Não é fácil para Carrie ser a principal herdeira da família e carregar todas as expectativas que vêm junto com seu sobrenome. Para ser uma Sinclair perfeita, ela não deveria demonstrar emoções ― nem mesmo o sofrimento profundo pela morte recente de sua irmã caçula. Para ser uma Sinclair perfeita, deveria se submeter à cirurgia na mandíbula que seus pais insistem que ela faça, mesmo que isso lhe renda dolorosas semanas de recuperação ― e um vício em analgésicos. No verão de seus dezessete anos, a família vai para Beechwood, a ilha particular onde sempre passa as férias. Mas, dessa vez, há algo de diferente: entre os visitantes da ilha está Pfeff, um garoto que mexe com os sentimentos de Carrie. Mas esse relacionamento está longe de ser um conto de fadas.
FAMÍLIA DE MENTIROSOS acontece vinte e sete anos antes dos eventos narrados em MENTIROSOS. Para compreender a história não é necessário ler o primeiro livro, mas aconselho muito que você o faça, a experiência será muito melhor. Ainda mais que dois dos personagens principais, Carrie e Harris, recebem detalhes que complementam muito o que eles são em MENTIROSOS. Também recomendo que leia a resenha de MENTIROSOS antes de continuar. Tudo isso porque o texto abaixo contém vários spoilers do primeiro livro.
A história começa no que seria o presente, após a tragédia que acompanhamos em MENTIROSOS, quando Carrie conversa com o fantasma de seu filho, Johnny, na ilha da família. O garoto deseja conhecer melhor a mãe, saber como foi sua infância e adolescência na ilha da família. E se ela alguma vez, fez algo de errado. Carrie fez, e então conta para o filho como tudo aconteceu.
Carrie tem três irmãs: Penny, Bess e Rosemary, sendo esta última a mais nova. Rosemary morre afogada já nas primeiras páginas do livro. Esse evento traumatiza Carrie e toda a família. Mas apenas Carrie demonstra seus sentimentos. O restante dos Sinclair finge levar uma vida sem dor ou sem sentir a falta da caçula. Algum tempo depois da fatalidade, em um dos verões que a família passa na ilha, o fantasma de Rosemary aparece para Carrie e as duas começam conversas que tentam dar paz a cada uma delas, para que elas possam prosseguir seus caminhos.
Nesse ínterim, chegam à ilha alguns convidados, entre eles Pfeff, um garoto da mesma idade de Carrie, sedutor e cheio de vida. Os amigos de Pfeff alertam as garotas Sinclair para ficarem longe dele, porque ele não é uma pessoa confiável, mulherengo, infiel, mentiroso. Mesmo assim, Carrie não resiste e se aproxima cada vez mais dele, até que o inevitável acontece, e seu coração é despedaçado. Mas não é apenas o amor de Carrie que morre, alguém é assassinado. E a ilha atrai fantasmas, como é sabido, então logo as coisas se complicam ainda mais.
FAMÍLIA DE MENTIROSOS tem uma narrativa menos dramática que o primeiro livro. E também não apresenta um grande mistério, mesmo o assassinado. Assim que o mesmo acontece, ficamos sabendo quem é o criminoso e quais suas motivações. Ou melhor, parte delas. Acontece uma pequena reviravolta poucas páginas depois, mas nada muito surpreendente. Na verdade, essa revelação é importante pelo que ela agrega ao personagem que mata Pfeff e não ao fato em si.
O melhor da leitura nem sequer é esse evento trágico, mas sim a relação de Carrie com as irmãs, principalmente com Rosemary, e como sua posição dentro da família é transformada ao longo do tempo. Na sinopse é citado um procedimento cirúrgico na mandíbula, e não vou citar porque ele é importante, apenas comentar que ele explica muito quem é o patriarca da família, Harris.
Em MENTIROSOS percebemos a posição de ditador que Harris tem para manter sua família íntegra e unida, mesmo que apenas nas aparências. E neste livro, isso é ainda mais profundo. Harris toma decisões importantes e imorais para proteger os seus. Se no primeiro livro ficamos indecisos se ele ama ou não suas filhas, neste fica evidente que ele realmente as ama, do seu jeito, mas as ama acima de tudo.
Isso não é suficiente para aliviar a culpa de suas ações, nem mesmo as de Carrie. E ela toma decisões equivocadas, sérias, que afetam a vida de suas irmãs, de outras pessoas, e a sua própria de forma permanente. E é nesse ponto que o livro falha um pouco. A autora obtém sucesso em demonstrar que os Sinclair são unidos, mais pelos segredos que pelo nome ou pelo dinheiro. Eles são capazes de perpetuar qualquer ação para se protegerem. Entretanto, a autora não consegue transmitir o quanto isso é imoral e errado. Acontece uma certa romantização das escolhas que causam sofrimento aos outros, como se os Sinclair realmente estivessem acima da moralidade, das leis, das consequências, e que isso é certo, porque eles são assim.
Há maneiras de se escrever sobre determinados assuntos, acontecimentos que ferem o que é correto, mas sempre deixando evidente a mensagem de que é algo errado. Só que quando o autor acrescenta emoções, pensamentos e ações que justificam ou normalizam as incorreções, meio que passa a mensagem de que as coisas são assim mesmo e está tudo bem. Não está.
FAMÍLIA DE MENTIROSOS é um bom livro. Talvez desnecessário, o primeiro livro começa e termina de forma definitiva e satisfatória. O que ele acrescenta aos personagens, apenas confirma o que eles são e o motivo de agirem como agem. Ainda assim, gostei da leitura, gostei de voltar à ilha e aos seus fantasmas. E me deu muita vontade de fazer nova leitura de MENTIROSOS, apesar da dramaticidade da história e do quanto ela consome nossas emoções.
AVALIAÇÃO:
AUTOR: E. Lockhart TRADUÇÃO: Flávia Souto Maior EDITORA: Seguinte PUBLICAÇÃO: 2022 PÁGINAS: 336 |
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