Sem nada para fazer no Mundo dos Shinigamis, o Deus da Morte Ryuk deixa cair intencionalmente na Terra o seu Death Note. O caderno possui poderes macabros: a pessoa que tem seu nome escrito nele, morre! O Death Note acaba indo parar na mão de Light Yagami. Aluno exemplar, porém entediado, aos descobrir os poderes sinistros do caderno negro, ele decide virar um justiceiro e varrer a criminalidade da face da Terra. As seguintes mortes de criminosos em vários países diferentes acabam chamando a atenção da Interpol, que, por sua vez, pede ajuda ao maior detetive do mundo, conhecido apenas por “L”, para resolver o caso. Inicia-se assim um frenético jogo de gato e rato entre Light e seu perseguidor implacável, enquanto Ryuk diverte-se com os acontecimentos que se desenrolam em decorrência do uso do Death Note.

MANGÁ

Desde sua publicação, entre 2003 e 2006, no Japão, o mangá DEATH NOTE criou uma legião de fãs e de subprodutos que encheram o mundo. Poucas coisas são tão fascinantes e tão desejadas quanto o poder. Mas, como diz o ditado: “O poder corrompe. O poder absoluto, corrompe absolutamente”. É sobre isso que trata o mangá.

Kira, ou Light Yagami, tem o poder sobre quem morre desde que encontrou o livro perdido de Ryuk, o shinigami, deus da morte. L, cujo nome ninguém conhece, tem o poder de toda a força policial do planeta. L usa sua inteligência e sua força policial para tentar descobrir quem é Kira e como ele mata os criminosos, enquanto Light usa sua inteligência para descobrir o nome de L e poder usar o caderno para matá-lo.

Por quase todos os volumes, os dois tentam e conseguem adivinhar os passos um do outro. Sempre que L está para chegar até Kira, Kira consegue escapar. Sempre que Kira está para descobrir o nome de L, algo acontece, e ele não consegue. Nesse meio, entram e morrem vários personagens, acontecem perseguições, armadilhas, planos mirabolantes, entre muitas outras coisas.

O ponto central de DEATH NOTE não é o caderno ou o shinigami, mas a personalidade forte de Light e L. Eles são antagonistas que não medem esforços para vencer a corrida. Não é apenas uma questão de sobrevivência e captura, mas de ego, de provar que um é superior ao outro. A diferença fica nos limites. Light não tem quase nenhum limite. L tem a moral do que é certo e do que precisa fazer para evitar mais mortes, mesmo que sejam de criminosos.

Outro ponto controverso é sobre a opinião pública. Quando os crimes diminuem em todo o planeta, porque quem pensa em cometer algo fora de lei, tem medo de ser morto por Kira, as pessoas começam a apoiar Kira, começam a vê-lo como um deus, já que ninguém está a salvo de ser punido por ele. Surgem cultos e programas de TV dando apoio aos seus atos. Mas em nenhum momento, o autor chega a sugerir que Light está certo em fazer o papel de juiz e carrasco. O autor demonstra como é fácil se deixar corromper, como é fácil as pessoas seguirem algo que não é correto, apenas porque se sentem mais seguras no ambiente em que vivem. E como é fácil elas mudarem de ideia.

Entretanto, na metade da história, acontece algo, uma perda, que tira muito do impacto da obra até então. Não vou dar pistas do que é, mas posso dizer que é uma derrapada feia, uma vez que a perda é substituída por algo semelhante, mas não tão forte ou carismático. Inclusive, a partir desse ponto, a inteligência que era empregada nos acontecimentos, diminui drasticamente e passa a ser forçada, a não ser tão natural, e a direção até o clímax, passa a ser previsível e com alguns furos que não existiam antes.

Felizmente, o que salva esse final são as últimas páginas. Conhecemos a surpresa que Ryuk guardava desde o início do mangá e que só esperava o momento certo para anunciar, a explosão da personalidade homicida e paranoica de Light, e a justiça nas mãos de seu algoz, ou talvez não exatamente nas mãos dele.

