Red é uma guerreira da Agência, uma facção que trava batalhas contra o Jardim, a facção rival, em diferentes tempos e espaços para salvar sua existência. Após uma vitória, ainda no campo de batalha, no meio de corpos, sangue e destroços, Red encontra uma carta que contém um alerta: “Queime antes de ler”. Red considera ser uma armadilha, mas mesmo assim abre e lê seu conteúdo. A remetente se chama Blue, a guerreira rival, do Jardim, que deixa palavras provocativas para Red. Após ler, Red queima o papel, uma vez que qualquer comunicação, mesmo que não parta dela, não seria aceito pela Agência.
Apesar do risco, Red decide responder à provocação e também deixa uma carta para Blue, escondida em outro filamento do tempo, para que ninguém encontre, além de Blue. E assim, em sequência, as duas guerreiras trocam mensagens, inicialmente provocativas, depois contemplativas, confidentes, até que se descobrem apaixonadas e com suas vidas em risco, porque são de exércitos opostos, onde esse contato é visto como traição e a condenação é a morte.
É ASSIM QUE SE PERDE A GUERRA DO TEMPO é um romance sáfico inserido numa ficção científica, onde o tempo pode ser maleável e modificado de acordo com a vontade de cada uma das facções. A narrativa é linear, com capítulos que se intercalam entre o ponto de vista de Red, seguido da transcrição da carta de Blue; depois a narrativa de Blue, seguido da carta de Red. Os capítulos em primeira pessoa, de Red e Blue, evoluem a história e mostram como e onde cada batalha acontece. As duas guerreiras vão ao passado mais distante, como na época dos dinossauros, ou antes, bem como avançam para um futuro, onde o homem já deixou de ser como é. E não apenas na Terra, como em outros planetas e universos.
Mas quando penso em você, eu quero ficar sozinha junto. Eu quero lutar contra e a favor. Eu quero viver em contato. Quero ser um contexto para você, e que você seja para mim.
Alguns eventos são fáceis de identificar como parte da história que conhecemos, como a Roma antiga, a guerra napoleônica, a época de Gengis Khan, o nazismo, e assim por diante. Outros são novos, estranhos, em mundos criados inteiramente pela criatividade dos autores. Em todos eles, Red e Blue enfrentam perigos enormes, uma luta pela sobrevivência que, mesmo assim, não as deixa tão abaladas como o receio de não encontrarem as cartas que uma deixa para a outra depois que abandonam aquele filamento de tempo.
Já nos capítulos das cartas, acompanhamos como as duas vão, aos poucos, se apaixonando e trocando juras de amor. E é lindo, muito lindo, o que uma diz para a outra. É poesia pura, envolta na tristeza de não poderem se encontrar ou se tocar, de viverem sempre em tempos alternados, em uma batalha que cruza filamentos, sempre escondendo as correspondências com medo de serem descobertas. E a forma como trocam essas mensagens é sempre uma surpresa a mais. As palavras podem estar dentro de um peixe, no bater de asas de uma abelha, nas folhas de uma árvore, ou mesmo dentro de uma semente. E as duas sempre conseguem identificar um sinal de onde procurar.
Eu gosto de escrever para você. Eu gosto de ler você. Quando termino suas cartas, eu passo horas desvairadas em segredo compondo respostas, ponderando maneira de enviá-las. Eu consigo desencadear qualquer combinação química com uma frase cuidadosamente composta; uma fábrica dentro de mim produz qualquer droga que eu queira. Mas a sensação de ler e enviar não se compara a droga alguma.
