Embora seja argentino, Julio Cortázar nasceu na embaixada da Argentina em Ixelles, um pequeno distrito de Bruxelas, na Bélgica, e só conheceu seu país aos três anos de idade. Na infância sempre foi um menino triste, doente, e passava os dias na cama, lendo livros, o que combina com suas características na escrita, ainda mais que a maioria dos seus contos são autobiográficos.
Aos 37 anos, em 1951, Cortázar saiu da Argentina, por ser contra a ditadura existente no país, e foi morar em Paris, na França, uma vez que havia recebido uma bolsa de estudos para um período de dez meses de estudo, mas acabou por ficar de forma permanente no país. Mas apesar de seu posicionamento político, ele nunca teve uma definição partidária, tanto que na época da Guerra Fria, a CIA o considerava comunista, enquanto a KGB o considerava suspeito de ligações com a CIA.
Cortázar é considerado um dos autores mais inovadores e originais da sua época, inaugurou uma nova forma de literatura na América Latina, e seu livro mais famoso é O JOGO DA AMARELINHA, uma obra que permite mais de uma leitura em sequências diferentes. E como é isso? Bem, o leitor pode seguir a ordem normal, ou seja, um capítulo após o outro; ou então pode seguir a ordem definida no fim de cada capítulo, onde existe um pequeno apontamento de qual é o seguinte, ou seja, o tal pulo igual ao do jogo da amarelinha.
A narrativa é uma mistura de primeira com terceira pessoa, dependendo do capítulo, fica difícil, ou mesmo impossível, precisar quem está contando a história. Com o passar das páginas, isso acaba por não importar muito, uma vez que o ponto central são as divagações filosóficas e as relações do personagem principal, Horácio Oliveira, com sua paixão em Paris, a bela Maga, e anos depois, de volta à Argentina, a relação com seu amigo Traveler e a namorada, Talita.
A forma como o autor descreve os acontecimentos e suas divagações filosóficas, sempre regadas com muitas referências, algumas incompreensíveis para o leitor comum, a não ser que realize uma pesquisa na Internet, é o grande diferencial da obra e o que a coloca em um patamar de clássico. Dividido em três partes, “Do lado de lá”, que compreende a época de Horácio em París; “Do lado e cá”, quando ele regressa à sua pátria; e “De outros lados”, um complemento das duas primeiras partes, a história, se não seguida da forma convencional, é uma viagem de mistura de estilos, com textos que se misturam, como uma tempestade de ideias, que em um primeiro momento parecem desconectadas, mas que revelam uma profundidade sem igual.
Entretanto, toda as disparidade de ideais, criam uma montanha russa de qualidade, com capítulos muito bons, e outros nem tanto. Inclusive, a terceira parte, “De outros lados”, é também nomeada de “capítulos prescindíveis”, uma vez que a história termina na segunda parte. Se o leitor seguir a ordem apresentada no fim de cada capítulo, ou seja, dar seus saltos, será levado constantemente para os capítulos dessa terceira parte, que no fim servem apenas para completar o raciocínio do autor sobre determinados assuntos, mas que acabam por não acrescentar nada de novo aos acontecimentos, não modificam nada, e isso, para a maioria, pode ser maçante, apesar de bastante instrutivo.
Agora, se o leitor encarar a obra como o que ela é, ou seja, uma narrativa detalhada sobre a paixão, não apenas entre um homem e uma mulher, mas pela vida, pela filosofia, pela literatura, pela política, e por tantas outras coisas, irá apreciar o jogo de palavras, as frases extremamente bem construídas, que em muitas partes são o que mais perto existe entre a prosa e a poesia.
…enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.
Apesar de toda a qualidade como escritor, preciso referenciar aquilo que era comum e considerado aceitável para a época, ou seja, a subvalorização do sexo feminino. Sim, Cortázar era o estereótipo do machista argentino, a tal ponto que considerava a leitura sequencial dos capítulos de seu livro, como uma característica feminina, por serem mais simples, por não forçarem o raciocínio da leitura. Coisa semelhante acontece com as duas personagens femininas, Maga e Talita, que são sempre retratadas como pessoas incapazes do mesmo raciocínio ou da mesma profundidade intelectual dos homens.
Esse comportamento do autor rendeu várias discussões, e até mesmo um reconhecimento posterior de que realmente ele havia carregado no machismo. Entretanto, e apesar disso, devido à época, onde ta comportamento era comum em outras obras menos conhecidas, ou mesmo reconhecidas, cabe ao leitor saber separar a criatura da criação, ou não.
A edição tem um projeto gráfico brilhante, lindo, com cores em quadrados que se misturam, tanto na capa, como nas lombadas das páginas do miolo. Também vem com três artigos críticos escritos por diferentes profissionais, que ajudam o leitor a compreender quem foi Cortázar e a profundidade psicológica da história, apesar da linguagem utilizada seja mais acadêmica do que o desejado. De qualquer forma, se você tiver paciência e interesse para conhecer um pouco mais, acredito que vale a leitura.
AVALIAÇAO:
AUTOR: Julio CORTÁZAR
TRADUÇAO: Eric NEPOMUCENO
EDITORA: Companhia das Letras
PUBLICAÇAO: 2019
PÁGINAS: 592
COMPRAR: Amazon
Que interessante!!! Se fosse ler O Jogo da Amarelinha, faria a leitura seguindo as indicações do autor.
