Que a Rússia é o maior país do mundo em extensão e que sediou a Copa do Mundo 2018, você provavelmente já sabia, mas você já ouviu falar nos Románov? Essa família, simplesmente, governou a Rússia por mais de 300 anos e transformou um agrário país europeu em um império continental que mudou a história do mundo. Prepare-se para ser jogado(a) no meio de várias guerras e problemas, porque governar esse país não é para qualquer um, vamos lá!

O livro acompanha toda a formação da dinastia Románov, que acabou chegando ao poder num dos piores períodos da história russa. Depois do péssimo governo de Ivã, o Terrível, que, sozinho, mergulhou o país em guerras e miséria, o povo ansiava por novos governantes, sensatos se possível. Um conselho foi reunido e lá foi decido que um menino chamado Miguel Románov seria o tsar da Rússia (tsar ou czar era o título dado ao imperador) e que seus descendentes iriam governar o império de geração a geração.

Se você gosta da série de tv GAME OF THRONES ou se já leu o livro que inspirou a série, vai se sentir em casa aqui. Acredite ou não, mas a trama é basicamente a mesma. Um trono desejado por muitos, um enorme império, intenso jogo de luxúria e poder em um mundo rico e ao mesmo tempo pobre, recheado de barbaridades e carnificina. A diferença fica por ser uma história real. Enquanto o leitor acompanha toda a formação de um império, ele se depara com uma visão extraordinária sobre o real significado da autocracia, forma de governo onde o total poder está nas mãos de uma pessoa.

O autor se mostra um mestre no assunto e conduz toda a gigante trama com muitos detalhes e uma agilidade digna de palmas. O livro é gigante, quase mil páginas, mas o tédio passa longe. Os capítulos são cronológicos e bem distribuídos, não levam muito tempo, e a leitura pode ser apreciada por qualquer pessoa, mesmo aquela que não tem nenhum ou pouco conhecimento prévio sobre o tema. Passamos por quase todos os momentos importantes que sacudiram a Europa. O destaque vai para o arco das Guerras Napoleônicas, que pelas mãos de Alexandre I, imperador da Rússia, livrou seu país da ameaça e queda quase certa, levando seu exército em uma marcha histórica de Moscou até Paris.

Se alguma vez você já se perguntou o porquê da Rússia ser tão grande, a resposta finalmente vai estar nas suas mãos. O livro acompanha um excelente mapa, onde é possível observar toda a expansão do império, fora a riqueza dos detalhes presentes nas páginas. Passamos pela conquista da Polônia, Crimeia e Ucrânia, onde podemos observar o início de uma inimizade política que dura até hoje. A maioria das tensões que a Rússia tem, atualmente, com esses territórios, tiveram início durante o reinado dos imperadores, sendo até engraçado notar que, em determinada, época, era a Rússia que sofria nas mãos dos poloneses, e hoje em dia é absolutamente o contrário.

E não foram só homens que governaram o império russo, várias mulheres também tiveram o poder em suas mãos, como ,talvez a mais famosa, Catarina, A Grande. Como nos dias de hoje, o sexo sempre se entrelaça com o poder, e eu te desafio a achar algum governante presente nesse livro que não teve uma ou várias amantes. Surreal acompanhar esses casos tórridos digno de novelas, cheios de desejo e luxuria, atrelados, obviamente, com a hipocrisia, já que os imperadores julgavam a todos, diziam-se defensores da fé ao mesmo tempo em que faziam besteiras no mesmo ritmo em que respiravam. Depois do poder e do sexo, só faltava a brutalidade. Com alguns governantes realmente dignos do título de psicopatas, sendo essas partes talvez as mais incomodas do texto, com detalhes enormes sobre as mais bárbaras formas de torturas impostas a criminosos ou a inimigos do império, na maioria das vezes judeus.

E o final disso tudo, você conhece, mesmo que não saiba dos detalhes. Em algum momento dessa grande confusão, o comunismo surgiu. Nas mãos de Nicolau II, talvez um dos imperadores mais conhecidos da história, o governante enterrou seu país na Primeira Guerra Mundial, tomou uma série de decisões erradas, que culminaram em revoltas populares, e em seguida resultou na sua posterior abdicação, inserindo um ponto final em 300 anos de poder. O seu governo é um dos mais detalhados no livro e todo o seu relacionamento com sua família toca muito o leitor. O texto não pede para nós escolhermos um lado da moeda, mas fica impossível não se sensibilizar tanto para o bem quanto para o mal.

