pensamentos em um fluxo caótico e contínuo de sons e imagens, o que eles passaram a chamar de Ruído. As mulheres, entretanto, se mostraram imunes ao germe. Isso causou uma guerra, e todas elas foram mortas a mando do prefeito de uma das cidades construídas pelos colonos, Prentisstown. Mas existe uma outra cidade, Refúgio, onde há liberdade e onde há mulheres, muitas sobreviventes do massacre guiado por Prentiss. Todd e Viola acharam que estariam seguros nela, mas se enganaram. No fim do primeiro livro, Prentiss invade Refúgio e captura Todd e Viola.

Prentiss tem um plano. E esse plano é revelado aos poucos, durante a leitura, e só é concluído literalmente na última página. E esse plano se inicia com a separação de Todd e Viola. Todd fica sob a custódia de Davy, o filho de Prentiss. Os dois se tornam inseparáveis. Não pela amizade, mas pelos constantes trabalhos que Prentiss distribui para que eles realizem. Os dois se provocam, brigam, só que desenvolvem aquilo que achavam impossível, um respeito e uma ligação emocional.

Viola é enviada para uma casa de recuperação, onde mulheres curandeiras tratam de pessoas doentes ou feridas. Ela aprende o ofício de tratar e conhece a chefe dessas mulheres, Coyle, que foi uma das mulheres que enfrentou Prentiss no passado e sobreviveu. Ela é a líder de um grupo secreto da resistência, que se nomeia A Resposta. Logo no início, Coyle foge de Refúgio e recomeça ações de resistência, atacando a cidade com bombas estrategicamente colocadas para privar Prentiss de seus soldados e dos recursos que possui.

Então temos capítulos alternados entre os dois personagens: com Todd, acompanhamos a evolução de sua amizade com Davy, e acompanhamos a lavagem cerebral que Prentiss faz em Todd; já com Viola, acompanhamos uma evolução com relação a Viola deixar de ser passiva e se tornar uma mulher que precisa agir, enquanto ela também sobre uma pressão psicológica feita por Coyle para justificar os ataques que esta perpetua contra a cidade.

Enquanto a Resposta é a resistência, Prentiss constrói a Pergunta, uma onda que se eleva de forma secreta para enfrentar a Resposta. Enquanto a Resposta aposta no sucesso no uso de Viola como arma, a Pergunta faz o mesmo, mas com Todd. Assim, os dois antagonistas, Coyle e Prentiss, colocam os dois personagens principais, Viola e Todd, um contra o outro.

Felizmente, os dois se amam, respeitam e confiam mais neles do que Prentiss e Coyle poderiam imaginar. Viola e Todd criaram uma ligação que é impossível de quebrar. E esse laço é a força que eles possuem para conseguirem superar a violência psicológica que sofrem.

Prentiss e Coyle são antagonistas, mas ao mesmo tempo são iguais. Coyle aparece como a salvação contra a tirania de Prentiss, mas seus atos a colocam fora do papel de heroína. Ela considera que qualquer ato é justificável para libertar a cidade, mesmo que seja necessário matar muitos inocentes nesse caminho, mesmo que seja necessário sacrificar Viola. Já Prentiss vai muito além, ele não quer apenas retomar o total pode no Novo Mundo, ele quer uma guerra com os colonos da nave de Viola, que está para chegar, quer uma guerra com os sparkles, os seres nativos do planeta, ele quer uma guerra total e desproporcional. E no meio de tudo isso, estão Todd e Viola.

A PERGUNTA E A RESPOSTA consegue ser melhor do que o primeiro livro. A narrativa é mais direta, é mais ágil, mais dinâmica, e cheia de pequenas reviravoltas e surpresas que criam uma ansiedade crescente para se completar a leitura. Todd e Viola continuam personagens incríveis, com uma ligação muito bonita e fiel. Mais do que isso, é notável o crescimento que eles ganham, em termos de maturidade, distanciando os dois, daqueles jovens assustados e inseguros do início da história.

Também é muito interessante o jogo psicológico feito por Prentiss e Coyle. O leitor nunca sabe quem está falando a verdade, quais são as verdadeiras intenções, o que eles realmente pretendem. Até que é revelado e com isso vem o assombro, a indignação. E existem vários momentos desses durante a leitura. Alguns bem fortes, até.