Um livro com ares de autobiografia ou um tratado filosófico sobre a vida, o Amor e seus percalços? No fim das contas não importar classificar o livro e sim mergulhar de cabeça na leitura.
É isso mesmo!
Esse tipo de leitura pulada á astanrte comum em livros de aventura!! Nunca tinha visto em outros tipos de lviro!! Apesar disso eu não acho que eu leria, pois achei meio confuso essa história de ficar trocando tempo verbal do narrador!
Livros de aventura e quadrinhos, até mesmo em séries de TV, como aquela da Netflix.
Eu acredito que ler uma obra deste nível seja coisa que poucos entenderão de fato. Aquela coisinha que sempre penso sobre determinado autor ou autora só se encaixarem em leitores que tem a mente aberta.
Pode não agradar a todos e confesso que não sei ao certo se gostaria de tal coisa, até pela confusão da minha própria cabeça em seguir roteiros..rs
Mas também penso que tudo que nos tira do eixo seja válido demais e gosto demais do novo, do que não conheço e adorei isso de poder ter a possibilidade de pular capítulos, seguir uma trilha como um jogo de verdade.
Pelo que pude entender(posso estar errada) o importante é a gama de sentimentos que vão surgindo em cada capítulo, em cada situação, parece que os personagens são meros coadjuvantes!
Por isso, já quero sim, ao menos,tentar ler e entender!!!
Beijo
Sim, é uma leitura para poucos. É uma história que precisa ser sentida, mais do que compreendida.
É um livro muito lindo, edição impecável. A leitura realmente é para poucos pois não são todos que se identificam. A ideia de ir pulando capítulos, como num jogo me chamou atenção, eu daria uma chance a este livro (mesmo sendo fora do meu perfil de leitura).
Faz bem em dar uma chance!
Olá! Acho que esse é aquele tipo de livro que é preciso o momento certo para realizar a leitura e assim não estragar uma experiência tão diferente. Confesso que a principio estava torcendo o nariz para o enredo, mas conforme fui conhecendo um pouco mais da história bateu aquela curiosidade em saber mais sobre e esse jeito tão peculiar de fazer a leitura.
O principal é ler sem pressa…
Olá Carl!
A obra evidentemente chama atenção pela forma diferente de constituição da história, a qual parece ser extremamente carregada de subjetividade, uma característica que antecipa a lentidão da leitura e até uma dificuldade de compreensão. Confesso que o machismo do autor me incomodaria totalmente na hora de ler a obra, pois o tipo de caracterização que Cortázar atribui a Maga e Talita é algo que estamos a todo o custo tentando desenraizar do mundo contemporâneo.
Beijos.
Sim, também fiquei um pouco incomodado.
Olá Carl!
Eu acho muito bacana essas formas alternativas de leitura, é algo que torna o livro muito versátil e inovador. Para nós, leitores contemporâneos, pode ser um pouco difícil aceitar a visão do autor, mas não acho que isso seja desculpa suficiente para recusar a leitura. É fato que a trama é bem desafiadora, com tantas reflexões filosóficas, algo que foge um pouco da zona de conforto mas que pose trazer muito conhecimento.
Beijos
Viver na mesmice não evolui ninguém 😉
Achei sensacional esse jogo na leitura. Levar o leitor à dar um salto na leitura dos capítulos é algo novo para mim. Nunca tinha visto um autor fazendo isso.
Eu também achei a capa lindíssima. Essa continuidade dada na lombada das páginas é tão bonita.
Confesso que a história em sim não me chamou tanta atenção.
O que me chamou mais atenção foi esse jogo e a parte estética do livro.
Olá Carl 😉
Esse design do livro está lindo, a editora caprichou nessa edição!
Achei bem interessante esses opções de leitura, e como o título do livro tem haver com isso.
Uma pena que o autor usou de uma narrativa machista assim, mas consigo entender que é devido à época em que ele viveu. Não gosto disso, e confesso que não sei se saberia separar a “criatura da criação”, como você disse.
Achei legal essa forma de ler, porém, bem complexa, acho que eu não ia entender muito bem não! kkkk
Porém, parece trazer alguns textos bacanas, reflexivos. E é uma pena né ter alguns machistas, o que já perde pontos comigo.
Enfim, achei mais ou menos, não me interessou muito, mas se eu tiver a oportunidade, posso dar uma chance pare esta leitura.
bjs
Aaah esse livro! Assim que o postou eu fiquei apaixonada, já está na minha lista de compras do próximo mês. Ele é muito bonito e eu gosto de interações diferentes em livros, isso torna a leitura mais interessante.
Eu não conhecia o autor, mas vou procurar mais sobre o quê ele escreve, pois preciso ler gêneros e autores novos.
Oi, Carl
Gostei muito da capa linda, que chama bem atenção.
Se um dia tiver oportunidade para ler claro que seguiria como o autor indica, saltos de capítulos, bem inovador. Uma pena ele ser machista.
É uma leitura que demanda tempo e compreensão para digerir o que estamos lendo.
Beijos
Oi, Carl!!
Parece ser um livro bem interessante, sem dúvida também de difícil compreensão mas gostaria muito de ter oportunidade de ler O jogo da amarelinha.
Bjs