A história de MENINAS SELVAGENS se passa na Escola Raxter para Meninas, que fica em uma ilha isolada. De um dia para o outro, uma estranha doença apareceu e se alastrou entre as estudantes, professoras e demais funcionárias. Dezoito meses depois, mais de metade das garotas morreram devido à Tox, nome dada para a doença. A escola está em quarentena e é abastecida através de mantimentos enviados do continente. Ninguém pode sair da ilha, até que se encontre uma cura ou vacina.

A Tox não é apenas uma doença que afeta a saúde, ela modifica o corpo de forma diferente de garota para garota. Pode criar chagas sangrentas, ossos expostos, erupções na pele, perda de membros, entre outras coisas terrivelmente dolorosas e que deixam a pessoa com uma aparência desesperadora. Pior ainda: a transformação não acontece de uma vez, mas em etapas, e cada uma delas de forma mais dolorosa, o que, muitas vezes, acaba levando à morte.

Hetty, Byatt e Reese são três melhores amigas, principalmente Hetty e Byatt. Na verdade, as duas estão apaixonadas. Entretanto, o pouco alimento que recebem, quase todo em péssimas condições, somado à incerteza de sobrevivência, à dor que a Tox causa, e a estranhas e mortais criaturas que vivem na ilha, cria um ambiente claustrofóbico, desesperador, que transforma as relações de passivas para intensamente violentas.

Em uma das transformações de Byatt, a menina quase morre, e é levada às pressas para a enfermaria. No dia seguinte, ela desaparece. Hetty fica desesperada para descobrir para onde a levaram, mas só obtém respostas evasivas da diretora da escola. Cansada de esperar, ela convence Reese a acompanhá-la numa fuga da escola pela ilha em busca de respostas.

Hetty, Byatt e Resse são amigas que têm a amizade e o amor, no caso de Hetty e Byatt, testados pelo desespero da situação que vivem. Nenhuma delas sabe até onde a Tox irá alterar seus corpos, e até onde elas conseguirão aguentar a dor que essa transformação causa. Ou seja, de um momento para o outro, uma poderá perder a outra para sempre. Vivem entre brigas por comida, enquanto procuram compreender o que acontece no continente, uma vez que não recebem notícias do avanço da doença por lá, ou mesmo o motivo de receberem tão poucos alimentos.

As três garotas possuem personalidades e comportamentos bem diferentes: Hetty é mais ativa, mais inquisidora, atrevida, ela não se mantém quieta e procura sempre por respostas, embora esteja sempre pronta para ajudar suas amigas e suas colegas; Byatt é mais paciente, mais compenetrada e resiliente. Ela parece aceitar a situação em que se encontra, ela é mais pessimista e não enxerga uma saída em curto espaço de tempo; já Reese é intempestiva, agressiva, impaciente, busca por respostas de onde está seu pai, que trabalhava na ilha e desapareceu quando a doença surgiu. Essa química entre as três é o que move o interesse pela história, uma vez que tudo o que acontece é centrado no que elas fazem.

A trama de MENINAS SELVAGENS não traz trechos de aventura, mas se concentra principalmente na relação das garotas, em uma descrição um pouco extensa demais para as transformações, chegando perto de abusar nos detalhes, causando um certo incômodo, e no mistério da Tox, de como ela surgiu e de como ela poderá ser tratada. Na verdade, acho que posso afirmar que a maior parte do livro é sobre como a doença afeta fisicamente cada uma das garotas. Esse excesso afetou um pouco a dinâmica e pode desanimar o leitor menos paciente.

Eu, particularmente, gostei do que li, apesar desse excesso, que por vezes me deu a impressão de um certo sadismo pelo sofrimento alheio. O que me conquistou foram as três garotas e a força que elas demonstram em se salvar, em ficarem juntas, uma fidelidade que é muito recompensadora. Eu já esperava por falta de respostas, e você, se for ler, também não crie expectativas quanto a isso, pois não obterá nenhuma. O que fica são suposições, pequenas insinuações quanto à origem da Tox e até mesmo se ela tem alguma finalidade escusa.

Outro alerta que preciso fazer é quanto ao que consta na capa do livro: “um terror feminista…”. MENINAS SELVAGENS não tem nada do gênero terror, mas apenas trechos altamente descritivos de mutações físicas. A história é sobre a amizade das três garotas e uma corrida contra o tempo para tentarem se salvar da Tox. Existem, sim, animais selvagens na ilha, mas nada acontece que cause algum medo. E quanto ao feminista, é um grande equívoco considerar que o amor entre duas garotas é base suficiente para designar a história como feminista. Seria o mesmo que considerar um livro machista por ter dois garotos como protagonistas em uma escola masculina. Acho que foi uma tentativa da editora em direcionar o livro para um público específico, mas ficou estranho e desnecessário, principalmente depois de finalizar a leitura e esta ser para qualquer público. MENINAS SELVAGENS é suficientemente bom para conseguir se sustentar sem precisar de uma falsa premissa de seu conteúdo.

Na verdade, eu dei uma lida em algumas resenhas no Skoob e o que encontrei foram vários textos de leitores que compraram achando que era uma coisa e encontraram outra, ou seja, se decepcionaram. Acho que a chamada para um conteúdo que não condiz com a história, pode afastar mais leitores do que conquistar. Mas, como disse, MENINAS SELVAGENS é um bom livro, com três excelentes personagens, que merece ter uma continuação com mais desenvolvimento. Eu indico a leitura para quem gosta de mistérios, de um romance leve entre duas garotas, entre a fidelidade de amizades construídas no meio do desespero da expectativa da morte. Só por isso já vale muito.


AUTORA: Rory POWER
TRADUÇÃO: Marcela FILIZOLA
EDITORA: Galera
PUBLICAÇÃO: 2020
PÁGINAS: 320


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