Das duas, Red é a mais desconfiada, que está sempre alerta, com receio de que a Agência suspeite de Blue. Blue já é a mais resiliente, não tem medo de morrer, só tem medo de não poder mais trocar cartas com Red. É Red quem suspeita que alguém, ou algo, as observa, segue seus passos. Uma sombra que ela não consegue identificar, apenas sentir a presença. Red prepara armadilhas, mas a sombra parece saber seus passos com antecedência. E além dessa suspeita, a Agência e o Jardim não são fáceis de enganar. A movimentação de Red e Blue pelos filamentos do tempo é mapeada e é uma questão de ser mais atento para se perceber que esses filamentos se cruzam várias e várias vezes, sem uma real necessidade. E é assim que a Agência e o Jardim preparam uma armadilha.
Eu confesso que tive receio do que iria ler antes de começar É ASSIM QUE SE PERDE A GUERRA DO TEMPO. O romance entre duas garotas que deveriam ser inimigas é um prenúncio para a tragédia. Que o diga Romeu e Julieta, ou mesmo Simão e Teresa, de AMOR DE PERDIÇÃO, ou quase qualquer outro casal da literatura formado contra a vontade de quem é autoritário. Mas fui surpreendido. Claro que não vou comentar o final, mas ele é incrível, inteligente e utiliza de tudo o que foi narrado de forma espetacular, mudando até mesmo como encarar alguns acontecimentos, obrigando o leitor a retornar alguns capítulos para confirmar o que deixou escapar. Pode ler sem medo, você irá amar.
Eu te amo. Eu te amo. Eu te amo. Vou escrever nas ondas. Nos céus. No meu coração. Você nunca vai ver, mas vai saber. Eu serei todos os poetas, vou matar todos eles e tomar seus lugares um a um, e a toda vez que o amor for escrito, em todos os filamentos, será para você.
É ASSIM QUE SE PERDE A GUERRA DO TEMPO ganhou os três principais prêmios da ficção científica: o Nebula, o Hugo e o Locus. A história é uma prosa com alma de poesia, com duas personagens completamente apaixonadas e apaixonantes, tão diferentes entre si, não apenas no comportamento, mas na origem e na essência, mas, mesmo assim, nascidas uma para a outra, com um amor que rompe a barreira do tempo, das regras e da opressão. Uma demonstração de como é possível amar da forma mais pura e completa possível. Uma leitura que você não pode perder. Um dos livros da vida.
AUTORES: Amal EL-MOHTAR e Max GLADSTONE
TRADUÇÃO: Natalia Borges POLESSO
EDITORA: Suma
PUBLICAÇÃO: 2021
PÁGINAS: 192
COMPRAR: Amazon
Comecei lendo a resenha meio apreensiva. Não sabia do que se tratava e nunca imaginaria que o livro teria um enredo assim, com duas mulheres aparentemente fortes demais, mas cada uma em seu mundo, sua própria guerra.
E na troca de palavras, surge o amor. Realmente cheira a tragédia, mas também cheira a esperança.
Com toda certeza do mundo, já é um livro que quero muito ler e? Sentir!!!
Beijo
Eu li esse livro e jâ indiquei para meu grupo de leitura. Tenho lido várias resenhas dele, e a sua foi uma das poucas que o descreveu exatamente como eu vi: um livro apaixonante, delicioso de se ler. Eu amoo scifi, mas esse livro é um romance disfarçado. E que romance!! Meio bizarro e muito louco em alguns aspectos, com palavras rebuscadas ( tive que ir consultar o papai Google kkkk ) Como entender uma “apofenia de um arúspice”? kkkkkk E chego à conclusão que a história toda é uma grande metáfora da luta entre natureza ( Jardim) e tecnologia ( Agência). Que bom se as duas pudessem viver em harmonia!!….
Lúcia, esse é um dos livros mais sensíveis que já li. Amo ele demais! É bem isso que escreveu, uma alegoria à luta da natureza e da tecnologia. Mas também entre pessoas diferentes, com propósitos diferentes, algo que a maioria das pessoas não sabe lidar e gera disputas e guerras até hoje. Basta lembrar do oriente médio, por exemplo. É uma leitura cheia de significados que atinge uma vasta gama de pessoas. Incrível mesmo!