O Hospital da Salpêtrière foi construído em Paris, no século XVII. Projetado inicialmente para abrigar pobres, mendigos e marginais, com o passar dos anos, seus ocupantes passaram a ser prostitutas, doentes mentais, principalmente criminosos insanos. Durante a Revolução Francesa, foi tomado pela multidão, que libertou as prostitutas e assassinou todos os outros ocupantes. Após a Revolução, Salpêtrière passou a ser um asilo e hospital psiquiátrico para mulheres, época em que se passa a história de O BAILE DAS LOUCAS. Vale ainda dizer que o local existe até os dias de hoje, como um centro hospitalar universitário, mais famoso por ser o local para onde foi levada, e onde faleceu, a Princesa Diana, após seu acidente de carro.

A história de Geneviève, Eugénie, Louise e Thérèse, quatro mulheres presas, de formas diferentes, dentro do Salpêtrière, em 1885, possui mais um personagem verídico além do hospital: Jean-Martin Charcot, médico e cientista francês que alcançou fama no terreno da psiquiatria e neurologia. Ele foi professor de alunos ilustres, como Sigmund Freud, Joseph Babinski, Pierre Janet, James Parkinson, entre outros. Charcot foi chefe e professor do Salpêtrière durante 20 anos, quando obteve fama através de palestras públicas semanais onde apresentava o tratamento de hipnose em mulheres histéricas. Existe um quadro famoso que retrata um desses momentos de Charcot.

O método de hipnose para tratamento foi considerado ineficaz ainda nessa época, uma vez que o problema retornava após alguns dias. Apesar da contribuição para a psiquiatria, os métodos de Charcot são contestados hoje em dia devido ao tratamento que dispensavam para as mulheres internadas no Salpêtrière. As demonstrações semanais eram expositivas, quando as mulheres eram desnudadas por funcionários do hospital. Charcot costumava fotografar as pacientes nuas para registros, sem consentimento das mesmas. Existem registros contundentes de abuso sexual durante todo o período de Charcot e que eram ignorados pelo mesmo, entre outas bárbaries. Após seu falecimento, a maioria das teorias de Charcot foram desacreditadas.

Salpêtrière não era usado apenas para aprisionar mulheres com algum tipo de distúrbio mental. Era usado também para aprisionar mulheres com qualquer comportamento que fosse desfavorável ao que seus familiares, esposos e a sociedade consideram inadequados. Muitas das internas eram mulheres saudáveis que resolveram enfrentar alguma situação que consideram injusta ou simplesmente desejaram viver como pessoas livres.

O BAILE DAS LOUCAS apresenta todos esses acontecimentos, violência, estupro, uma total indiferença pela mulher como ser humano. Não apenas dentro do Salpêtrière, mas na sociedade em geral. Louise e Thérèse são duas internas do Salpêtrière. Louise é uma jovem bonita que é usada na maioria das palestras de Charcot. Ela foi internada após sofrer anos de abuso do padrasto e acusada pela mãe de ser a responsável. Passou a apresentar sintomas de histeria, que Charcot trata com hipnose, mas sem um resultado permanente.

Thérèse é uma idosa manca que passa os dias no Salpêtrière tricotando cachecóis para as internas. Ela foi maltratada de todas as formas possíveis e é a única que se sente bem no hospital, ela se sente protegida da maldade do mundo dos homens, como ela mesma diz. É uma espécie de protetora das mulheres, por ser a mais velha, e deseja passar seus últimos momentos dentro daquele local.

Geneviève é a enfermeira responsável. Ela é uma mulher dedicada, decidida, firme no seu trabalho, mas com empatia e carinho pelas pacientes. Ela é a ponte de comunicação com Charcot. No passado, perdeu a irmã mais nova, de quem nutria grande amor, e abandonou a igreja devido a esse fato. Quando não está trabalhando, passa os dias cuidando do pai, e costuma escrever cartas para a irmã, narrando sua vida, para depois guardar em uma caixa.

Eugénie é uma jovem à frente de seu tempo. Ela deseja ser livre, poder ler o que desejar, conversar com quem se interessar, ter uma vida cheia de conhecimento e aventuras, ao invés de ser obrigada a se casar com um homem e ficar presa no cuidado de uma casa e de filhos. Mas o pai de Eugénie a reprime e a obriga a fazer suas vontades. Ele não aceita o comportamento rebelde da filha. Eugénie tem uma peculiaridade: ela consegue se comunicar com espíritos de pessoas mortas. Após ler O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec, sua mente se abre para o dom que possui. Mas o pai ao descobrir, a interna à força no Salpêtrière.

O Livro dos Espíritos é o primeiro livro da Codificação Espírita que contém os princípios do Espiritismo sobre a imortalidade da alma e a natureza dos espíritos com os homens. E o francês Allan Kardec foi um dos pioneiros na pesquisa científica dos fenômenos de mediunidade. Obviamente, em 1885, esse tipo de estudo e de capacidade era uma heresia, bruxaria, e condenado ao encarceramento.

Dentro do Salpêtrière, essas quatro mulheres criam um laço íntimo que se perdura de forma definitiva pela vida que lhes resta, cada uma à sua maneira e com as consequências das escolhas que fazem. Uma delas encontra seu destino, a razão de sua existência; outra recebe a tão desejada paz, mesmo que isso lhe custe a liberdade; e outras duas, viram vítimas da maldade de uma sociedade cruel e desumana.

O BAILE DAS LOUCAS retrata a forma como as mulheres eram tratadas mais de duzentos anos atrás. Muitos desses tratamentos persistem até os dias de hoje, por mais absurdo que isso possa parecer. Existem trechos belos, outros de embrulhar o estômago. Durante a leitura, eu me surpreendi com a sensibilidade da escrita e pela lucidez da narrativa quanto ao que cada uma das personagens considerava a maior dor. Em um primeiro momento, pode-se achar que o sofrimento mais profundo vem dos maus tratos físicos ou da humilhação pública ou mesmo do término da liberdade, mas os diálogos das personagens demonstram algo muito mais profundo, como a traição daqueles que elas amavam e em quem confiavam. É uma leitura rápida, poucas páginas, mas de uma intensidade perturbante e muito, muito recompensadora. O final é belo e triste ao mesmo tempo, mas deixa uma mensagem inspiradora de um futuro pelo qual vale a pena lutar.

No Amazon Prime estreou o filme baseado no livro. É uma produção francesa de luxo com grande elenco e muito cuidadosa com todos os aspectos históricos. O roteiro é bem fiel ao livro, com poucas alterações. Entretanto, principalmente no final, prefere ser mais leve e esconde algumas passagens mais pesadas. Mesmo assim, é uma excelente adaptação com interpretações espetaculares das duas atrizes principais, que interpretam Geneviève e Eugénie.

Meu conselho é que não deixe de ler O BAILE DAS LOUCAS e nem de assistir ao filme. Tenho certeza de que será uma experiência forte, que levará sua percepção sobre a vida para um novo patamar.


AUTORA: Victoria MAS
TRADUÇÃO: Carolina SELVATICI
EDITORA: Verus
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 210


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