À primeira vista, pode parecer assustador devido à sua enorme extensão, mas garanto que você será fisgado(a) logo na excelente introdução do livro, que informa e cativa o leitor antes mesmo de começarmos. O texto também é recheado de fotografias de todos os personagens e até mesmo o registro do que pode ter sido a primeira “selfie” da história, feita pela princesa Anastásia, mundialmente conhecida pelas lendas de sua sobrevivência e pelo agradável filme animado da Fox, lançado em 1997.

Teve governante que era louco, teve psicopata, teve fanático por sexo, teve um que controlava até mesmo as roupas dos súditos e teve pelo menos um que realmente foi treinado para esse cargo, que parece amaldiçoado. No livro, você vai encontrar de tudo, vai saber de coisas que nem imaginava que poderiam existir, e vai desbravar os mistérios desse que já foi o maior império do mundo. E no final, vai perceber que os jogadores mudaram, mas o jogo permanece o mesmo. Mais do que um livro de história, serve para entendermos como o mundo funciona nos dias de hoje. Uma leitura importante e fascinante.

E para completar, que tal conhecerem algumas curiosidades sobre os Románov?

DEZ CURIOSIDADES INCRÍVEIS

UM: Estima-se que depois de os Románov chegarem ao poder, em 1613, o Império Russo cresceu a uma taxa de 52 mil km² por ano — uma média de mais de quatro mil Maracanãs;

DOIS: No fim do século 19, os Románov dominavam um sexto da superfície terrestre

TRÊS: No século 16, havia um código de regras domésticas fixando que mulheres “desobedientes” fossem chicoteadas. E que as “obedientes” fossem espancadas também, “mas de forma branda“;

QUATRO: Para ascender na corte de Pedro, o Grande, era preciso uma grande tolerância ao álcool, a fim de acompanhar o czar em festas de arromba com orgias e anões nus —sair cedo era proibido;

CINCO: As cartas de Alexandre 2º e sua amante são cheias de códigos, como “bingerle”, que significava sexo. O caso dos dois foi tão tórrido, que os médicos do rei lhe receitaram transar menos;

SEIS: O místico siberiano Raspútin, conselheiro de Nicolau 2º, profetizou que os Románov cairiam em seis meses se ele morresse ou fosse traído. Depois que o bruxo foi assassinado, demorou três meses até a queda dos czares;

SETE: A investigação criminal sobre a morte da última família real ainda não foi encerrada. O caso foi reaberto em 2015 a pedido da Igreja Ortodoxa Russa, que queria confirmar a identidade dos restos mortais da família real. Em 2000, eles foram canonizados como portadores da paixão;

OITO: Os corpos da última família no poder, foram enterrados duas vezes. Os Románov foram levados para o porão de Casa Ipatiev e alinhados ao longo da parede. Pouco depois, o esquadrão comunista realizou os disparos. Os membros da família que sobreviveram ao primeiro ataque (algumas balas foram brecadas por joias nas roupas) foram, enfim, mortos com baionetas. Os corpos foram então atirados do poço de uma mina. No entanto, para limitar as chances de descoberta, os restos mortais acabaram sendo queimados com ácido e depois jogados numa vala comum;

NOVE: O local de extermínio virou ponto de peregrinação. A Casa Ipatiev, onde ocorreu a execução, foi demolida em 1977, quando o governo regional era então comandado pelo futuro presidente russo Boris Iéltsin. Mais tarde, a Igreja do Sangue em Honra de Todos os Santos Resplandecente na Terra Russa nesse mesmo terreno, tornando-se, desde então, um local de peregrinação.

DEZ: O nome de Catarina, a Grande, não era Catarina e ela nem sequer era russa. A mulher que ficaria para a História como Catarina, a Grande, a mulher que durante mais tempo governou na Rússia, era na verdade a filha mais velha de um príncipe prussiano que estava na miséria.


AVALIAÇÃO:


AUTOR: Simon Sebag MONTEFIORE (1965) é um jornalista e historiador britânico de origem judaica especializado na história da Rússia. Formado na Gonville & Caius College da Universidade de Cambridge, é autor de Catherine the Great & Potemkin, uma biografia de Catarina, a Grande. Mais recentemente publicou dois livros sobre o ditador soviético Josef Stalin: Stalin: The Court of the Red Tsar (Stalin: A Corte do Czar Vermelho) e Jovem Stalin.
TRADUÇÃO: Denise BOTTMANN, Donaldson M. GARSCHAGEN, Claudio CARINA, Renata GUERRA e Rogério W. GALINDO
EDITORA: Companhia das Letras
PUBLICAÇÃO: 2016
PÁGINAS: 944


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