DEATH NOTE, apesar de ser complexo na forma como constrói a caçada a Kira, é um mangá imperdível que demonstra claramente vários aspectos da personalidade humana, bem como suas fraquezas e seus anseios pelo poder, pelo controle absoluto e pelo fascínio sobre a vida e a morte.

FILME

Quando a Netflix anunciou que faria uma versão de DEATH NOTE e quem seriam os atores, os fãs entraram em pânico. Muito dessa reação é descabida, porque não importa se os atores seriam todos ocidentais, se L seria negro, ou se a história seria passada apenas nos EUA, desde que ela fosse respeitada. Bem, infelizmente, nada foi respeitado. O filme da Netflix não é uma adaptação, mas foi apenas inspirado no mangá, ou seja, pegaram alguns detalhes, os nomes de alguns personagens, e construíram uma história diferente.

Quem nunca leu o mangá, pode até achar o filme legal. Talvez confuso. Certas coisas não são bem explicadas, outras são explicadas de forma que parecem ter sido inseridas apenas para resolver alguma questão. E outras, realmente não têm muito sentido, são furos de roteiro.

Também existe um problema de construção dos personagens. Light, no mangá, apesar de sua pretensa desculpa de que só mata os criminosos, é um assassino em série e nunca sente remorsos pelo que faz. No filme, tem momentos que o personagem também é assim, mas em outros, ele vira outra pessoa, com consciência e arrependimento, para no momento seguinte, voltar a ser o assassino frio.

Outro problema, é que tanto Light, quanto L, não possuem nem 10% da inteligência de suas contrapartes no mangá. No filme, ambos cometem atos sem qualquer fundamento e deixam escapar detalhes que qualquer pessoa de inteligência média não deixaria. As personalidades dos dois não dá sequer para comparar. São dois personagens extremamente fortes no mangá, que, no filme, foram reduzidos a um assassino mirim e a um policial egocêntrico.

Ryuk foi atingido pelo mesmo problema. No mangá, ele obedece e nunca critica Light. Ele não manipula e nem interfere em nenhuma situação. Ele é apenas um observador, alguém que informa o dono do Death Note das regras e que adora comer uma maçã. O poder está no caderno. No filme, ele manipula as situações, ele tem planos, ele não gosta de Light.

Agora, nenhum personagem foi tão modificado quanto Misa (Mia, no filme). Não existe nada, absolutamente nada da Misa no filme. No mangá, ela fica fascinada por Kira depois que ele mata os assassinos dos seus pais. Ela vê nele um justiceiro. E quando conhece ele pessoalmente, se apaixona. Ela faz qualquer coisa por Light, ela é fiel acima de tudo. Já no filme, Misa vira uma psicopata assassina que só gosta dela mesma.

Quanto à parte técnica, ela segue a mesma qualidade dos filmes da Netflix. Ryuk está bem bizarro, mas poderia ter ficado melhor. Em diversos momentos, é visível a fantasia, os efeitos gráficos do rosto não convencem e, por isso, não assustam.

As atuações são fracas, não conferem nenhuma força aos personagens e, em alguns momentos, beiram a comicidade. A voz de Ryuk combinou. É macabra o suficiente. É a única coisa em que acertaram. Em resumo, DEATH NOTE é um filme para quem nunca leu o mangá. Talvez você consiga gostar. Quem leu, fuja correndo! Ou procure um Deth Note e escreva Netflix nele!

POLÊMICA

O programa Domingo Espetacular, da Rede Record, apresentou recentemente uma matéria sobre o perigo da exposição de material violento a crianças e adolescentes. Para ilustrar, resolveram usar o mangá DEATH NOTE como exemplo de algo que pode afetar a saúde mental de quem consome. Sim, é isso mesmo.