Entretanto, nem tudo é positivo. Um problema do primeiro livro, era a repetição de situações de forma desnecessária. O autor melhorou nisso, mas nem tanto. Existem alguns trechos de interrogatórios perpetuados por Prentiss que são longos demais, expositivos demais. Em dois deles, beira o sadismo pelo excesso de tempo em terminar. E o mesmo acontece com o desenvolvimento da trama. Ela realmente não evolui em quase nada neste segundo volume. Todd e Viola começam capturados, há a expectativa para a chegada das naves com os novos colonos, e a coisa não sai disso. As páginas são preenchidas com perseguições, jogos psicológicos, mortes, e fica nisso. Continuamos aguardando as naves e os personagens continuam à mercê de Prentiss e Coyle. O que salva a leitura, é a qualidade da narrativa e o desenvolvimento dos personagens.

Um segundo problema, este totalmente dispensável, sem qualquer explicação lógica, é o surgimento de um personagem que flerta com o nascimento de um triângulo amoroso. Quando Viola se junta à Resposta, conhece um soldado por quem demonstra algum interesse romântico. Isso quebra qualquer credibilidade e expectativa de sua relação com Todd. Enquanto ela jura gostar dele, dar sua vida por ele, também fica admirando os músculos e o tronco do rapaz que conheceu, e isso sem conhecer qualquer detalhe da vida dele pessoal. O autor gasta mais de 1000 páginas (somando os dois livros) para construir uma relação que seja duradoura e inabalável, e ameaça destruir isso tudo por uma atração física mal colocada. Totalmente dispensável e causou uma enorme irritação por cair nesse clichê. Felizmente, parece que ele é abandonado ao final da leitura, e espero que realmente tenha sido no terceiro livro.

No fim, A PERGUNTA E A RESPOSTA melhora vários pontos do primeiro livro, expande os personagens, cria trechos de grande emoção, e prepara a história para uma conclusão que promete ser muito emocionante. Quanto à adaptação para o cinema, com Tom Holland (Todd) e Daisy Ridley (Viola), ela não é totalmente fiel ao livro, tem várias alterações para se enquadrar na duração de duas horas. Os efeitos especiais dos sparkles são muito fracos. Mas o Ruído é bem representado, embora cause um certo incômodo com o tempo, o que corresponde ao que os personagens sentem. Ou seja, o espectador sente o mesmo que os personagens. O Ruído é irritante!

Já os atores principais, eles, sim, estão praticamente iguais aos personagens. O unico senão seria a idade. No livro, Todd tem apenas 13 anos de idade, muito mais novo que Holland. E suas atitudes, também no livro, são bem imaturas, próprias da idade. O mesmo não acontece no filme, onde ele, por ser mais velho, não tem a mesma imaturidade. Acho que a mudança faz sentido. Um garoto de 13 anos de idade teria sérios problemas para conseguir enfrentar o que ele enfrenta no decorrer da história. Fica mais fácil de acreditar com alguém mais velho, além de que consegue criar um enlace romântico com Viola de forma mais natural.

Embora o enredo do filme compreenda apenas o primeiro volume, ele tem uma conclusão. Ou seja, a produtora não tem intenção de fazer uma continuação. Não sei dizer se essa conclusão é a mesma do terceiro e último volume, já lançado lá fora, mas ainda sem data de publicação no Brasil. Se for, está dentro do esperado, ou seja, não traz grandes surpresas. Pena que seria um spoiler imenso para quem ainda não leu. Mas faz parte. De qualquer forma, não perca essa trilogia e nem deixe de assistir ao filme. Vale muito a pena. Além de que as edições estão perfeitas, lindas, com muito capricho.

Ah, estava esquecendo de mencionar uma coisa. Eu li algumas pessoas reclamando dos erros de tradução, ortografia e gramática. Essas pessoas deveriam ler o prefácio, a primeira página do livro, onde o tradutor explica que manteve os erros propositais de Patrick Ness nas conversas e pensamentos de Todd, porque é uma característica do anafalbetismo do personagem. Então não são erros, mas uma decisão editorial de se manter fiel à obra original.


AUTOR: Patrick NESS
TRADUÇÃO: Edmundo BARREIROS
EDITORA: Intrínseca
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 528


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