Os fãs de Star Trek divergem de opinião sobre a qualidade de muitos episódios. Mas tem um que é unânime: CIDADE À BEIRA DA ETERNIDADE é considerado por todos o melhor episódio de sempre, não apenas da série clássica, mas de qualquer série de Star Trek ou talvez de qualquer série de ficção-científica. Ganhou o Hugo Award de 1968 e foi escrito por Harlan Ellison, conhecido escritor e roteirista de dezenas de séries para a televisão, além de livros e quadrinhos da Marvel e DC.
Harlan Ellison tem publicado, somados, mais de 1.700 contos, novelas, roteiros, quadrinhos, ensaios e críticas. Ele foi responsável pela criação de Jarella, imperatriz que apareceu nas revistas mensais do Incrível Hulk e que fez parte de uma das melhores e mais aclamadas fases do gigante esmeralda. Stephen King, no seu livro TROCAS MACABRAS, coloca uma coletânea dos contos de Ellison, Strange Wine, como um dos melhores livros de terror já escritos.
Entretanto, Ellison era um homem temperamental, difícil de conviver, e totalmente convicto do que escrevia. Ele não aceitava que seus roteiros fossem alterados, e defendia o mesmo para qualquer roteirista. Mas Ellison não conhecia a essência de Star Trek, a sua história original de CIDADE À BEIRA DA ETERNIDADE não condizia com os personagens e nem com o conceito da série. Por isso, Gene Roddenberry pediu que o roteiro fosse adaptado para conseguir se encaixar. Ellison ficou furioso, reclamou, mas deixou seu nome nos créditos.
Anos mais tarde, em 1976, o roteiro original foi publicado como um livro, e em 2014, adaptado para os quadrinhos, com desenhos espetaculares de J. K. Woodward, que conseguiu transpor para o papel, todas as feições e emoções dos atores da série original. E também possibilitou aos fãs, finalmente, conhecerem como era a história originalmente criada por Ellison.
Mas, afinal, qual a história de CIDADE À BEIRA DA ETERNIDADE? Como esta é uma resenha da HQ, vou falar primeiro dela, que usa o roteiro original escrito por Ellison. E vou assumir que você tem algum conhecimento de Star Trek e seus personagens, seja da série clássica, seja dos filmes. Além de que o texto abaixo estará cheio de spoilers, afinal o episódio já foi exibido há mais de 50 anos, venceu o prazo.
Então, tudo começa com a Enterprise orbitando um planeta que emite uma energia temporal. Spock tenta descobrir a origem desse fenômeno. Entretanto, Beckwith é um tripulante da Enterprise que faz contrabando de narcóticos. Uma das transações dá errado e ele é flagrado tentando matar um colega. Beckwith foge para a superfície do planeta. Kirk e Spock, mais alguns seguranças, vão atrás de Beckwith e avistam uma cidade que parece existir em diversas realidades. Ao se aproximarem, encontram um portal que é guardado pelos Guardiões da Eternidade, seres que controlam e vigiam as diversas épocas de nossa realidade.
Enquanto Kirk e Spock conversam com os Guardiões, Beckwith aparece de surpresa e consegue entrar no portal, indo para algum ponto no passado da história da Terra. Kirk e Spock retornam para a Enterprise, mas descobrem que tudo mudou, a nave agora tem outro nome e é controlada por piratas espaciais. Ou seja, Beckwith, de alguma forma, alterou o passado e criou um futuro diferente, pior e bárbaro. Kirk e Spock conseguem fugir e retornar ao portal. Com a ajuda dos Guardiões, viajam para o passado, para antes da chegada de Beckwith, na tentativa de impedi-lo de alterar o tal evento que afetou a realidade.
Kirk e Spock vão parar na Terra, no final da década de 1930, pouco antes da Segunda Guerra Mundial. Após alguns apuros, eles acabam conhecendo Edith Keeler, uma assistente social que acredita em um mundo melhor. Spock descobre que ela é o ponto focal que muda o futuro, que no passado verdadeiro, ela deveria morrer em um acidente, mas Beckwith, de alguma forma, vai impedir que isso aconteça. Kirk se aproxima para descobrir qual a importância de Edith para a história, ao mesmo tempo em que aguarda a chegada de Beckwith. Mas, com o passar dos dia, os dois se apaixonam e Kirk começa a ter dúvidas do que precisa fazer.