A reportagem afirma que não há restrição à venda do mangá ou dos produtos derivados, sendo que DEATH NOTE, em qualquer formato de mídia, ou seja, como anime, mangá, série ou filme, possui o aviso de ser um produto para maiores de 16 ou 18 anos. Então existe, sim, uma restrição oficial e dentro da lei. Se uma criança assiste ou lê, o problema são os pais, que não acompanham ou mesmo se importam, a não ser quando assistem uma matéria tendenciosa ou leem algo no grupo de Whatsapp. O que a emissora parece passar, é a existência de uma censura quanto ao que a emissora acha que deve ou não ser consumido. E esse desejo de censura fica mais evidente, quando usam a China como exemplo de país que censurou o mangá, entre centenas de outras obras. Um país controlado pelo autoritarismo, sem liberdade, e onde o estado é absoluto sobre a população.

Um detalhe é que DEATH NOTE não é recente, mas data de vários anos e há muito tempo que não é assunto nas redes sociais ou mesmo produto de consumo. Aliás, se tentar encontrar o mangá para comprar, terá dificuldades, exatamente porque é uma publicação antiga. A sensação que a matéria da Record transmite, é que alguma pessoa da emissora, procurou por alguma polêmica para tentar conseguir audiência, esbarrou no mangá ou anime ou filme, e decidiu que seria uma oportunidade de criar polêmica. É o que acontece quando uma emissora não consegue ser competente em criar conteúdo relevante e atual.

A matéria informa que a indústria do entretenimento abraçou a finalidade de vender produtos violentos, com a morte como tema principal, e provocar cada vez mais angústia, solidão e depressão nas pessoas, como um vício, um ciclo de dependência de conteúdo. É um raciocínio parecido com algo que alguns dos apresentadores dos programas da emissora defendem, como terraplanismo e vacina com chip interno.

Em outro momento, a matéria descreve a venda de cadernos que imitam o formato usado em DEATH NOTE. São cadernos normais, óbvio, com a capa igual ao mangá, folhas brancas, como qualquer outro caderno com desenho de heróis ou vilões. A matéria se escandaliza com alguns adolescentes que escreveram os nomes de colegas e mesmo dos pais nos seus cadernos. Penso que nenhum deles irá morrer por conta disso. Entretanto, a reportagem não segue o raciocínio lógico de se perguntar por qual motivo esses adolescentes escreveram os nomes, mas assume a posição de que esses adolescentes tiveram a indução do mangá em desejar a morte de pessoas.

Se a reportagem fosse competente, teria se debruçado sobre a real causa. O fato desses adolescentes usarem um caderno como forma de extravasar uma angústia, um desejo, deveria indicar que precisa ser feita uma investigação sobre o que eles estão sofrendo das pessoas cujos nomes eles escreveram. Se foi o nome dos pais, porque essas crianças se sentem assim em relação a eles? Estariam sofrendo abuso? Se era o nome de colegas, estariam sofrendo bullying na escola? Mas a Record prefere transferir a culpa para uma história ficcional e ignorar o que realmente é danoso em milhares de lares pelo país. Chegam a induzir que o mangá pode provocar o desejo de adolescentes em cometerem assassinatos, massacres nos colégios, sem qualquer fundamento psicológico, usando apenas do próprio achismo para servir como fonte confiável.

A matéria é tão absurda, incopetente e insensível, que em determinado momento, quando entrevista a mãe de uma criança, a mãe afirma que sentiu vontade de devolver a filha para o pai, abandonar a guarda da criança. Por isso, é fácil perceber como é a relação dessa mãe com a menina. E também fica bastante evidente o motivo da menina se sentir compelida a escrever o nome da mãe no caderno, como um desabafo para os evidentes problemas que ela deve enfrentar na convivência diária dentro de casa.

Isso, sim, deveria ter uma reportagem série, profissional, bem feita.


AUTOR: Tsugumi OHBA
ILUSTRADOR: Takeshi OBATA
TRADUÇÃO: Rica SAKATA
EDITORA: JBC
PUBLICAÇÃO: 2007
PÁGINAS: 200, 7 volumes

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