Vocês já consideraram a importância de nós cairmos, seja quando pequenos ou já mais velhos? Pensaram no valor de nos machucarmos, ralarmos as pernas e os braços, depois sararmos – e até mesmo no prazer culpado de tirarmos as casquinhas dos ferimentos já cicatrizados? Ou então na relevância dos dias de chuva, dias estressantes e com excesso de guarda-chuva e o mínimo de luz do sol?

Obsidiana é uma das protagonistas de A ILUSÃO DO TEMPO. Filha de um rei que a mimava e superprotegia, vemos o seu progresso em um mundo em que ninguém lhe podia negar nada, em que todas as quinas foram protegidas para que a princesa não se cortasse, em que uma arca que para o tempo fora criada para protegê-la dos dias ruins, dias de tempestades ou sem eventos de grande repercussão, só deixando-a viver nos dias bons.

Não parece tão ruim, dito assim, certo? Nunca nos ferirmos, vivermos só dias maravilhosos, prolongarmos nossas vidas pela eternidade, se quisermos. Poderíamos retardar o inadiável, poderíamos nos congelar hoje e acordar só daqui a uns meses, uns anos, umas décadas. Entretanto, perderíamos um ensinamento há muito aprendido, um ensinamento que vem desde nossa infância – machucados se curam; nossa pele se renova e nós nos renovamos; nós podemos recomeçar. E deixaríamos de compreender o significado dos dias ruins entre os bons – deixaríamos de significar o que almejamos, o que amamos; deixaríamos de ver quanto vale alguma coisa. Não mudaríamos nada, apenas… procrastinaríamos, esperaríamos que alguém fizesse diferente, se ocupasse do difícil.

A ILUSÃO DO TEMPO é lindo e assustador: ele é um conto de fadas, uma ficção, e sei que não é real… contudo, soa terrivelmente familiar. Ele retrata com sagacidade impressionante e com alusões simples questões profundas e devastadoras em sua imensidão. O autor conseguiu aliar fatos verídicos com fantasia, a ganância real dos seres humanos com a potência exacerbada que um livro pode oferecer.

Fiquei surpresa com o que Magnason criou. Com pinceladas de ensinamentos que muitos levam uma vida inteira para vislumbrar, ele escreveu algo que pode ser lido por todos, de qualquer idade; é um encanto acompanhar a história de Obsidiana, desde antes de ela ser fecundada até muito depois. Com ela e mais um punhado de personagens, questionamos a ambição dos homens, os nossos valores e costumes, e o que mais me fez sofrer: a mania da humanidade de aguardar pela transformação, mesmo que tenhamos a chance de iniciá-la nós mesmos.

Com uma narração poética e emocionante (sim, eu chorei, mas sou a famosa manteiga derretida, então vai de vocês julgar quão válidas são minhas lágrimas), personagens excruciantes e imperfeitos, e uma ressignificação variada que o leitor faz a cada página, tenho 320 motivos para indicar esta leitura. Com uma edição deslumbrante e uma capa que não pode ser descrita como outra coisa senão mágica (fiquei pelo menos cinco minutos observando-a e absorvendo detalhe por detalhe), A ILUSÃO DO TEMPO disseca nossos maiores defeitos e distribui novas lições.

É o tipo de livro que teria feito minha infância e que me imaginei lendo para meus filhos, um dia. É como tirar a casquinha de um machucado: você relembra como se feriu, como doeu e como sangrou… e visualiza como você se curou, por mais tempo que tenha levado. Logo, você se arrisca ao puxar a casca – que pode parecer até meio repugnante e feia, mas é feita de você; é uma coisa que tem que sair do seu corpo, seja agora ou mais tarde. E então vê a pele novinha, pronta para um recomeço, leve e macia.

É uma leitura que dá esperança, dá alegria, basta você levantar a ponta da casquinha – ou abrir a primeira página do livro. Vale a pena.

Obs.: Resenha escrita pela Layla (@laylafromthebooks), em 2018, e só publicada agora por culpa do editor do blog, que esqueceu de publicar.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Andri Snaer MAGNASON é um ambientalista e premiado autor islandês publicado em mais de 30 países. Já escreveu diversas peças de teatro, poesias, ensaios, romances e estórias curtas. Recebeu uma citação especial no Philip K. Dick Award e ganhou diversos
prêmios, incluindo o Grand Prix de L’Imaginaire para romance estrangeiro. Seu premiado documentário Dreamland fez parte da aclamada produção
Inside Job, ganhadora do Oscar. Em 2016, concorreu à Presidência da Islândia.
TRADUÇÃO: Suzannah ALMEIDA
EDITORA: Morro Branco
PUBLICAÇÃO: 2017
PÁGINAS: 320


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