Para Mila, encontrar seus amigos no intervalo da escola era o auge do seu dia. Mas as coisas começaram a ficar estranhas quando os garotos do basquete decidiram que queriam participar da reunião também. Quando um deles diz que é seu aniversário e pede um abraço de parabéns, Mila não consegue negar. Afinal, ele só está sendo amigável, não é? Mas o braço de Leo é mais demorado que o normal e, além disso, um pouco esquisito. Sua melhor amiga, Zara, acha que Mila só está sendo infantil, que ela não sabe a sorte que tem de estar recebendo atenção dos garotos.

Mas não é isso que Mila quer, e eles não a deixam em paz. Continuam pedindo abraços, passando a mão em seu cabelo, arrumando desculpas para tocar nela. No ônibus, nos corredores da escola ou durante os ensaios da banda, que costumavam ser o porto seguro da garota, eles parecem estar em todos os lugares.

Tendo certeza de que não pode falar com ninguém sobre o assunto e se sentido cada vez mais sozinha, Mila encontra refúgio em um novo lugar: as aulas de karatê. E, aos poucos, com a ajuda de uma colega de turma, ela aprende a se impor e novas maneiras de se defender.

Em DISSERAM SER SORTE, a personagem principal não sofre abusos físicos, não é estuprada, nenhuma agressão evidente. Entretanto, o assédio e o bullying se apresentam de diversas formas, e algumas dessas formas são psicológicas e podem criar um trauma tão profundo e permanente quanto algo físico. É sobre essa linha tênue entre o que aparente e o que é, que a história conversa.

A autora apresenta situações que ainda são consideradas normais nas escolas, como o toque físico que esbarra em partes que não devem ser tocadas sem permissão. Eu sou garoto, eu sei o que acontece nas rodas de conversas quando um dos meninos passa a mão no cabelo de uma colega, quando abraça a colega e sente os seios encostarem em seu tórax, quando aperta sua cintura ou mesmo quando passa a mão no braço dela apenas para sentir a pele. Isso é assédio, é abuso, é um comportamento que não deve ser tolerado e que deve ser denunciado, para que os adolescentes aprendam os limites da liberdade. Porque, sim, liberdade tem limites.

DISSERAM SER SORTE não apresenta os garotos como vilões, a autora tem a sabedoria e responsabilidade de não criar estereótipos bidimensionais. Eles são crianças que não aprenderam os limites, que são educados em casa, principalmente pelo pai, a enxergarem a mulher de uma maneira que não se permite mais. Por isso a importância da educação, de ensinar o respeito pela intimidade e pelo direito do outro.

O livro demonstra como os pais, muitas vezes, não estão preparados para essa conversa. Como os professores, em alguns casos, não sabem como agir. E como as garotas ficam confusas sobre o que sentem quando passam por momentos como esses, de abuso e assédio. E a história provoca essa discussão, joga para o leitor o quanto não se fala e o quanto é importante que se comece a falar.

Emocionante e inspirador, DISSERAM SER SORTE é uma história sobre encontrar a própria voz e reconhecer que, às vezes, uma “brincadeira” é muito mais que isso.


AUTORA: Barbara Dee
TRADUÇÃO: Isabela Sampaio
EDITORA: Alt
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 272


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