Quando Kirk e Spock descobrem que Beckwith chegou, Spock avisa Kirk que Edith precisa morrer antes que aconteça o encontro dela com Beckwith. Eles discutem sobre se realmente precisam fazer isso, quando Edith atravessa uma rua e não vê a aproximação de um caminhão em alta velocidade. Beckwith está na calçada, do outro lado da rua onde estão Kirk e Spock. Quando Beckwith avança para salvar Edith de ser atropelada, Kirk fica imóvel, mas Spock reage e impede Beckwith. Edith morre e os três retornam ao futuro, agora restaurado. Beckwith tenta fugir novamente, entra no portal, mas desta vez vai para o fim do universo, onde morre.
Embora essa versão seja a original, ela realmente não se encaixa no universo de Star Trek. O roteiro que chegou à televisão e que se tornou oficial, possui mudanças importantes e que tornam a história ainda melhor. Nele, a Enterprise sofre abalos devido à onda temporal emitida do planeta e Sulu é ferido quando um equipamento explode. Quando McCoy vai administrar um medicamento forte, a nave sofre outro abalo, e McCoy injeta nele próprio, fica delirante, com surtos psicóticos, e foge para o planeta. Kirk e Spock vão atrás, encontram o portal, que é o Guardião da Eternidade, McCoy entra e modifica o passado. A Enterprise desaparece e o Guardião informa que a realidade foi alterada, que eles nunca existiram, mas estão protegidos pela proximidade ao portal. A única salvação, é tentarem encontrar McCoy antes que ele modifique o futuro.
Kirk e Spock entram no portal, conhecem Edith, que é uma pacifista, e Spock descobre que ela deveria morrer em um acidente, mas McCoy irá impedir isso, Edith levará suas ideia adiante e atrasará a entrada dos EUA na Segunda Guerra em dois anos, dando tempo à Alemanha Nazista de construir bombas que a ajudarão a vencer a guerra. Kirk também se apaixona por Edith, mas quando chega o fatídico dia, quando McCoy vai salvá-la do atropelamento, é Kirk quem o segura. A cena de Kirk impedindo McCoy, abraçando o amigo, e fechando os olhos, escondendo o rosto para não ver o atropelamento, é memorável, bem como sua expressão de dor, de sofrimento.
A escolha de Kirk e Spock em não salvar uma pessoa para impedir que milhões morram, abre discussões que podem não chegar a nenhum resultado. E essa é a genialidade da história. Você ter conhecimento do futuro, ganha o direito de poder decidir quem deve viver e quem deve morrer, dependendo do quão benéfico para a humanidade essa escolha possa ser? Você conhecendo a história, tem o direito de voltar ao passado e matar Hitler, ou Napoleão, ou Mussolini, ou qualquer outro ditador, quando ainda são crianças, para impedir que eles façam as atrocidades que irão fazer? Mas e se uma das pessoas que você salvar com esse ato, se tornar pior do que aquela que você matou? E se ela trouxer um maior sofrimento?
Eu, com certeza, prefiro a versão da televisão, ela faz justiça aos personagens, além de ser mais coerente e apresentar explicações que o roteiro original não dava. Mesmo assim, é interessante conhecer as ideias originais, e ainda mais apreciar os desenhos dessa HQ. E se você nunca assistiu a esse episódio, ele está disponível na Netflix, basta procurar por Star Trek Série Clássica, pelo episódio CIDADE À BEIRA DA ETERNIDADE. Mesmo que não acompanhe Star Trek, mesmo que não seja um fã da série, tenho certeza que você irá apreciar, porque se trata de uma ficção-científica universal, que trata sobre viagens no tempo, teoria do caos, realidades alternativas, escolhas morais, e, acima de tudo, o sacrifício de abrir mão do amor pelo bem ao próximo. Assista e depois volta aqui para me dizer se tenho ou não razão.
AUTOR: Harlan ELLISON, Scott TIPTON e David TIPTON
ILUSTRADOR: J. K. WOODWARD
TRADUÇÃO: Érico ASSIS
EDITORA: Mythos
PUBLICAÇÃO: 2016
PÁGINAS: 140
COMPRAR: Amazon
Que espetáculo de ilustrações. E oh, eu não sou fã de Star, não entendo nadinha desse universo, mas mesmo assim, entendo um pouquinho de admirar trabalhos bem feitos e como não tinha visto a Gn até agora, fiquei encantada, tanto que fiquei subindo e descendo a tela do pc só para admirar um pouco mais.
Vou tentar ver na tv alguma coisa, ao menos para tirar de vez, a mania besta que tenho de falar que não gosto rs
Beijo
Eu sou muito fã. Mas entendo você.